• Nenhum resultado encontrado

No Brasil: concretude necessária ao sistema acusatório previsto na CF/88

4 ESTADO CONSTITUCIONAL DE DIREITO E PROCESSO PENAL

4.4. MOVIMENTO REFORMISTA DO PROCESSO PENAL

4.4.2 No Brasil: concretude necessária ao sistema acusatório previsto na CF/88

Não é de hoje que a comunidade jurídica nacional busca implementar alterações significativas no antidemocrático Código de Processo Penal de 1941 com vistas à implementação de um processo penal de melhor qualidade e resultados, que disponha de instrumentos adequados à tutela de direitos, mas que assegure a utilidade das decisões, porquanto não basta garantir os direitos individuais de liberdade sem que se tenha a funcionalidade da administração da justiça criminal. A funcionalidade deve permear os caminhos tanto do sistema de garantias processuais quanto de uma justiça penal ágil.

O Código de Processo Penal brasileiro passou a viger em pleno Estado Novo, quando o país vivia a ditadura de Getúlio Vargas e adotou a legislação processual penal da Itália de Benito Mussolini, o então denominado Código Rocco, que possuía feição autoritária, apropriada ao despotismo de ambos os países.189

A intervenção do Estado na esfera privada foi substancialmente ampliada, dando mostras dos caracteres políticos da época constitucionalizados pela Carta de 1937 e que tiveram ampla influência sobre o Código. Com efeito, a marca do Estado Novo e do Código de Processo Penal era a primazia do interesse do Estado sobre o interesse do cidadão, como se o Estado não fosse o meio para a concretização do bem-estar e das potencialidades dos cidadãos. Entretanto, muita coisa mudou entre o burocrático Código de 1941 e a Constituição de 1988 deitando raízes profundas na estrutura jurídico-política, exigindo uma reforma radical no Código de Processo Penal a fazer com que a diretriz constitucional se impusesse

189

plenamente tornando-se um instrumento hábil a refletir o Estado Democrático Constitucional, especialmente quanto ao papel desempenhado pelos sujeitos da relação processual.190

As recentes mudanças do processo penal brasileiro vêm fortalecer o modelo garantista, assim como a doutrina e jurisprudência nacionais, não sendo mais possível empreender qualquer pesquisa dogmática apartada do referencial constitucional,191 no sentido de que todos os direitos previstos na Constituição serão assegurados ao cidadão, porque de nada adianta garantir-lhe o direito de ampla defesa se, por exemplo, sanção penal lhe for aplicada sem que possa se defender dos fatos que lhe foram imputados ou se não for citado para responder a acusação ou se for condenado por fato diverso do que constava na denúncia ou se lhe for revogado qualquer benefício legal sem sua prévia oitiva ou se o processo não tiver duração razoável.

Não se pode olvidar que, na década de 1970, especificamente nos anos de 1973 e 1977, existiram grandes alterações no Código de Processo Penal, através das quais foram flexibilizadas diversas regras restritivas do direito à liberdade.192

Afora essas mudanças, outras leis modificaram o CPP neste longo período de sua vigência e, apesar dessas alterações e da supremacia da Constituição, ainda havia falhas e incoerências, mormente quanto ao sistema acusatório, às garantias do acusado e o excessivo apego ao formalismo, descurando-se da imperiosa efetividade que o processo penal carece ter.

190

CARVALHO, L. G. Grandinetti Castanho de. Processo penal e constituição. 4ed. rev.e amp. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2006, p. 1-4.

191

OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Processo e hermenêutica. 2ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 149.

192

Embora o ideal fosse a elaboração de um novo Código de Processo Penal, o legislador optou por reformas tópicas, pulverizando as alterações em projetos setoriais com o escopo de facilitar a tramitação legislativa, sem embargo das diversas inovações em leis processuais esparsas, as quais já dão um certo tom de modernidade à sistemática processual penal, sobretudo mais recentemente com a edição das Leis nºs 11.689, 11.690 e 11.719, todas de junho de 2008 e da Lei nº 11.900, de 08 de janeiro de 2009, trazendo novos e significativos avanços na legislação processual penal.

Dentre esses avanços inseridos pela nova legislação no Código de Processo Penal, tem- se, por exemplo: a) Juiz como garantidor do processo; b) Ministério Público como dominus

litis da ação penal de iniciativa pública; c) citação com hora certa; d) possibilidade de

absolvição sumária tanto para os demais procedimentos quanto para o rito do tribunal do júri; e) retomada do princípio da oralidade com a documentação dos atos praticados em audiência sem a necessidade de transcrição; f) audiência una de instrução e julgamento; g) adoção do sistema direto ou do cross examination para a inquirição de testemunhas, em sintonia com o modelo acusatório, cabendo ao juiz a função restrita de complementação dos pontos não esclarecidos; h) previsão expressa do princípio da identidade física do juiz; i) alterações na ação civil ex dellicto com maior proteção da vítima e satisfação de seus interesses quanto aos danos sofridos com o ato ilícito; j) registro das provas orais colhidas em meio magnético; e l) possibilidade de realização de audiência de instrução, interrogatório e outros atos processuais por videoconferência.

Focado no paradigma do Estado Constitucional de Direito, em que a Constituição assenta a base teórica de todo o ordenamento jurídico, o sentido da reforma está encartado na necessária democratização do processo penal, afastando-o do modelo ditatorial e adequando-o à Constituição de 1988, sobretudo quando se fortalece o sistema acusatório com vistas à

concretização de um processo ágil, simples e moderno, o que exigirá valiosa contribuição dos operadores do direito com a mudança de mentalidade imprescindível à operacionalização do sistema que tem como diretriz a observância aos direitos fundamentais.

5 ROMPIMENTO DO PARADIGMA DA FORMALIDADE ESTRITA E A