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Mas como “a vida é real e é de viés”203, o mais inusitado acontece: Gris

estava realmente no cemitério e foi pego e morto. Bem, não poderíamos de forma alguma relacionar tudo isso à idéia de um determinismo, como se Gris realmente estivesse determinado a morrer, melhor dizendo, como se estivesse escrito nas estrelas que ele iria morrer por fuzilamento pelos fascistas e que isso iria acontecer de qualquer forma, fazendo com que toda a trama e esforços de Ibbieta tenha sido por nada, que de forma os são , mas não em relação especificamente ao destino de Gris, como se a atitude de Ibbieta fosse somente um segmento necessário predestinado para a sua morte. Foi por querer ocultar Gris que acabou facilitando seu destino para seus algozes.

Temos que entender a comicidade como resultante de um cruzamento voluntário e gratuito dos fatos isolados204, diferentemente de uma determinação. Ibbieta incorpora sua gratuidade e, sem esperança diante a vida, assume não dizer 203Trecho da música Os quereres, de Caetano Veloso.

o esconderijo, não por um ato de coragem protecionista a um ideal simbolizado em seu ato de defender Gris, mas somente por pura falta de sentido que estava dando a toda aquela ameaça à sua vida como também toda aquela seriedade que justificavam os guardas.

Se fôssemos pensar em uma determinação como uma força superior regendo e traçando as suas vidas, cairíamos na essência preestabelecida em seus destinos. O que Sartre tenta é dar conta da realidade humana como ela é, por meio da linguagem literária, fazendo-nos entender com esse cruzamento mortal, como pura obra do acaso, como o próprio Ibbieta conclui sendo as coisas tão desprovidas de sentido, tornando o entendimento último de todas as articulações dos fatos como o sentido do cômico e do irônico. Tudo sendo aleatório como um mundo desordenado que em vão tenta-se entender.

O mundo para Ibbieta torna-se gratuito onde qualquer projeto em relação ao heroísmo ou uma delação não tem qualquer importância, eles se equivalem, tanto faz um ou o outro, como a própria vida ou morte de Gris, tanto faz o que venha a acontecer. Tudo torna-se desprovido de sentido em uma anulação que equivalem os valores. Fazer piada diante da sua morte equivale à importância dada à vida, no sentido de sua seriedade, pois falhamos nos projetos e morremos por nada.

Mediante ao anúncio da morte de Gris, nesse emaranhado da contingência onde gravitam a vida e a morte, Ibbieta embriaga-se de uma lucidez-última que se vê ao chão depois de algum tempo rindo desesperadamente.

Para entendermos melhor a total aleatoriedade dos fatos, as conseqüências dos atos de Ibbieta poderiam ser diferente para ele próprio, pois há a equivalência dos valores e, com isso, podemos entender que um ato corajoso ou covarde se equivaleriam, portanto se Ibbieta tivesse agido como covarde, se tivesse revelado o esconderijo de Gris - por tortura como ele próprio temia - os soldados fascistas o teriam fuzilado por não colaborar a entregar Gris. Então, Ibbieta agiria de uma forma covarde, porém poderia ser entendido como um ato de coragem, de herói, mentido sobre o esconderijo. E, então poderia ter sido um herói gratuito, mas desta forma acabou por sendo um covarde, um delator gratuito.

Desta forma, o que podemos compreender é que a liberdade espessa nessa contingência condiz com a gratuidade, e, por tanto, os destinos incertos podem de

com tudo isso, a leve impressão de nós mesmo sermos capazes de trairmos a nós mesmos pelos nossos próprios atos livres, nesse contexto de mundo onde não somos de nenhuma forma determinados, mas totalmente responsáveis por nossos atos. E o que se desejaria, talvez, como ideal, seria o contrário. A liberdade que constitui o sujeito se dá no interior das suas limitações, onde podemos compreender essas limitações como o eterno confronto que se tem em relação às coisas e as outras liberdades, ou seja, essa existência em um mundo desordenado e em completa desarmonia se complexa ainda mais no confronto entre outros sujeitos.

O mistério da existência humana se dá na impossibilidade de compreensão de nossa existência enquanto a vivemos, assemelhando-se ao sentido da historia enquanto existimos e a fazemos. Enquanto vivemos, imersos na história, não a compreendemos enquanto vivida, enquanto a construímos em nossa opacidade existencial.

O gênero humano tem um destino, A História tem um sentido (ainda que seja o de uma sequência de absurdos catastróficos, pois então, como o homem é o ser por quem o sentido vem ao mundo, o sentido da História seria a impossibilidade de um sentido para ser que confere o sentido ao Ser). Mas este sentido da História só poderia aparecer a um ser situado fora da História, posto que toda compreensão da História é ela mesma histórica e se temporaliza na perspectiva de um futuro, portanto, de fins novos. Não se trata, aliás, necessariamente, de Deus nem de um

demiurgo – poderia ser um homem de fora do humano. Em todo caso, é preciso

alguém para fechar os olhos da humanidade. E sendo este alguém, por princípio, impossível, o homem é o operário de uma verdade que ninguém jamais

conhecerá.205