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CAPÍTULO 1: FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

1.2 Contribuições da teoria vygotskyana para o ensino de leitura em LE

Os pressupostos encontrados na teoria de Vygotsky (1978; 1993), acerca da natureza da linguagem e do pensamento humano, ainda têm grande influência nos estudos que investigam os processos de ensino e aprendizagem de línguas. De acordo com Vygotsky (op. cit), todos os processos cognitivos têm uma natureza social, ou seja, todas as atividades cognitivas básicas do indivíduo ocorrem de acordo com sua história social e acabam se constituindo no produto do desenvolvimento histórico-social de sua comunidade.

Um dos princípios básicos da teoria vygotskyana é o conceito de "zona de desenvolvimento proximal" (doravante ZPD21). A ZPD representa a diferença entre a capacidade do indivíduo de resolver problemas por si próprio e a capacidade de resolvê-los com ajuda de alguém. Em outras palavras, teríamos uma "zona de desenvolvimento auto- regulada" que abrange todas as funções e atividades que alguém consegue desempenhar por seus próprios meios, sem ajuda externa. A ZPD, por sua vez, abrange todas as funções e atividades que uma pessoa consegue desempenhar apenas se houver ajuda de alguém. Esta pessoa, que intervém de forma não-intrusiva para assistir e orientar o indivíduo, pode ser tanto

um adulto (progenitor, professor, responsável) quanto um colega que já tenha desenvolvido pelos menos parte da habilidade requerida.

A idéia da ZPD é de grande relevância em todas as áreas educacionais. Uma implicação importante é a de que o aprendizado humano é de natureza social e é parte de um processo em que a criança desenvolve seu intelecto dentro da intelectualidade daqueles que a cercam (VYGOTSKY, 1978). De acordo com Vygotsky (op. cit), uma característica essencial do aprendizado é que ele desperta vários processos de desenvolvimento internamente, os quais funcionam apenas quando a criança interage em seu ambiente de convívio.

Analisando o conceito da ZPD da perspectiva do ensino e aprendizagem de uma LE, pode-se afirmar que os enunciados de um parceiro mais competente (que pode ser um colega ou o próprio professor), auxiliam na construção do significado durante uma interação em sala de aula, por exemplo. Assim, o processo de aprendizagem é caracterizado pela construção de um conhecimento conjunto (entre parceiros) o qual é mediado pela interação social. Durante uma interação em sala de aula, não raras as vezes, acontece a intervenção de alguns alunos que ajudam seus colegas a descobrir pistas sobre o assunto do texto que irão ler e a formular algumas hipóteses que auxiliarão a todos na compreensão. Esse recurso de ajuda mútua, providenciado pelo professor e/ou pelos próprios alunos, aciona esquemas conhecidos para facilitar a compreensão de conceitos mais complexos, ou, eventualmente, conceitos até comuns os quais podem se tornar confusos em função da maneira como se apresentam no texto em questão (KLEIMAN, 1992). Tal processo de mediação (ou andaime), fornecida por parceiros, pode provocar avanços significativos na habilidade de leitura em sala de aula e tornar a tarefa mais participativa com implicações bastante positivas para a aprendizagem. Além disso, oportuniza uma reversão da participação social dos alunos, mais simétrica e, sem dúvida, bastante desejada do ponto de vista pedagógico.

Uma das maiores contribuições dos pressupostos de Vygotsky (1989) para este estudo, advém de suas investigações acerca dos processos mentais, as quais forneceram informações relevantes sobre o processo de conscientização e uso das EA. Destaco, aqui, a visão do papel do professor, direcionadora deste trabalho, que é a de fornecer condições e a mediação necessárias para que o aluno, por intermédio de seu próprio esforço, assuma o controle de sua aprendizagem, ou seja, se aproprie do conhecimento advindo do meio e o transforme em seu próprio, tomando consciência do seu papel ativo no processo.

Vygotsky (op. cit) afirma que o contexto histórico-social subsidia as estruturas do conhecimento que, por sua vez, organizam a utilização do conhecimento. O indivíduo internaliza o conhecimento e através do seu desenvolvimento e aprendizado contínuos encontra na linguagem as formas de expressão dos componentes anteriores. Quanto aos processos mentais superiores que caracterizam o pensamento do indivíduo, e que fazem parte do processo de leitura, temos o controle consciente das ações, a atenção voluntária, a memorização ativa, o pensamento abstrato e o comportamento intencional. Tais processos, segundo Vygotsky (op. cit), são mediados por sistemas simbólicos, dos quais a linguagem se destaca como o mais básico de todos, constituindo um instrumento do pensamento que fornece os conceitos e as formas de organização do real, elementos da mediação entre o sujeito e o objeto. Este último, no caso da leitura, seria o texto propriamente dito. Nessa perspectiva vygotskyana, a palavra é, portanto, o instrumento simbólico que o ser humano usa para interagir com o ambiente externo e, no caso da leitura, pode-se afirmar que esta é uma ferramenta que ajuda o indivíduo a interagir com o mundo, havendo assim um processo de internalização de conscientização do conhecimento, do contexto externo para a mente interna (FAIRCLOUGH, 1989).

Partindo-se do pressuposto de que o ser humano é capaz de operar mentalmente sobre o mundo, e de que essa operação é mediada pela linguagem, de acordo com Vygotsky (op.

cit), o homem apresenta reações diferentes face aos acontecimentos, ao mesmo tempo em que pode transformar seus acontecimentos. Nessa perspectiva, o papel da leitura é propiciar, ao indivíduo, a oportunidade de ativar continuamente a rede de conhecimentos (esquemas) já armazenados na memória. Além disso, espera-se que, a cada nova leitura, essa rede seja ampliada com o acréscimo de novos conhecimentos.

Diante dessas considerações, percebe-se que existem três componentes básicos interagindo simultaneamente durante o ato de ler: o contexto sócio-cultural, o homem e a linguagem, os quais configuram um ciclo ativo e evolutivo, atribuindo à leitura uma natureza dinâmica por excelência. A esse respeito, Kleiman (1992) esclarece que o contexto, em constante evolução, fornece cenários, temas, inspiração para as reflexões do homem, para a expressão da filtragem que ele faz desse todo. Essa filtragem, ou seleção, existe pois a leitura ocorre permeada pelos interesses do leitor, pelos valores que ele atribui a determinadas situações, pela sua percepção mais ou menos acurada de detalhes e até pela sua capacidade de reter itens na memória. A autora aponta que, nesse processo dinâmico, o texto escrito, objeto essencial da leitura, desempenha um papel especialmente significativo como veiculador de idéias, como um retrato do mundo letrado, porém exposto, sujeito à intervenção do leitor.

Como se pode depreender, o homem é o elemento-chave, desencadeador da interação e polarizador desse processo dinâmico no qual ele tem a oportunidade de desenvolver sua capacidade comunicativa de ler. De acordo com Widdowson (1978, p. 98), capacidades comunicativas são, essencialmente, “maneiras de criar ou recriar discurso em diferentes modalidades”. No caso específico da leitura, essa atividade engloba a inferência das proposições expressas pelas frases que compõem o texto e da interrelação entre as mesmas. Além disso, tal capacidade possibilita ao leitor inferir os atos ilocucionários expressos por essas proposições, conduzindo à “compreensão da força comunicativa dos elementos lingüísticos contextualizados” dentro do texto (op. cit). Essa função ativa do leitor, de (re)

construtor do discurso, preconizada nessa concepção dinâmica da leitura, teve papel fundamental no desenvolvimento da prática de conscientização dos alunos na fase de intervenção deste trabalho, em especial na terceira etapa da proposta interventiva.