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O tempo ou os tempos?

No documento Tempos e saúde na União do Vegetal (UDV) (páginas 42-45)

2. Metodologia etnográfica e epistemologia dos tempos.

2.4. O tempo ou os tempos?

Tempo Rei! Oh Tempo Rei! Oh Tempo Rei! Transformai

As velhas formas do viver Ensinai-me

Oh Pai!

O que eu, ainda não sei Mãe Senhora do Perpétuo Socorrei!...

Fragmento da letra da canção “Tempo Rei” (Gilberto Gil),

Também ouvida em algumas sessões da UDV, utilizo aqui a musica anterior para levar poeticamente à atenção do leitor para um dos tópicos principais deste trabalho: a observância do tempo como transformadora da realidade. Nesse esforço, avançarei também para uma consideração plural da questão, examinando tempos.

A seguir, reviso teorias sobre o tempo em alguns autores clássicos e contemporâneos. O arcabouço conceitual da dissertação é construído numa seleção destes conceitos. A discussão sobre tópicos temporais é praticamente infinita, porém aqui resenhei algumas das idéias mais fecundas, segundo uma revisão dos heterogêneos materiais que se apresentam ao pesquisador interessado nesta área. No projeto que originou esta dissertação apontei o enorme conjunto dos antecessores e contemporâneos que tratam do tema. É matéria de reflexão em Ocidente a partir de seu remoto alvorecer, e as produções que poderiam ter pertinência partem de muitas disciplinas, ainda que especialmente da física e da filosofia. Neste trabalho, se fará uma apresentação geral dos pilares da discussão, que permitirá perceber a complexidade da questão, e também levantar os avanços obtidos.

Tradicionalmente, ao refletir sobre o tempo são citadas as observações de Agostinho de Hipona, escritas perto do ano 400 d.c.: O

qué e o tempo? Se ninguém me perguntar eu sei, porém, se quiser explicar a quem me perguntar, já não sei. Segundo este pensador, o

presente tem a maior relevância diante do passado (que já foi, logo não é), e do futuro (que ainda não aconteceu, logo também não é). Na física de Newton, existe um conceito de tempo onde também existe uma ênfase no presente. Excelente exemplo de uma teoria que sintetizou numa única explicação para fenômenos tão diversos quanto a queda das maçãs e a órbita dos planetas, as idéias de Newton revolucionaram a física da época e continuaram tendo o maior poder explicativo durante 200 anos. Para este autor, o tempo só podia ser uma constante física, um único “agora” existente em todos os espaços. Ainda que os corpos possam ficar em repouso, ou ter velocidades mais ou menos importantes, o tempo não seria afetado pelos movimentos dos corpos, sendo sempre simultâneo. Depois, durante o século XIX, emergiu a exitosa teoria do eletro-magnetismo de Maxwell, em aberta contradição com as idéias de Newton. Foi Albert Einstein, em 1905, quem fez o próximo grande avanço na física ao enunciar que a única constante no Universo é a velocidade da luz e devastando a idéia de um tempo

absoluto. No modelo de universo proposto por Einstein, segundo comentam Baldo et al (2006), os conceitos temporais como simultaneidade e duração ou espaciais, como distância e comprimento, tornam-se relativos a um dado referencial inercial. Quer dizer que, inexistindo possibilidades de uma perspectiva de observação no repouso absoluto, todas as observações mantêm alguma inércia e são, portanto, relativas à perspectiva de quem observa. Quando observamos o céu noturno cheio de estrelas vemos, na verdade, um espetáculo único pela perspectiva espaço-temporal. Espacial porque a visão seria diferente mudando o ângulo de observação ao situar, por exemplo, um hipotético observador em outro planeta. Temporal porque a visão em pauta integra numa só percepção luzes de estrelas que recentemente foram emitidas, as que estão perto do observador, e outras que levam milhões de anos viajando pelo espaço. Segundo os astrônomos, muitas das estrelas que vemos hoje no céu já não existem – desapareceram há milhões de anos-. Assim, uma das medidas astronômicas de comprimento é o “ano-luz”, quer dizer, a distância que a luz atravessa no vácuo em um ano Juliano (com valor aproximado de 10 trilhões de quilômetros).

Existem experiências, passadas e contemporâneas, que discorrem sobre a percepção do tempo a partir da perspectiva das neurociências e que abrangem tópicos da física, como a velocidade maior da luz do que qualquer outra força. O cérebro, ou digamos o sistema nervoso, nestas experiências, poderia ser examinado como um observador ao qual chegam diferentes percepções em diferentes momentos, por diferentes canais (os sentidos). Examinando a questão no máximo detalhe, uma imagem de uma situação cotidiana qualquer, como o carro passando na rua ou uma pessoa gritando, tem que chegar antes ao cérebro que o som emitido na mesma situação (pela velocidade maior da luz). Este fato é facilmente perceptível quando existem diferenças temporais entre o raio e o trovão, devidas à distância entre o fenômeno e o observador humano. Sendo assim, o sistema nervoso seria o responsável, na cotidianidade, por articular estímulos assíncronos e fazê-los parecerem simultâneos.

É difícil, e certamente arbitrário, escolher autores que analisam o tempo com alguma justificativa coerente. Como foi dito, existem muitos antecessores e contemporâneos que abordam o tempo, as temporalidades, as narrativas sobre o tempo, etc.. Sem chance nem pretensão de reconhecer todos eles, mas com a intenção de enriquecer o mais possível às perspectivas desta dissertação, escolhi nutrir o marco teórico com um filósofo, William James, pela originalidade de seus

aportes e pela experiência de primeira mão com estados modificados da consciência. Em seguida abordarei a contribuição de Anthony Giddens, mais por uma questão de ligar com as teorias contemporâneas da estruturação social, e pelo cruzamento entre subjetividade, agência e instituições que caracterizam seus estudos e desenvolvimentos, transcendendo as dicotomias clássicas individuo/sociedade, estrutura/história. Mais adiante trabalho com as reflexões de Norbert Elias, que foi sempre um grande “interlocutor” pela radical “socialização” e historicidade com que trata os assuntos humanos e pelo seu próprio, enorme e original interesse reflexivo sobre o tempo. O conceito de evolução que ele utiliza também permite uma interessante discussão com a noção de evolução espiritual na UDV, que analisarei mais à frente. Ainda, nas últimas paginas aparecem aportes de mais autores.

No documento Tempos e saúde na União do Vegetal (UDV) (páginas 42-45)