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3 AS EXPERIÊNCIAS TRANSPESSOAIS E O PERCURSO DOS EDUCADORES

3.1 O paradigma transpessoal: a busca da compreensão multidimensional do ser

3.1.2 Contribuições da dimensão espiritual para as experiências transpessoais

A psicologia transpessoal surge como uma nova perspectiva epistemológica, ontológica e metodológica, dialogando com as teorias psicológicas vigentes e ampliando a abrangência de atuação e compreensão de mundo e de ser. A inserção da transcendência, do espiritual, do além do ego junto a essa nova visão de mundo e de ser no âmbito da ciência psicológica foi o grande elemento diferenciador e impactante do movimento transpessoal. Isso se deve, ao que Ferreira (2012, p. 17) afirma: “A resistência à introdução da dimensão espiritual no campo acadêmico da psicologia deve-se, em parte, ao ranço adquirido em nossa cultura contra a religião, desde o iluminismo”.

Desse modo, concordamos com Descamps, Alfillé e Nicolescu (1987, p. 7), quando defendem que o “O Transpessoal é tudo o que vai além da pessoa, tudo o que permite ir além da noção de pessoa18”. Para esses autores, é impossível definir o transpessoal, desconsiderando a história da espiritualidade no Ocidente, assim como não se pode ficar na velha concepção de espiritualidade sem compreender aspectos das dimensões, experiências e visão transpessoal.

Podemos entender que a psicologia transpessoal por reconhecer a complexidade do ser, incluindo a dimensão espiritual em sua forma de abordagem, resume e unifica argumentos teóricos e práticos das ciências ocidentais e das filosofias orientais. Nessa configuração, encontramos fortes argumentos em Wilber (1993, p. 248-249) para reforçar essa ideia.

Os estudos transpessoais são atualmente os únicos estudos verdadeiramente globais – estudos que perscrutam todo o espectro do crescimento e da aspiração humana. Não tenho dúvidas de que a próxima década testemunhará a ascensão do transpersonalismo como a única área que abarca tudo o que diz respeito aos esforços humanos. E apesar de não acreditar que o mundo esteja vivendo nada parecido com uma “nova era” nem com uma “transformação transpessoal”, efetivamente creio que os estudos transpessoais serão a partir de agora o farol que guiará os homens e as mulheres que vêem o Espírito no mundo e o mundo no Espírito (WILBER, 1993, p. 248-249)

Como paradigma de pesquisa e de desenvolvimento de outros modos de ser e de viver, a Psicologia Transpessoal ultrapassou a visão moderna de mundo e de ser. Isto significa dizer que “Os fenômenos psi e transpessoais no mundo holístico, pós-moderno, podem ser considerados mais amplos, mais elegantes e mais parcimoniosos do que qualquer outra coisa que possa ser imaginada atualmente” (KRIPPNER, 1991, p. 19).

Nessa perspectiva, a psicologia transpessoal pode ser considerada como uma psicologia integral. Para Wilber (2007), uma psicologia integral deveria envolver o Grande Ninho da pré- modernidade (corpo, mente, alma e espírito), a diferenciação das esferas de valor na modernidade e a integração dessa diferenciação, por meio de todos os níveis e quadrantes, com o Grande Ninho na pós-modernidade. Entendemos, nesse caso, uma concepção multidimensional do ser, contemplando a dimensão espiritual.

Uma abordagem integral da espiritualidade, na visão de Wilber (2006), revela o papel novo da religião e os estágios de desenvolvimento da espiritualidade. Nesse sentido, “o novo ser humano é integrado, e assim o é a espiritualidade” (WILBER, 2006, p. 11). Com o Pluralismo Metodológico Integral, o referido autor envolve pelo menos oito metodologias, injunções ou paradigmas para obter conhecimentos ou experiências reproduzíveis. Esse esquema “pode reconstruir as verdades relevantes das tradições contemplativas, mas sem os sistemas metafísicos que não sobreviveram às críticas modernista e pós-modernista; elementos que de qualquer maneira, como fica claro, são desnecessários para elas" (WILBER, 2006, p. 72).

Nesse sentido, concordamos com Ferreira (2010a), quando afirma que Wilber (2006, 2007) e Röhr (2010) entendem que as multidimensões estabelecidas em seus respectivos esquemas não são estágios lineares e monolíticos que se sucedem hierarquicamente. Podemos ir mais além, para defender a ideia de visões e concepções de espiritualidade(s). Isso porque “a espiritualidade não é um compartimento, nem algo que esteja separado de nós mesmos. Nós estamos nela e ver isso só depende do modo como nós mesmos resolvemos viver. [...] A

experiência da espiritualidade nos convida a cuidar de todas as dimensões do nosso ser” (POLICARPO JÚNIOR, 2010, p. 82-84).

Com esse debate instalado, ganhamos mais espaço para investigar as possíveis contribuições da dimensão espiritual para a psicologia transpessoal e, nesse sentido, encontrarmos diferentes compreensões para uma visão integral do ser. Com essa abordagem, a partir de esquemas integrais e multidimensionais, somos convocados diante do cenário da pós- modernidade a incluir a dimensão espiritual sob outros ângulos, na tentativa de aumentar e diversificar a percepção dos fenômenos humanos. Nesse contexto, as pesquisas no campo da psicologia transpessoal contribuem para uma ampliação das experiências e visão transpessoal como possibilidade de desenvolvimento humano. A inclusão da dimensão espiritual nessa abordagem pode, em última instância, ser um fator de promoção de uma educação como processo de formação humana integral do ser.

O movimento transpessoal reforça a necessidade da contínua investigação científica desse constructo, visando compreender as experiências transpessoais e ampliar a visão transpessoal. Mas afinal, o que são experiências transpessoais? Como elas podem ser caracterizadas? Quais as suas principais diferenças frente às experiências e à visão transpessoal? Até que ponto tais experiências possibilitam a ampliação da visão de mundo e de ser integral? Para Walsh e Vaughan (1993, p. 17), “As experiências transpessoais podem definir-se como aquelas em que o senso de identidade ou de eu ultrapassa (trans+passar=ir além), o individual e o pessoal a fim de abarcar aspectos mais amplos da humanidade, da vida, da psique e do cosmo”. Já no entendimento de Grof (1993, p. 109), “As experiências transpessoais são explicadas em termos de paradigmas gastos e amplamente aceitos. Na maioria dos casos, essas experiências são reduzidas a fenômenos psicodinâmicos biograficamente determinados”.

Corroborando essa configuração acima, entendemos que as experiências transpessoais são significativas tanto do ponto de vista subjetivo quanto na perspectiva transcultural, pois favorecem a compreensão de aspectos psicológicos, culturais, religiosos, artísticos, filosóficos e individuais, articulando tais aspectos dentro de uma concepção histórica e transpessoal. Essa compreensão encontra eco nas palavras de Walsh e Vaughan (1993, p. 22) quando afirmam que As experiências transpessoais se apontam na direção de miríades de possibilidades humanas. Elas dão a entender que certas emoções, motivações, capacidades cognitivas e estados de consciência podem ser cultivados e depurados a um grau muito além da norma. [...] As experiências transpessoais se dão em estados alterados de consciência, e o estudo de ambos deixou bem claro o quanto subestimamos a plasticidade da consciência humana e sua gama de estados potenciais [...] Quase sempre, as pessoas que passam por experiências transpessoais profundas adotam uma visão mais ampla do cosmo

e da natureza humana. Elas descobrem um universo interior tão vasto e insondável quanto o exterior, além de esferas de experiências inacessíveis aos instrumentos físicos: as esferas da mente e da consciência.

Nas palavras de Grof (2008, p. 49), “O cuidadoso estudo sistemático das experiências transpessoais mostra que elas são ontologicamente reais e contêm informações sobre importantes dimensões da existência ordinariamente ocultas, que podem ser consensualmente validadas”. Nesse cenário, o que fundamenta essas experiências, o movimento e as definições relacionadas à psicologia transpessoal é a visão transpessoal.

No entendimento de Walsh e Vaughan (1993, p. 9),

De acordo com a visão transpessoal, o universo físico e todas as suas leis representam apenas uma realidade de um número indeterminável de realidades possíveis, cujas características somente poderemos apreender com a evolução de nossa consciência.

A visão transpessoal expressa o “vir-a-ser” da transpessoalidade. Isso porque anuncia outro paradigma de mundo e de ser, mapeando elementos das dimensões físicas, emocionais, mentais, culturais e espirituais que serão considerados, de modo integral e plural, ultrapassando assim o conhecimento clássico da modernidade.

A visão transpessoal acena com a possibilidade de um futuro diferente para a humanidade e os demais seres vivos. Através de uma exploração mais profunda de quem somos e dos mundos em que participamos, a Psicologia Transpessoal nos permite descobrir o quanto somos inseparáveis de todas as formas de vida e qual o nosso devido lugar na cadeia da existência (WALSH; VAUGHAN, 1993, p. 10).

As concepções abordadas suscitam que as experiências transpessoais possibilitam a ampliação da visão de mundo e de ser integral, já que elas provocam reflexões e compreensões distintas de quem se é, do que/como se faz, e para que/quem se faz. Por outro lado, isso nos leva a admitir a importância do aspecto intercultural frente ao entendimento e à caracterização da visão e das experiências transpessoais, no intuito de ampliar, ainda mais, a visão de mundo e de ser integral.