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2.2 A perspectiva multiparadigmática do estudo da formação humana

2.2.3 Eixo metodológico paradigmático

Esta seção apresenta o conjunto de paradigmas que são norteadores desse estudo quanto ao uso de métodos, técnicas e instrumentos de pesquisa. Trata-se, portanto, de um eixo basilar para o planejamento e a condução da investigação, uma vez que os contornos de um estudo são delineados a partir dos fundamentos e das orientações contempladas nos paradigmas. Nesse contexto, o desenho metodológico - do projeto de tese ao produto final (o relatório da tese) - envolve etapas bem definidas, que podem ser alteradas, ampliadas ou suprimidas em função dos pressupostos epistemo-ontológicos que apoiam a investigação.

Para a composição desse eixo paradigmático, elegemos os paradigmas pós-positivista, construtivista e transformativo. Partimos da premissa de que um fenômeno estudado por meio de uma pesquisa multi-métodos deve adotar de forma harmônica e singular diferentes paradigmas metodológicos. Esta é uma condição sine qua non para que a pesquisa seja realizada empregando diversos olhares, perspectivas e posicionamentos, o que vai ao encontro do escopo desse trabalho, quando abordamos construtos complexos, abrangentes e de caráter ontogênico. Isso implica em revisitar os roteiros metodológicos propostos pelos manuais para elaboração de pesquisa científica e criar um percurso particular que possibilite trilhar os caminhos dessa

pesquisa, seja seguindo procedimentos quantitativos, seja assumindo processos qualitativos ou ainda narrativas (auto)biográficas.

A organização desse eixo paradigmático permitiu compreender que a metodologia de uma pesquisa é algo mais que a definição de recursos e procedimentos para realização de um estudo. Um grupo de paradigmas metodológicos diferentes, reunidos, de modo articulado e dialógico, sem que um se sobressaia frente ao outro, é um indicativo do que pode constituir um processo multidimensional de formação humana. Essa, talvez, seja a semente que fez brotar e sedimentar a compreensão dessa tese. Desse modo, nas próximas seções serão descritos os pressupostos dos paradigmas que compreendem esse eixo estruturador da pesquisa.

1.2.3.1 Paradigma pós-positivista

O positivismo, mais do que um paradigma de pesquisa, é uma corrente filosófica que abandona e se distancia do idealismo racional, marcando o término da Teoria do Conhecimento e apresentando em substituição a Filosofia da Ciência. Essa corrente filosófica valoriza notadamente o conhecimento produzido cientificamente, e atribui ao domínio da metafísica qualquer epistemologia que seja obtida fora dos procedimentos ditos científicos. Essa ênfase ao método científico deixa o sujeito fora do processo referencial do conhecimento. Há uma espécie de renúncia à pesquisa sobre esse “sujeito conhecedor”, o que impacta diretamente na forma como o conhecimento é pensado, obtido e gerenciado (MARTINS; BICUDO, 2005).

A concepção positivista “[...] Inclui a crença de que o mundo social pode ser estudado da mesma maneira que o mundo natural, que existe um método para estudar o mundo social sem valor, e que as explicações de uma natureza causal podem ser fornecidas”9 (MERTENS, 2015, p. 11). Essa visão positivista do mundo e consequentemente da ciência, que constitui o paradigma dominante, recebeu e ainda recebe diversas críticas. Com o intuito de aperfeiçoar o caráter epistêmico desse paradigma, alguns pesquisadores promoveram a atualização do pensamento positivista vigente à época, surgindo assim algumas perspectivas pós-positivistas. O estudo de Póvoa et al. (2012) sugere a existência de diferentes correntes positivistas sob o mesmo paradigma epistêmico do positivismo. Para defender essa ideia, os referidos autores desenvolveram uma análise de conteúdo, elegendo seis categorias de avaliação: (1) O conceito de teoria válido para cada corrente positivista; (2) O que define um conhecimento

9 [...] include the belief that the social world can be studied in the same way as the natural world, that there is a method for studying the social world that is value-free, and that explanations of a causal nature can be provided.

científico em cada corrente positivista?; (3) Qual a lógica do método?; (4) Quais os critérios de demarcação entre ciência e não ciência?; (5) Qual o posicionamento de cada corrente positivista em relação à metafísica?; (6) Como o conhecimento pode evoluir na perspectiva de cada corrente positivista? Dessa avaliação, foram expostas as seguintes considerações:

(1) o positivismo lógico ou empiricismo lógico do Círculo de Viena emergiu com a crítica ao positivismo originário de Comte, herdeiro do Iluminismo do século XVIII. Essa corrente trouxe uma grande contribuição ao pensamento científico com a introdução do uso da lógica na linguagem, influenciada por autores como Wittgenstein e Carnap. Já a crítica realizada, pelo positivismo lógico ao positivo de Comte, foi sobretudo à concepção da metafísica, entendida até então como o “conhecimento em sua juventude”;

(2) O positivismo crítico de Popper apareceu como uma crítica ao positivismo lógico. Popper, em seus trabalhos, defende critérios de demarcação entre ciência e não ciência, propõe o método hipotético-dedutivo como alternativa ao método indutivista, e apresenta uma concepção de conhecimento falível, corrigível e provisório;

(3) O pós-positivismo, marcado pelas ideias de Kuhn, Lakatos e Feyerabend, surgiu por meio de uma visão crítica ao pensamento de Popper. Para Kuhn, as incoerências do positivismo crítico poderiam ser explicadas pela ideia de uma ciência normal e a concepção de paradigma, a partir das revoluções científicas. Já Lakatos procurou aperfeiçoar as idéias de Popper, apresentando a concessão de programas de pesquisa científica, enquanto que Feyerabend defende um pluralismo metodológico com seu “anarquismo epistêmico”, defendendo que método deve escolhido mediante o problema estudado, considerando a complexidade e natureza da investigação.

O resultado do trabalho de Póvoa et al. (2012) demonstra uma tentativa de demarcação entre positivismo e todos os demais posicionamentos críticos a esse paradigma. Ao mesmo tempo, essa classificação reforça a ideia de que na seara científica não encontramos uma visão única, consensual, padronizada e uniforme de qualquer temática, conceito, constructo, talvez porque isso esteja diretamente associado às questões subjetivas e idiossincráticas de quem conduz os estudos. Nas palavras de Kuhn (2007, p. 35 apud BARROS, 2010, p. 430), “A história sugere que a estrada para um consenso estável na pesquisa é extraordinariamente árdua”. O fato é que a ciência, enquanto paradigmas, pressupostos onto-epistemo- metodológicos, análises e discussão de resultados, é feita por homens que carregam em si uma singularidade em um contexto, cada vez maior, de pluralidade.

Por isso, nesse estudo, assumimos como Mertens (2015), Creswell (2010), Guba e Lincoln (1994) e Alves-Mazotti (1996) a existência de um paradigma pós-positivista que reúne

todas as críticas ao paradigma positivista, promovendo, assim, um aperfeiçoamento das ideias encontradas no positivismo. Isso não quer dizer que não reconhecemos as especificidades e a relevância dos diferentes autores e críticas pós-positivistas. Admitimos a contribuição significativa desses posicionamentos e visões particulares para o desenvolvimento do pensamento e do método racional-científico, no entanto, para o objeto desse estudo, o entendimento de um paradigma pós-positivista como o agrupamento de todas as contribuições pós-Comte facilita o emprego e o debate dessas ideias.

No debate atual sobre os paradigmas de pesquisa em educação, Alves-Mazotti (1996) indica que o pós-positivismo buscou corrigir os desequilíbrios que surgiram com o positivismo, desequilíbrios entre rigor e relevância metodológica, entre precisão e riqueza de métodos, entre sofisticação e aplicação das teorias, entre descoberta e verificação de fatos e dados. Já para Creswell (2010, p. 29), “Os pós-positivistas defendem uma filosofia determinística, na qual as causas provavelmente determinam os efeitos ou os resultados”. É, portanto, uma perspectiva reducionista, pautada em observações e medidas empíricas que visam verificar e atestar a teoria. As principais diferenças entre o positivismo e o pós-positivismo podem ser analisadas sob as perspectivas ontológica, epistemológica e metodológica conforme apontam Guba e Lincoln (1994). Sob o prisma ontológico, para os positivistas, a visão da realidade tem um caráter absoluto, regido por leis universais. Já para os pós-positivistas há um realismo crítico, e a realidade é caracterizada como única e infinita, regida por leis naturais. Eles admitem ainda que a realidade jamais será totalmente compreendida. No campo epistemológico, os positivistas afirmam que existe uma objetividade-dualística, ou seja, uma neutralidade científica entre o sujeito-pesquisador e o fenômeno-investigado, enquanto que, para os pós-positivistas, essa objetividade é parcial, é uma meta ideal a ser buscada, que nem sempre é alcançada. Eles atribuem à comunidade científica um lugar preponderante para se atingir o reconhecimento da pesquisa. Por fim, considerando a vertente metodológica, os positivistas defendem que as pesquisas, experimentos e manipulações são realizadas sob condições controladas pelos pesquisadores. No pensamento dos pós-positivistas, a triangulação de teorias, métodos e dados é um modo de obter mais rigor na investigação, assegura maior objetividade e aproximação da realidade estudada.

O paradigma pós-positivista atualizou as premissas do positivismo, ampliando o entendimento sobre o contexto da investigação, destacando a concepção de conhecimento, o processo e procedimento da pesquisa, bem como aspectos axiológicos que devem ser considerados durante o estudo. Essa visão do pós-positivismo encontra ressonância nos argumentos de Creswell (2010). O referido autor, embasado nas ideias de Phillips e Burbules

(2000), destaca que os pós-positivistas têm uma compreensão de que o conhecimento é conjectural, ou seja, não atinge uma verdade absoluta; ao mesmo tempo, o conhecimento é obtido através de dados, registros e considerações racionais. Além disso, consideram que desenvolver uma investigação científica implica em um processo de redução de declarações para se chegar a resultados justificados, relevantes e verdadeiros. A objetividade é algo fundamental a ser perseguido na pesquisa, cabendo ao pesquisador o rigor no cumprimento das etapas para assegurar a validade e a confiabilidade dos resultados.

Com o intuito de dar conta do rigor metodológico e dos cuidados necessários para a adaptação e validação transcultural do inventário ESI-R, recorremos aos pressupostos do paradigma pós-positivista. Apesar disso, defendemos que um constructo como espiritualidade e um fenômeno de investigação como a formação humana multidimensional exigem uma perspectiva multiparadigmática para sua melhor avaliação e compreensão. Isso reforçou a necessidade de incluir nesse estudo as orientações de outros paradigmas, como o construtivista, conforme será descrito na próxima seção.

1.2.3.2 Paradigma construtivista

O paradigma construtivista também chamado de paradigma interpretativo ou naturalista é frequentemente associado às pesquisas qualitativas. Creswell (2010) afirma que a gênese desse paradigma se encontra no pensamento de Mannheim e no trabalho de Berger e Luckmann (1967), “The Social Constructionof Reality”, e de Guba (1967), “Naturalistic Inquiry”. Já na compreensão de Mertens (2015), embasada nas ideias de Clegg&Slife (2009), a origem do paradigma construtivista remonta à Fenomenologia de Husserl e à Hermenêutica de Dilthey e outros filósofos alemães. Na visão da referida autora, “O paradigma construtivista enfatiza que a pesquisa é um produto dos valores dos pesquisadores e não pode ser independente deles”10 (MERTENS, 2015, p. 17). Em linhas gerais, podemos dizer que esse paradigma surge como uma tentativa de resposta ao paradigma dominante, clássico, racional, positivista associado às pesquisas quantitativas.

Para Creswell (2010), na concepção construtivista, os indivíduos buscam compreender o mundo, criando significados, negociados social e historicamente, de suas experiências. Nesse sentido, os construtivistas admitem que as suas gêneses de pesquisadores delineiam os

10 The constructivist paradigm emphasizes that research is a product of the values of researchers and cannot bein dependent of them.

contornos para suas interpretações e um posicionamento face a pesquisa, que considera a influência de suas experiências subjetivas e sócio-histórico-culturais nas interpretações que realizam. Nesse paradigma, sujeito e objeto estão inter-relacionados e o objetivo é identificar o sentido dos significados atribuídos ao mundo.

As características do paradigma construtivista são diversas, conforme a dimensão analisada e a linha de raciocínio empregada pelos autores. Escolhemos a abordagem de três teóricos (LINCOLN; GUBA, 2000; KOETTING, 1994; LATORRE et al., 1996), inspirados pelo trabalho de Esteban (2010) para ilustrar essa diversidade de perspectivas que ora complementam, ora suplementam as ideias apontadas por cada pesquisador.

Começamos com a visão de Lincoln e Guba (2000). Esses pesquisadores explicam as características do paradigma construtivista a partir de três dimensões. A dimensão ontológica indica que a natureza da realidade é relativista, ou seja, a realidade é construída para um determinado contexto, existindo, nesse caso, múltiplas realidades. Já a dimensão epistemológica do construtivismo envolve duas perspectivas, interatividade e subjetividade, isto é, a inter-relação entre sujeito e objeto, admitindo que o pesquisador e o sujeito criam compreensões, interpretações e conhecimento, além de obter resultados mediados por valores. Por sua vez, a dimensão metodológica diz respeito principalmente às análises hermenêutica e dialética.

No pensamento de Koetting (1994), a finalidade da pesquisa alicerçada no paradigma interpretativo (naturalista) consiste em compreender e interpretar os significados, reforçando que se trata de uma compreensão interativa. Considera também que a natureza da realidade é construída, holística, múltipla e divergente, que a relação sujeito-objeto é influenciada por fatores de natureza subjetiva, e que os argumentos e as hipóteses lançadas são contextualizados em um determinado tempo e local. Isso resulta em explicações particulares e qualitativas voltadas para a diferença, associadas ainda a uma interação de fatores e aos valores que influenciam todas etapas da pesquisa.

Já Latorre et al. (1996) estabelecem nove características para descrever o paradigma interpretativo. A primeira característica, os fundamentos desse paradigma, eles afirmam que estão apoiados sob a fenomenologia e a teoria interpretativa. Assim como Koetting (1994), admitem que a natureza da realidade é construída, holística, múltipla e divergente, acrescentando a perspectiva dinâmica da dimensão ontológica; a finalidade da pesquisa é compreender e interpretar a realidade, os significados; acreditam também na existência de uma inter-relação sujeito-objeto com envolvimento do pesquisador, e que os valores, sendo explícitos, influenciam na pesquisa. Os critérios de qualidade do paradigma interpretativo,

apontados pelos pesquisadores Latorre et al. (1996), são credibilidade, confirmação e transferência, semelhante a Lincoln e Guba (2000). Eles sugerem ainda como técnicas, instrumentos e estratégias, a abordagem qualitativa-descritiva, reforçando o papel protagonista do pesquisador como instrumento de pesquisa, e com isso defendem que o processo de análise de dados deve ser seguido de forma qualitativa, indutiva, analítica e triangulada.

Esses três exemplos justificam o motivo pelo qual adotamos o paradigma construtivista como um dos pilares do eixo metodológico do presente estudo. Mais especificamente, quando buscamos compreender as entrevistas dos professores de IES no Brasil e na França, os elementos abordados pelos autores que defendem esse paradigma foram norteadores de nossas análises, interpretações e porque não dizer construção de conhecimentos-realidades. Esse paradigma não apenas foi (é) apenas um contraponto aos paradigmas positivista e pós- positivista, mas é, acima de tudo, uma arqueologia de saberes, que engloba diferentes abordagens interpretativas, como a fenomenologia, hermenêutica, filosofia da existência, etnometodologia, abordagens (auto)biográficas, entre outras. Daí nossa escolha e posicionamento frente a essa pesquisa, o que não quer dizer que seja suficiente para dar conta do fenômeno que investigamos. Por isso, na próxima seção, será descrito o paradigma transformativo com o intuito de se aproximar da “ideia de completude” da base de sustentação desse eixo paradigmático-metodológico.

1.2.3.3 Paradigma transformativo

Existe um crescimento na última década de trabalhos acadêmico-científicos que adotam a abordagem de métodos mistos de investigação pautada no paradigma transformativo (MERTENS, 2015). Isso é decorrente do trabalho da referida autora, que além de sistematizar a teoria transformadora possibilitou sua aplicação no universo investigativo. Nesse contexto, ela afirma que duas questões têm dominado a discussão em torno do uso dessa abordagem. A primeira diz respeito ao que seja efetivamente um “quadro transformador” e a segunda, refere- se à forma como o pesquisador que emprega essa abordagem pode assegurar um “estudo rigoroso e sofisticado” com a adoção de tais métodos.

Essas indagações também nos acompanharam ao longo do presente estudo. Isto porque a tentativa de resposta a tais perguntas implica em olhar para si, para os participantes da pesquisa e para toda trajetória percorrida e enxergar a agência transformadora da cadeia investigativa. É, portanto, uma resposta que vai além de palavras-conceitos; ela é da ordem

experiencial e se traduz nas reflexões construídas e escritas ao longo do trabalho apoiado em um paradigma transformativo.

O paradigma transformativo, segundo Mertens (2015), representa a terceira força paradigmática que surge como uma crítica aos construtivistas e é uma evolução do paradigma emancipatório. Com a perspectiva transformativa, destacam-se a participação ativa dos envolvidos no estudo e a reunião de pesquisadores de diversas abordagens como da teoria crítica, participativa, pesquisa-ação, marxistas, feministas, minorias étnicas e raciais, membros de comunidades indígenas, entre outros. Mesmo sem existir uma uniformidade consensual na literatura acerca do que seja o paradigma transformativo, a referida autora propõe quatro características comuns às diversas abordagens que ele compreende, permitindo com isso uma diferenciação dos paradigmas pós-positivistas e construtivistas.

A primeira característica diz respeito à importância dada à vida e às experiências de pessoas que têm sido marginalizadas, estudando assim os mecanismos que geram a opressão desses grupos, bem como as estratégias de resistência e resiliência dos oprimidos. A segunda está relacionada à análise dos motivos (o porquê) e dos processos e procedimentos (o como) as desigualdades de gênero, raça ou etnia, orientação sexual, deficiência e classe socioeconômica são refletidas na relação de poder assimétrico. Já a terceira consiste em avaliar como os resultados desse tipo de pesquisa, frente às desigualdades, estão ligados às ações políticas e sociais. Por fim, a última característica indica que a teoria transformativa é estrutural, usada para desenvolver a pesquisa e a teoria de programa que compreende um conjunto de crenças relativas ao funcionamento de programas ou o mapeamento das causas dos problemas (MERTENS, 2015).

Essa compreensão dos pilares centrais do paradigma transformativo serviu de base para Marujo e Miguel-Neto (2011) desenvolverem uma pesquisa transformativa e apreciativa em psicologia positiva. Mais especificamente, tais autores, tomando como referência os estudos de Mertens (2015), buscaram expandir, aprofundar e aplicar o paradigma transformativo ao campo da psicologia positiva. Para isso, assumem que o paradigma transformativo tem como escopo promover os direitos humanos, a justiça social e a qualidade de vida dos indivíduos, grupos e sociedades por meio de uma articulação entre a geração e a aplicação do conhecimento, visando assim satisfazer à filosofia e ao exercício investigativo e apreciativo de programas. Defendem e seguem, dentro de uma perspectiva crítica da pesquisa transformativa, as ideias-dimensões ontológicas (pressupostos sobre a natureza da realidade), epistemológicas (pressupostos sobre a natureza do conhecimento e da relação entre o pesquisador e as partes envolvidas), axiológicas

(pressupostos sobre a natureza ética da pesquisa) e metodológicas (pressupostos sobre a natureza sistemática dos métodos de investigação) do paradigma transformativo.

Nesse sentido, a natureza da realidade na visão paradigmática transformativa de Mertens (2015) sofre a influência de diversos fatores, tais como sociais, políticos, culturais, étnicos, econômicos, de gênero, de deficiência que contribuem para a construção de múltiplas realidades, promovendo a distinção do que seja real do não-real, a partir da compreensão e articulação desses fatores e as realidades construídas. Trata-se, portanto, de uma realidade multifacetada, que se reinventa conforme o contexto, cujos contornos que delineiam a natureza do problema implicam em assumir uma condição que extrapola a compreensão de concretude e similitude das pesquisas apoiadas em outros paradigmas.

Essa concepção está diretamente associada ao aspecto ontológico que compreende o objeto de estudo do presente trabalho. Quando defendemos as possíveis contribuições dos paradigmas transpessoal, intercultural e da espiritualidade para a formação humana, assumimos uma visão de mundo e de ser que transcende ao domínio do que se mostra como real e não-real, contempla aspectos antropo-psico-socio-cultural e espiritual. Não desconsideramos a realidade concebida por outras perspectivas paradigmáticas, mas ampliamos a lente, extrapolando o campo de visão e de pesquisa.

A dimensão axiológica compreende os estudos que visam ao desenvolvimento de condições que favoreçam a promoção de justiça social, direitos humanos e reciprocidade, ao respeito à alteridade dos diferentes grupos étnico, culturais e minoritários, à luta contra a discriminação, desigualdades de todas as faces e opressão dos indivíduos e grupos, bem como ao incentivo e ao reconhecimento das forças, resiliência e capacidade de superação. De acordo com Mertens (2015), o paradigma transformativo prioriza esse pressuposto axiológico como elemento-norteador das premissas, dos princípios e das tomadas de decisões ao longo da pesquisa. Tal relevância se justifica, uma vez que esse paradigma surge devido à ausência de categorias como direitos humanos e justiça social nas pesquisas realizadas sob a tutela de outras abordagens paradigmáticas.

Desse modo, entendemos que esta tese tem um alinhamento com esse princípio axiológico, uma vez que vislumbramos com essa pesquisa uma melhoria das condições do humano, através de um processo formativo integral que favoreça as múltiplas potencialidades do ser e do mundo. Assim, as lutas contra minorias, desigualdades, racismo, homofobismo e todos os “ismos” ganham vozes, sentidos e ações libertadoras quando falamos e implementamos uma formação humana multidimensional.

Do ponto de vista epistemológico, o paradigma transformativo defende que para