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4. RESULTADOS E DISCUSSÕES

4.2 CONCEPÇÕES DOS PROFISSIONAIS DE SAÚDE DO NÚCLEO AMPLIADO

4.3.1 Questão de nomenclatura

A subcategoria nomenclatura incorpora as falas dos profissionais que atribuem às mudanças produzidas no trabalho com a implantação do NASF configuraram-se apenas uma questão de nomenclatura. De acordo com os relatos, para alguns profissionais, não houve mudanças na organização de trabalho, visto que as chamadas “equipes ampliadas” já desenvolviam as ações coerentes com a proposta dos Núcleos, tais como: a discussão de casos, ações interdisciplinares, colaboração em algumas ações grupais, atendimento à família, marcação de consulta e encaminhamentos.

“Acho que as ações que a gente faz, a gente faz há muito tempo, na minha concepção, não mudou nada, a gente já faz as ações multidisciplinares, interdisciplinares, agora veio a oficialização do NASF, mas se for considerar o que a gente fazia antes, não mudou nada não, foi só uma questão de denominação”.

“(...) pra mim o NASF foi só uma questão de nomenclatura, têm nove anos que eu estou aqui, eu não vi mudança nenhuma. Tem nove anos que a gente já participa de

discussão de caso, que a gente participa das reuniões de equipe, não com essa nomenclatura de NASF”.

“Eu sempre participei de todas as reuniões de equipe da estratégia. (...). É uma coisa que eu sempre fiz, então, pra mim não vi diferença nenhuma, né? Alguns grupos que a gente participa, a gente colabora, cada profissional faz um grupo no mês, numa semana, tipo o grupo de gestantes, de hiperdia, que está meio desandado, mas que já teve esse modelo de cada profissional assumir um mês o grupo. Então, eu não vi mudança nenhuma até agora”.

“A gente sempre se fez presente nas reuniões com a ESF, para ouvir essas demandas e a gente sempre dava os encaminhamentos, marcava uma consulta e fazia o atendimento junto à família. Porque a gente não era da equipe de saúde, a gente sempre foi considerada a assistente social da unidade, a psicóloga da unidade, então, a gente sempre atuou nas equipes dando esse apoio”.

Percebe-se que para alguns profissionais, determinadas ações realizadas na configuração das “equipes ampliadas”, se mostram condizentes com a proposta do NASF. Esse cenário pode ter favorecido o surgimento da concepção de que a mudança no trabalho, por meio da fundação do NASF, se configurou apenas como uma questão de nomenclatura. Contudo, com base na literatura (Brasil, 2014; Fragelli & Shimizu, 2014; Ribeiro et al., 2014), a implantação das equipes NASF deveria ter proporcionado à ampliação das ações e o desenvolvimento de um fazer cotidiano em saúde compartilhado, visto que, o NASF solicita a criação de um trabalho conjunto entre ambas às equipes - NASF e eSF, não se restringem as ações citadas nos relatos expostos acima. Dito de outro modo, a implantação das equipes NASF deveria ter fomentado a abrangência e a resolutividade das práticas na AB, ou seja, a elaboração de novas formas de produção de cuidado permeado pela troca de saberes e o fazer conjunto, com vista a favorecer a transformação dos serviços de saúde e o alcance do cuidado integral.

Ademais, verifica-se que algumas ações desenvolvidas na formatação de “equipes ampliadas”, classificadas como práticas do Núcleo, após a implantação do NASF, ainda se apresentam norteadas pelo paradigma dominante da saúde. Cita-se como exemplo a realização das discussões de casos, que em determinados trechos das falas, visavam à elaboração de encaminhamentos ou marcação de consulta por parte das equipes NASF, não havendo uma construção conjunta sobre a situação discutida. Nesse cenário, pode-se afirmar que a prática de discussão de caso se caracterizava como uma apresentação do caso das eSFs para os profissionais do Núcleo. Estes, por sua vez, assumem seu papel de especialista, conforme posto dentro do modelo biomédico, emitindo soluções prontas para as situações discutidas. Ou seja, como alguém que não faz parte de equipe, desenvolvendo seu trabalho conforme seu núcleo de competência, impondo o seu saber-poder, sendo esse tipo de trabalho caracterizado como o apoio a eSF.

Especificamente sobre as ações grupais, percebe-se por meio dos dados, que a expressão “a gente colabora” com a realização dessas atividades, demonstra uma ideia de divisão de tarefas, em que cada profissional ocupa-se da condução de um grupo de forma mensal, ou seja, não existe uma interação entre as disciplinas para a condução da ação, mas sim, uma mera justaposição de categorias profissionais para prestar o cuidado a determinado público. Desta forma, a colaboração destacada nos relatos como um modelo de prática “em que cada profissional assume o grupo um mês”, coloca-se em oposição à concepção de trabalho colaborativo, que pressupõem uma interdependência dos núcleos de saberes para as realizações das ações, a corresponsabilização do cuidado e a tomada de decisão compartilhada, visando um cuidado integral (Peduzzi, Silva, Agreli & Neto, 2016).

Todavia, apesar de algumas falas abordarem que a modificação ocorrida com a implantação do NASF foi apenas uma questão de nomenclatura, também foi possível verificar a presença de relatos que discorrem sobre a mudança de postura dos profissionais do Núcleo,

nos espaços de reunião de equipe com as eSFs. A fala abaixo versa sobre o papel de apoiador que alguns profissionais do Núcleo passaram a desenvolver perante a implantação das equipes NASF. Verifica-se ainda que, determinadas categorias profissionais só participavam das reuniões junto as eSFs se houvesse algum tipo de demanda específica do seu núcleo de saber.

“Aqui, a gente está fazendo o que o NASF propõe o que seja feito, nas reuniões eSF, nós estamos como profissionais do NASF, como matriciadores. (...) Não é a Fono que está lá, é a apoiadora. Antigamente, eu só participava se tivesse um caso para a Fono, hoje não é mais assim”.

Ao afirmar que não é a profissional de fonoaudiologia que está participando da reunião de equipe, mas sim a apoiadora, pode-se inferir que existe uma tentativa de transposição da relação vertical e hierárquica do saber especializado em saúde para a instauração de um espaço aberto ao diálogo. Tal postura corrobora com que Campos (2012) assinala sobre a função de apoiador, ou seja, alguém que se coloca na roda para fomentar e problematizar as questões que emergem na discussão, tentando ampliar o grau de deliberação conjunta. Alguém que assume uma postura ativa e interativa, capaz de estimular as pessoas a se autorizarem a refletir criticamente sobre o que o outro está trazendo. Para tanto, “o apoiador participa, interfere, discute, perde, ganha, cede, negocia, oferece análise, compreensão e explicação” (Campos, 2012, p.154).

Assim, cabe ao apoiador estimular a configuração de espaços coletivos, permeados pelo princípio da cogestão e por práticas de educação e de formação para o cuidado em saúde. Dito de outra maneira, as reuniões entre equipes NASF e eSF, devem ser caracterizadas por espaços que promovam o estudo de temáticas, discussões de casos, deliberações conjuntas e definições de tarefas. Todas estas ações devem ter como pano de fundo, o fomento da autonomia das eSFs na solução dos problemas identificados no território.

Em síntese, percebe-se que os dados apresentados nesta subcategoria reafirmam as contradições e os dilemas vivenciados durante os períodos de transição paradigmática, apontando para o momento de crise do paradigma dominante e, consequentemente, para a necessidade da emergência de um novo paradigma (Sousa Santos, 2005). Assim, as falas ilustram um paradoxo: de um lado verifica-se a presença de relatos que classificam a implantação do NASF apenas como uma questão de nomenclatura, reproduzindo ações norteadas pelo paradigma dominante; e do outro lado, é possível observar a presença de falas que revelam uma mudança na relação estabelecida entre alguns profissionais do NASF com as eSFs, por meio do fomento de espaços de horizontalidade, capazes de favorecer o desmonte do saber-poder existente no campo da saúde.