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A contribuição de William James

No documento Tempos e saúde na União do Vegetal (UDV) (páginas 45-49)

2. Metodologia etnográfica e epistemologia dos tempos.

2.5. A contribuição de William James

Filósofo estadunidense (1842-1910). Irmão do famoso escritor Henry James, foi professor de psicologia na Universidade de Harvard. É considerado o criador do pragmatismo: uma filosofia caracterizada pela descrença no fatalismo e pela certeza de que só a ação humana, movida pela inteligência, pode modificar os limites da situação e condição humana. Possui uma ênfase nas conseqüências da ação-utilidade e sentido prático - como componentes vitais da verdade. Examinou também vários aspectos do sentimento religioso e da percepção do tempo, e por isso mesmo é que tem seu lugar destacado nesta dissertação. Uma característica interessante da vida de William James foi que conheceu pessoalmente o Brasil e a Amazônia aos 23 anos, numa expedição cientifica chefiada pelo naturalista Louis Agassiz, na época uns dos mais importantes defensores do creacionismo e de outros valores ultra-conservadores ligados ao racismo. Foi em 1865, e durante um ano, que percorreu Belém, Manaus, Santarém e outras partes do Brasil. A chamada “expedição Thayer” tinha como objetivo rebater as teses de Darwin e estava composta também por um geólogo e um ilustrador. Para a autora do recente livro que examina esta viagem, todas as grandes descobertas da vida do autor começaram com aquela viagem pelos rincões do Brasil (MACHADO, 2006.)

O tempo, como sensação subjetiva do indivíduo, foi examinado por William James. Segundo Baldo et al (2006)

A ilusão de uma consciência instantânea e simultânea aos estímulos sensoriais que a evocam

foi denominada "presente especioso" pelo psicólogo e filósofo americano William James (1842-1910). James considerava o presente ilusório não apenas pelo conteúdo temporal da consciência surgir com atraso em relação ao mundo, ou por dar coerência temporal a uma atividade neural inevitavelmente assincrônica. Ele percebia o presente como uma sensação estendida no tempo, possivelmente exigindo, de um lado, a re-evocação de um passado recente guardado na memória de curtíssimo prazo e, de outro, a expectativa de um futuro iminente.

O presente como sensação humana e individual é uma das características marcantes do pensamento de William James, que servirá para trazer algumas problemáticas ligadas aos estados de consciência, religião e misticismo.

G. William Barnard, no artigo Entheogenic Mysticism: a Jamesian Assessment38(2013), comenta que James resumiu que existem duas abordagens principais na compreensão das relações entre cérebro e a consciência. Na primeira, que ele chama “produtiva”, a consciência emerge das complexas interações químicas que acontecem no cérebro. A atividade neuroquímica produz os estados de consciência, assim:

from the perspective of the productive theory of consciousness, every mystical or religious experience is hallucinatory, they too are nothing more than mental aberrations caused by the misfirings of neurons in the brain. From the perspective of the productive theory of consciousness, the only real world is the world that is perceived through the senses. By definition, therefore, if you are having extra-sensory perceptions, then there is simply something wrong with your cerebral circuitry. (op. cit, p. 3).39

38 Disponível em http://www.neip.info/html/objects/_downloadblob.php?cod_blob=755 acesso 10/2013.- 39

“Desde a perspectiva da teoria produtiva de consciência, cada experiência mística ou religiosa é alucinatória, não são nada mais do que aberrações mentais causadas pelas falhas de neurônios no cérebro. Do ponto de vista da teoria

Porém, para James é possível explicar que as alterações na química do cérebro (ou do sistema nervoso em geral) são acompanhadas de alterações nos estados de consciência por uma outra teoria, que ele chama de “transmissiva”. Nela, a consciência pré-existe ao cérebro e o trabalho do órgão é moldar a consciência em várias formas.

Seen from this perspective, the brain's task would be to receive and transmit limited forms of this consciousness in much the same way as, to use an anachronistic example, a radio receives portions of pre-existing radio waves and then transmits them through the air as sound waves. (op. cit., p. 4).40

Nesta perspectiva, alterações na química do funcionamento neuro-cerebral poderiam “abrir a porta” de níveis de consciência previamente inacessíveis. Um dos principais argumentos a favor da “teoria transmissiva” seria que a consciência não tem de ser “inventada” de novo cada vez por cada ser humano, em cada lugar. Ela existe com anterioridade, como se fosse detrás da cena. Além disso e mais importante para esta dissertação, a teoria transmissiva possui capacidade de explicar fatos onde a teoria produtiva tem dificuldades, notadamente fenômenos como as conversões religiosas, premonições, visões, curas “instantâneas” e todas as “capacidades mediúnicas” (Op. cit., p. 5) O Mundo, então, teria também uma qualidade “transcendente”, que os que postulam a teoria produtiva, limitada às perspectivas materialista e naturista do funcionamento cerebral, não pode tomar como válida.

Nos estudos sobre a religião, o autor está ocupado em demonstrar a preeminência do sentimento individual e examina os estados místicos, utilizando óxido nitroso para atingi-los pessoalmente. Uma recente dissertação utiliza as idéias de James no estudo da UDV (RICCIARDI,

produtiva de consciência, o único mundo real é o mundo que é percebido através dos sentidos. Por definição, portanto, se você está tendo percepções extra-sensoriais, então simplesmente há alguma coisa de errado com o seu circuito cerebral.” (Trad. própria).

40

“Visto desta perspectiva, a tarefa do cérebro seria receber e transmitir formas limitadas de essa consciência, da mesma forma que, para usar um exemplo anacrônico, o rádio recebe porções de ondas de rádio pré-existentes e os transmite através do ar como ondas sonoras.” (Trad. própria).

2008). Os estados místicos possuem as seguintes características para James:

1 - Inefabilidade - a mais jeitosa das marcas pelas quais classifico de místico um estado de espírito é negativa. Quem a experimenta diz incontesti que ela desafia a expressão, que não se pode fazer com palavras nenhum relato adequado do seu conteúdo. Disso se segue que a sua qualidade precisa ser experimentada diretamente; não pode ser comunicada nem transferida a outros. Por essa peculiaridade, os estados místicos assemelham-se muito mais a estados de sentimentos, do que a estados de intelecto. Ninguém consegue explicar para outra pessoa, que nunca conheceu determinado sentimento, em que consistem a qualidade ou o valor dele.

2 - Qualidade noética - conquanto muito semelhantes a estados de sentimento, os estados místicos parecem ser também, para os que os experimentam, estados de conhecimento, estados de visão interior, dirigida a profundezas da verdade, não sondadas pelo intelecto discursivo. São iluminações, revelações, cheias de significado e importância, por mais inarticuladas que continuem sendo; e via de regra, carregam consigo um senso curioso de autoridade pelo tempo sucessivo.

3 - Transitoriedade - os estados místicos não podem ser mantidos por muito tempo. Muitas vezes quando aparecem, a sua qualidade pode ser apenas parcialmente reproduzida na memória; mas quando se repetem são reconhecidos; e de uma ocorrência a outra, são suscetíveis de contínuo enriquecimento, no que se sente como riqueza e importâncias anteriores.

4 - Passividade - se bem a aproximação de estados místicos seja facilitada por operações voluntárias preliminares, como a fixação da atenção, a execução de certos gestos corporais, todavia, depois que a espécie característica de consciência

se impôs, a pessoa tem a impressão de que a sua própria vontade está adormecida e, às vezes, de que ele está sendo agarrado e seguro por uma força superior. (JAMES, 1995, p. 237).

Para o autor, existe uma ampliação do conhecimento nas experiências místicas pela via da expansão da consciência. Os fatos e saberes prévios podem ser re-dimensionados num novo sentido ampliado. Também para Tatiana Carvalho Barbosa (2005, p. 46), na obra de James “é admitida a possibilidade de haver expansão da consciência, desvinculada de fins religiosos. Além do valor religioso, há um valor prático para o julgamento do cotidiano. Os estados místicos não são meras experiências religiosas, são experiências de utilidade prática para a vida, pois ampliam a visão de mundo.”

No documento Tempos e saúde na União do Vegetal (UDV) (páginas 45-49)