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Contraditório, ampla defesa e o ato citatório no processo eletrônico

5 ROMPIMENTO DO PARADIGMA DA FORMALIDADE ESTRITA E A

5.1 DEVIDO PROCESSO LEGAL E SIMPLIFICAÇÃO DOS ATOS PROCESSUAIS

5.1.2 Contraditório, ampla defesa e o ato citatório no processo eletrônico

A Constituição brasileira dispõe sobre o contraditório e ampla defesa num único dispositivo (art. 5º, inc. LV), assegurando-os aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral, com os meios e recursos inerentes. Afirma-se,

inclusive, que contraditório e ampla defesa perfazem uma mesma garantia processual, não podendo existir ampla defesa sem contraditório e vice-versa.210

Com seu fundamento inserido no princípio da igualdade das partes, o que funda a garantia do contraditório é a proibição ética e jurídica de um julgamento sem oportunizar-se aos acusado a possibilidade de impugnar a prova acusatória e oferecer sua versão defensiva, daí o motivo pelo qual se trata de uma garantia exclusiva da defesa, o que não implica dizer que o órgão de acusação não tenha o direito de conhecer a prova produzida pela defesa211. Contraditório não implica meramente participação dos sujeitos do processo e sim garantia de participação em simetria e paridade de partes, nos limites da igualdade participativa a quem se destinam os efeitos do julgamento.

Já ampla defesa, para Jacinto Nelson de Miranda Coutinho “é, assim, a garantia de

todas as outras garantias: onde ela existe e é efetivada, há o due process of law; há o contraditório; há um fair trial; há justiça”212. O direito a ampla defesa, em termos

substanciais, abrange a autodefesa diante de agressões injustas, não provocadas e, em termos processuais ou instrumentais, abarca a defesa técnica dos litigantes e dos acusados, no processo.213

210

CARVALHO, L. G. Grandinetti Castanho de. Processo penal e constituição. 4ed. rev.e amp. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 141.

211

BOSCHI, José Antonio Paganella. O devido processo legal: escudo de proteção do acusado e a práxis pretoriana. Revista brasileira de ciências criminais, São Paulo, n. 58, ano 14, p. 232-279, jan./fev. 2006, p. 270.

212

COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. Ampla defesa e direito à contraprova. Revista brasileira de ciências criminais, São Paulo, n. 55, ano 13, p. 364-386, jul./ago. 2005, p. 378.

213

Extraída do significado do contraditório, a noção do direito de defesa engloba as noções de alegação e demonstração, inseparavelmente, porquanto para exercê-la a contento é imperiosos o direito de ser informado de todos os atos processuais, corolário do Estado de Direito, o qual, ao facultar aos cidadãos a tomada de decisões, obriga-se ao dever de informar, notadamente quanto aos direitos e suas possíveis restrições.

Evidente que, pelo princípio do contraditório, existe direito de ação para o autor e também direito de defesa para o réu. Se o processo é hoje entendido como instrumento de garantia constitucional, é certo que a garantia de defesa importa garantia ao processo justo e à regularidade de seus atos e respectivos efeitos.

Para que se garanta a paridade de armas, não é demais ressaltar que a defesa técnica para ser ampla, conforme exigência do próprio texto constitucional, deve ser ela indeclinável e efetiva, inclusive sendo facultado ao acusado escolher defensor de sua confiança. Contudo, se não o fizer, ser-lhe-á obrigatoriamente nomeado defensor pelo juiz, que não poderá renunciar a defesa. Não se pode prescindir da defesa em todos os instantes do processo, seja na resposta à acusação, em audiência de instrução, nas razões ou contrarrazões recursais.

Além de o acusado não poder renunciar à defesa técnica, a ampla defesa contempla a garantia da autodefesa, exercida pelo próprio acusado, em momentos fundamentais do processo, como é o caso do direito de audiência, do direito de presença e do direito de postular pessoalmente.

O direito de audiência é o direito que tem o acusado de, pessoalmente, apresentar ao juiz da causa a sua defesa, que se manifesta por meio do interrogatório, por ser este o momento apropriado para que o acusado, em contato direto com o juiz, traga a sua versão

acerca do fato da imputação. O direito de presença é aquele por meio do qual se garante ao acusado a oportunidade de ao lado de seu defensor, acompanhar os atos instrutórios, auxiliando-o na execução da defesa. Por fim, o direito de postular pessoalmente existe quando se possibilita ao acusado, em sua própria defesa, por exemplo, interpor recursos com a assistência posterior de defensor para dar-lhe seguimento, impetrar habeas corpus, formular pedidos relativos à execução da pena, como é o caso do requerimento para progressão de regime. A violação ao direito do acusado de exercer sua própria defesa constitui causa de nulidade, sendo necessária a sua intimação para os atos do processo a fim de ser-lhe assegurado o direito de acompanhá-los, somente sendo dispensada quando for revel (art. 367, CPP).214

Não foi por acaso que especial atenção foi dada pelo legislador ao ato citatório no processo penal. A própria Lei nº 11.419/06, em sintonia com a preservação das garantias e direitos constitucionais do acusado, exclui a citação on line do processo criminal ao dispor, em seu art. 6º, que: “observadas as formas e as cautelas do art. 5o desta Lei, as citações, inclusive da Fazenda Pública, excetuadas as dos Direitos Processuais Criminal e Infracional, poderão ser feitas por meio eletrônico, desde que a íntegra dos autos seja acessível ao citando”.

A doutrina, ao interpretar a norma acima transcrita, deixa claro que a Lei do Processo Eletrônico não trouxe mudanças acerca da citação no âmbito do processo penal. Nesse sentido, Guilherme de Souza Nucci assinala que ”Embora tenha sido editada a Lei

214

FERNANDES, Antônio Scarance. Processo penal constitucional. 6ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010, p. 263-265.

11.419/2006 (informatização do processo judicial), para efeito de citação, no processo penal, nada se altera”.215

O início do processo penal depende da citação válida do acusado (art. 363, CPP) primeiro ato formal de comunicação ao denunciado ou querelado, que poderá ser realizada das seguintes formas: a) pessoal ou real (art. 351, CPP), através de mandado, sendo esta a regra geral; b) com hora certa (art. 362, CPP), na hipótese de ocultação do acusado para não ser citado; e c) por edital ou ficta (art. 361, CPP), quando não encontrado o acusado.

A citação no processo penal guarda singular particularidade, porquanto dela depende diretamente a eficácia do direito fundamental do contraditório e, em momento posterior, da ampla defesa, daí a razão pela qual se exige que o réu saiba previamente o inteiro teor da acusação, e para tanto, além da leitura do mandado pelo oficial de justiça, dever ser-lhe entregue uma cópia da peça acusatória (art. 357, CPP). Com a reforma de 2008, o réu passou a ser citado para apresentar resposta à acusação, não havendo data aprazada para o interrogatório, o qual somente se realizará, após a resposta apresentada pela defesa, caso não haja a absolvição sumária ou até mesmo rejeição da denúncia, caso se entenda não existir preclusão para que o juiz analise as condições da ação previstas no art. 395 do CPP.216

É de clareza palmar que o ato citatório pessoal de chamamento do réu a juízo, dando- lhe ciência do ajuizamento da ação, imputando-lhe a prática de uma infração penal e oportunizando-lhe defender-se pessoalmente e através de defesa técnica, permanece hígido, enquanto decorrência natural do devido processo legal, devendo ser realizado por mandado cumprido por oficial de justiça, que dará ciência, pessoalmente, do conteúdo da acusação e

215

NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. 9ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 661.

216

LOPES JUNIOR, Aury. Direito processual e sua conformidade constitucional. 3 ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2010. v.2, p. 9 e 12.

colherá o ciente do acusado, inclusive, devendo ser expedida carta precatória para tal finalidade quando o réu estiver fora da jurisdição do juiz processante.

Ademais, é importante acrescer que, após as alterações trazidas ao CPP pelas Leis nºs 11.689 e 11.719, ambas de 2008, tornou-se imprescindível incluir no mandado de citação, além do resumo da acusação – cópia da denúncia ou queixa -, o disposto no art. 396-A (procedimento comum) ou art. 406, §3º (procedimento do júri), do CPP, para alertar ao réu acerca da amplitude de seu direito de defesa, nada obstante seja este exercido, nesta hipótese, por meio de defesa técnica.217

Excetuada a citação pessoal do acusado, a denúncia deverá ser formalizada por meio digital, quando será registrada junto ao sistema de cadastro e identificada com número em código de barras específico. Procedimento idêntico deverá ocorrer na ação penal privada, onde o querelante apresentará sua queixa-crime digitalizada, havendo igual processamento para a resposta do querelado.

De qualquer modo, o processo penal eletrônico constitui nova etapa que visa à celeridade, efetividade e instrumentalidade que requer do Ministério Público, da Defensoria, dos advogados em geral e daqueles que auxiliam ao serviço forense, uma adaptação, que abarcará inevitavelmente uma fase de investigação digitalizada, a depender do investimento no incremento do sistema.218

No âmbito do processo penal eletrônico, mandados, alvarás, habeas corpus, certidões, antecedentes, contramandados, recursos, enfim, a maioria dos atos, inclusive o mandado

217

NUCCI, Guilherme de Souza. Op. cit., p. 662. 218

ABRÃO, Carlos Henrique. Processo eletrônico: Lei 11.419 de 19 de dezembro de 2006. 2ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 92-93.

citatório cumprido através de oficial de justiça, deverá ser digitalizado onde bastará a certidão digital para o reconhecimento desses atos lançados no sistema.

A despeito dessa renovação advinda com o processo criminal eletrônico, as garantias constitucionais do acusado dão o tom da diretriz de toda a metodologia, porquanto em cada fase processual o amplo contraditório e a plena defesa nortearão a condução do processo, ainda que deixada de lado a burocracia e a utilização do processo de papel.219

5.1.3 Publicidade e sigilo no processo penal: a questão da preservação da intimidade no