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4. RESULTADOS E DISCUSSÕES

4.2 CONCEPÇÕES DOS PROFISSIONAIS DE SAÚDE DO NÚCLEO AMPLIADO

4.2.4 Contribuir para a promoção do trabalho em equipe na AB

As falas evocadas relativas às relações estabelecidas entre as disciplinas e trabalho em equipe foram agrupadas nesta subcategoria. Observa-se que alguns participantes possuem clareza sobre a competência do NASF em proporcionar a integração dos saberes, atenuando os limites impostos pelas disciplinas.

“Eu acho, que agora, enquanto NASF, a gente precisa fazer um trabalho em equipe, para discutir mais certas informações de cada profissional. Hoje mesmo a gente estava discutindo com o pessoal da residência sobre questão do desenvolvimento infantil. Estávamos falando sobre questões simples, relacionadas a essa temática, que todo mundo pode dar conta desse assunto, são informações simples que qualquer profissional pode dar conta. Qualquer profissional pode perceber e orientar”.

“Acho que a lógica é a gente sair do ambulatório e começar a fazer mais reflexões com a equipe, fortalecendo a equipe até com informações que são do meu domínio, compartilhar conhecimento”.

Trocar informações do “meu domínio” significa compartilhar com o outro o saber do meu núcleo de conhecimento, a fim de ampliar o campo comum de prática entre as disciplinas. Ou seja, trata-se de uma ampliação do campo de conhecimento a partir da interseção dos conhecimentos, habilidades e métodos de cada categoria profissional, a fim de responder adequadamente às necessidades de saúde do território. Nesta proposta, os núcleos de saber se constituem pela aglutinação de conhecimentos de uma determinada categoria

profissional, demarcando a especificidade de uma área de conhecimento e de prática profissional. Já o campo, é um espaço de interseção entre os saberes, dos limites imprecisos, da socialização do conhecimento e das práticas entre os diversos profissionais, ampliando assim a capacidade de cuidado entre os atores envolvidos (Campos et al., 2014). Cabe ressaltar que a construção desse campo ampliado de conhecimento, não implica no abandono do núcleo de saber das disciplinas, uma vez que, este possui a capacidade de enriquecer o campo comum de competência, ampliando, assim, a capacidade de cuidado de toda a equipe (Oliveira & Campos, 2015). Logo, núcleo e campo devem “andar juntos”, conforme relatado na fala a seguir.

“A gente tem receio, de onde vai parar essa história do núcleo de saber, que não pode ser tão a ferro e fogo. É uma faca de dois gumes, pode ir para o lado contrário, porque você desapropriar o núcleo de saber de um profissional em detrimento do campo. A fala é muito bonita, de você se apropriar do campo de saber. É lógico, é uma coisa que a gente precisa e deve fazer mesmo, mas não em detrimento da outra. As duas coisas andam juntas”.

Oliveira e Campos (2015) destacam que tanto o núcleo de saber quanto o campo de conhecimento são mutantes e se interinfluenciam, não sendo possível detectar limites precisos entre um e outro. Em outras palavras, não há polaridade ou antagonismo entre esses dois conceitos. A noção de núcleo indica uma determinada concentração de saberes, mas de forma alguma indica um rompimento radical com a dinâmica do campo. Observa-se que a atuação profissional no campo de conhecimento, tem como consequência a diminuição das fronteiras disciplinares, uma vez que, cada profissão busca apoio em outras áreas para responder as demandas cotidianas de trabalho. Apesar de alguns profissionais terem a concepção da importância do compartilhamento do seu núcleo de conhecimento, verifica-se a presença de relatos que revelam a dificuldade de produzir encontros guiados pela perspectiva da interdisciplinaridade.

“Isto é muito novo. É uma nova lógica para a gente. Porque, às vezes é mais fácil pegar aquele caso e conduzi-lo sozinho do que ter que compartilhar com a equipe”.

Os dados apresentados nesta subcategoria demonstram que o paradigma dominante começa a emitir sinais de crise, mesmo que de forma tímida. Dito de outra forma, alguns profissionais possuem a noção da importância do trabalho interdisciplinar, com decisões compartilhadas, incitando a troca de saberes, a corresponsabilização do cuidado e a transversalização das relações. Contudo, neste jogo de forças existente entre os paradigmas que estão em competição, ainda comparece o anseio pela lógica ambulatorial, guiada pelos preceitos do paradigma dominante da saúde. Dessa forma, para alguns participantes da pesquisa, produzir um cuidado norteado pelo modelo biomédico, “sozinho”, ocupando o lugar de especialista, parece ser um caminho mais fácil, que gera mais conforto, colocando-se na contramão da construção de um pensamento integrado, ou seja, interdisciplinar.

Acredita-se que um dos fatores que corrobora para a instauração desta realidade, que favorece o especialismo, está relacionado à insuficiência da formação para o trabalho na AB. Corrobora-se com Feuerwerker (2010) sobre a necessidade de serem produzidas mudanças curriculares, com vistas ao fomento do trabalho interdisciplinar. Para a autora a formação em saúde deve incluir competências que enfatizem as relações interpessoais e interprofissionais, além de abordarem as questões direcionadas aos campos comuns de conhecimentos, diminuindo a fragmentação do cuidado e facilitando a inserção dos profissionais de saúde em diferentes espaços.

Em paralelo a essas mudanças curriculares, a literatura (Ceccim, 2004; 2005; Merhy, 2005; Lemos, 2016) também vem ressaltando a importância de promover investimentos nos processos de educação permanente em saúde, para os profissionais de saúde que já atuam no SUS, sobre a temática do trabalho em equipe na perspectiva interdisciplinar. Reitera-se ainda que, para além das teorias e conceitos, é preciso contar com pessoas sensibilizadas e abertas

para a reformulação do saber adquirido individualmente, a partir de uma construção conjunta, interdependente e indissociável, visto que, a complexidade do ser humano não pode ser abarcada a partir de uma única perspectiva (Morin, 2000).