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4 ESTADO CONSTITUCIONAL DE DIREITO E PROCESSO PENAL

4.4. MOVIMENTO REFORMISTA DO PROCESSO PENAL

4.4.1 Um enfoque no plano internacional

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FERNANDES, Antônio Scarance. Processo penal constitucional. 6ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010, p. 24-25.

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SILVA JUNIOR, Walter Nunes da. Reforma tópica do processo penal: inovações aos procedimentos ordinário e sumário com o novo regime das provas e principais modificações do júri. Rio de Janeiro: Renovar, 2009, p. 13-14.

O sistema penal do final do século XX caracterizou-se pela reforma do direito e do código em diversos países e pelas mais variadas razões. No horizonte do conjunto dessas reformas se constatam as exigências da Convenção de Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, que questiona a soberania nacional do direito de julgar e introduz um controle supranacional sobre todos os aspectos do processo penal.

Entretanto, Mireille Delmas-Marty salienta que a jurisprudência da Convenção Européia de Direitos do Homem e da Corte de Justiça das Comunidades Européias, longe de abrir mão do estudo comparado dos processos penais nacionais, estimula a volver atenção particular à análise desses processos, enxergando como sendo indispensável caso se almeje ter a medida do caminho a percorrer entre a aproximação induzida pouco a pouco pela aplicação dos princípios supranacionais e a harmonização dos conjuntos – harmonização pluralista que é diferente da unificação – que proclamará a adoção de um modelo europeu de processo penal.180

Dentre as linhas de orientação das reformas duas são convergentes e visíveis: a) deslocamento das funções da justiça repressiva, aumentando a margem de manobra do órgão de acusação, o Ministério Público; b) simplificação e a aceleração do procedimento, como em Portugal, Alemanha e no Conselho da Europa (1987). Algumas reformas já findaram e outras estão em curso. Tome-se o exemplo da Itália, que desde 1989, tem um novo Código de Processo Penal. Portugal, igualmente, conhece um novo Código de Processo Penal que entrou em vigor em 1988. A Alemanha passou por reformas significativas nos anos de 1970. Na Espanha, a Constituição de 1978 e a reforma de 1988 assinalaram o retorno da democracia

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DELMAS-MARTY, Mireille. Processos penais da europa. Tradução Fauzi Hassan Choukr e colaboração Ana Cláudia Ferigato Choukr. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. xxxvi-xxxvii.

política. Do mesmo modo, os acontecimentos políticos nos países do Leste anunciaram mudanças significativas. 181

O tema da simplificação é complexo, mormente se visar à aceleração da justiça. Uma indagação se desenha nesse cenário: simplificar para quê?

Explicando a simplificação e a aceleração do procedimento como um dos focos da reforma do processo penal europeu, Françoise Tulkens, Juíza do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem e Professora da Universidade Católica de Louvain (Bélgica), lembra que:

Desritualizar os atos de procedimento, simplificar as vias de recursos, tornar a instrução facultativa etc.; na estrita busca desse objetivo, existe também um princípio de bifurcação que se introduz entre os procedimentos de direito comum e os procedimentos especiais. De um lado, para a pequena delinqüência, procedimentos simplificados que se inscrevem na via do consensualismo, como a justiça negociada (plea bargaining, patteggiamento); de outro lado, o processo judiciário “verdadeiro”, reservado aos casos considerados graves.182

A Europa deixa ver que nenhum sistema é perfeito, uma vez que a Corte Européia dos Direitos do Homem constatou violações à Convenção de Proteção advindas de todos os lados, seja no Reino Unido, seja na Europa continental. Percebe-se também que, em virtude das mudanças políticas no Sul e no Leste e de um controle supranacional exercido atualmente pela Corte de Estrasburgo, e, a seu modo, pela Corte de Justiça de Luxemburgo, um movimento sem precedentes de reforma do procedimento penal em vários países da Europa,

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TULKENS, Françoise. O procedimento penal: grandes linhas de comparação entre sistemas nacionais. In: DELMAS-MARTY, Mireille (Org.). Processo penal e direitos do homem: rumo à consciência européia. Tradução Fernando de Freitas Franco. Barueri/SP: Manole, 2004, p. 5 e 13-17.

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TULKENS, Françoise. O procedimento penal: grandes linhas de comparação entre sistemas nacionais. In: DELMAS-MARTY, Mireille (Org.). Processo penal e direitos do homem: rumo à consciência européia. Tradução Fernando de Freitas Franco. Barueri/SP: Manole, 2004, p. 15.

incluindo-se a Europa do Leste, onde se constata melhor que o procedimento penal está ligado mais ainda que o direito penal ao processo de democratização.183

Quanto à América Latina, no final dos idos de 1990 e início dos anos 2000, em meio ao seu processo de democratização, foi introduzida a reforma dos Códigos de Processo Penal, em que os direitos fundamentais previstos constitucionalmente seriam os pilares das idéias, e após estudos intensos, uma comissão composta por Jaime Bernal, Fernando de la Rua, Ada Pellegrini Grinover e Júlio Mayer, apresentou em 1988, o Código de Processo Penal para Ibero-América, de maneira que esse modelo fundado na Convenção Americana de Direitos Humanos, de 22 de novembro de 1969, tem sido o norte das recentes reformas processuais penais de países como Argentina, Guatemala, Costa Rica, El Salvador, Chile, Venezuela, Bolívia, Paraguai e das reformas parciais do Brasil.184

Garantismo e eficiência correspondem aos valores fundantes do novo processo penal, cuja missão permanece no saber se o acusado é culpado ou inocente185, onde a transparência e a desburocratização são corolários do sistema acusatório, o qual exige ferramentas para sua plena realização, que por sua vez se traduz em mecanismos de seleção de casos e adequação dos procedimentos à complexidade dos fatos e à gravidade da infração, aliados a aspectos

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DELMAS-MARTY, Mireille. Processo penal e direitos do homem: rumo à consciência européia. Tradução Fernando de Freitas Franco. Barueri/SP: Manole, 2004, p. xvi-xvii.

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SILVA JUNIOR, Walter Nunes da. Reforma tópica do processo penal: inovações aos procedimentos ordinário e sumário com o novo regime das provas e principais modificações do júri. Rio de Janeiro: Renovar, 2009, p. 12-13.

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CARNELUTTI, Francesco. As misérias do processo penal. Tradução de Ricardo Rodrigues Gama. Campinas: Russel Editores, 2008, p.47.

administrativos e gerencias dos órgãos da justiça penal na implementação do necessário instrumento técnico para dar efetivo cumprimento aos mencionados valores fundantes.186

O Código Modelo de Processo Penal para Ibero-América que suprime os juizados de instrução, prevendo uma etapa de investigações prévias a cargo do Ministério Público e um processo, cujas funções de acusar, defender e julgar são atribuídas a órgãos distintos, incutiu uma política renovadora ao novo processo penal da América Latina, fazendo com que nos movimentos de reforma o modelo acusatório passe-se a ser um referencial na definição de um novo quadro jurídico-cultural. Alguns países incorporaram integralmente as idéias fundamentais do Código Modelo em seus Códigos de Processo Penal como é o caso da Argentina, Guatemala, Costa Rica, El Salvador, Paraguai, Chile, Bolívia e Honduras.187

Consoante Kai Ambos e Fauzi Hassan Choukr, a reforma do processo penal nos países da América Latina tem como idéia central a substituição do tradicional modelo inquisitivo, escrito, burocrático, pouco transparente e moroso, por um modelo do tipo acusatório, simplificado, transparente, oral, com o Ministério Público como parte, garantias do acusado, defesa efetiva, direito ao silêncio, presunção de não-culpabilidade, proibição de provas ilícitas e a imparcialidade do juiz, o qual não deve se substituir ao Ministério Público para assumir função mais própria de quem exerce o jus puniendi. 188

186

Cf. GRINOVER, Ada Pellegrini. Lineamentos gerais do novo processo penal na América Latina:

Argentina, Brasil e Código modelo para Ibero-america. Disponível em:

http://www.juridicas.unam.mx/publica/librev/rev/facdermx/cont/175/dtr/dtr7.pdf. Acesso em: 13 jun. 2010.

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GRINOVER, Ada Pellegrini. A instrução processual penal em ibero-america. Disponível em: <http://www.iij.derecho.ucr.ac.cr/archivos/documentacion/inv%20otras%20entidades/UNAM/iij/ponencias%20 300104/mesa4/100s.pdf. Acesso em: 29 jun. 2010, p. 1-4.

188

Apud SILVA JUNIOR, Walter Nunes da. Reforma tópica do processo penal: inovações aos procedimentos ordinário e sumário com o novo regime das provas e principais modificações do júri. Rio de Janeiro: Renovar, 2009, p. 13.