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4. RESULTADOS E DISCUSSÕES

4.2 CONCEPÇÕES DOS PROFISSIONAIS DE SAÚDE DO NÚCLEO AMPLIADO

4.3.4 Espaços de reunião de equipes

Esta subcategoria diz respeito às concepções dos profissionais sobre as alterações ocorridas nos espaços de encontro entre o NASF e a eSF, mais especificamente, nos espaços caracterizados como reuniões de equipes. Conforme ilustrado na fala a seguir, para alguns profissionais, as mudanças no processo de trabalho, com a implantação do NASF, estão relacionadas apenas a composição de duplas de profissionais do Núcleo para participarem das reuniões com as eSFs, e a criação de um espaço para a realização de uma reunião semanal entre os profissionais do Núcleo, denominado como reunião da equipe NASF.

“Pra mim não mudou nada, com exceção de estar aqui nas reuniões das sextas-feiras com os profissionais do NASF e o fato de no dia de reunião de equipe com a eSF a gente ter se dividindo em duplas, para garantir nossa participação em todas as reuniões, eu continuo trabalhando do mesmo jeito, recebendo demanda, fazendo as minhas ações do mesmo jeito. Então, eu continuo trabalhando como eu já trabalhava. Se hoje eu trouxesse um caso de um

menino para discutir aqui no grupo, eu tenho convicção que eu ia junto com o ACS fazer uma visita domiciliar para coletar dados, para depois fazer um relatório e dar os encaminhamentos, e incluir esse menino em algum programa”.

É notório que a mudança feita na organização do trabalho, com a criação das duplas para acompanhar as eSFs e a criação dos espaços de reunião entre os profissionais do Núcleo, não produziu impactos significativos no cotidiano de trabalho de alguns participantes da pesquisa. Ou seja, em determinados contextos, o cuidado continua sendo realizado de forma protocolar e fragmentado. Todavia, agora, esse tipo de cuidado é reproduzido nos novos espaços destinados para o encontro entre os profissionais, criados após a implantação do NASF.

Dito isto, pode-se afirmar que a legitimidade da proposta do NASF está para além das mudanças no campo organizacional do trabalho em saúde. Em outras palavras, os conhecimentos acumulados pelo paradigma dominante ainda se mostram engessados, assumindo o centro do poder, o Norte, mesmo quando são criados espaços que deveriam favorecer o trabalho interdisciplinar e compartilhado. Neste sentido, coaduna-se com os diversos estudos (Merhy, 2002; Franco, 2006; Faria & Araujo, 2010) sobre a necessidade de existir uma maior articulação das normas e leis criadas para orientar o trabalho, com as relações operantes no cotidiano dos serviços, com vistas a imprimir novos conceitos, coerentes com o cuidado ampliado, integral e o trabalho interdisciplinar. É preciso que haja um investimento tanto no campo da política quanto no cotidiano dos serviços, a fim de tornar visíveis as epistemologias do Sul, a sua dinamicidade e diversidade de saberes, que se apresentam coesos com as atuais necessidades de saúde e com os preceitos almejados para o paradigma emergente (Sousa Santos, 1995).

Contudo, fazendo um contraponto com os dados acima apresentados nesta subcategoria e reafirmando as contradições e dilemas vivenciados durante os períodos de

transição paradigmática, os resultados também apontam que em determinadas equipes, a configuração das duplas de profissionais do NASF para realização do acompanhamento das eSFs, possibilitou a construção de um cuidado ampliado. Por meio dessa nova organização do trabalho, houve a integração de outras categorias profissionais que não participavam destes espaços de reuniões. Além disto, é possível identificar, nas falas ilustradas abaixo, a concepção de outras modificações ocorridas no cotidiano dos serviços acompanhados, tais como: diminuição da sobrecarga de trabalho do psicólogo e do assistente social, por meio da inclusão das demais categorias profissionais nas reuniões com as eSFs; a socialização dos casos com todos os profissionais, criando a sensação de um trabalho mais organizado; maior interação entre os profissionais, possibilitando a troca de conhecimento e a construção de um trabalho em equipe na perspectiva interdisciplinar.

“O legal é, assim, que antes o trabalho era mais eu e o psicólogo, agora que tem farmacêutico, fono e o técnico desportivo. Ampliou. E cada um dá sua opinião e fica mais fácil pra gente estar lidando com os casos. Fica mais fácil da gente estar trabalhando, porque acaba que tinha certas situações que sobrecarregava mais o psicólogo ou o assistente social. Então tendo uma equipe para compartilhar os casos, trocar, fica melhor de trabalhar, acaba tendo mais organização”.

“(...) agora outros profissionais além do psicólogo e do assistente social, outros profissionais participam dessa reunião de equipe, tem uma interação maior, inclui outros profissionais, outros conhecimentos”.

“Antes, somente a psicóloga e a assistente social iam às reuniões de equipe da eSF. Hoje, a gente já se organizou em dupla e todos os profissionais participam. Cada dupla está responsável por uma equipe da eSF. De certa forma, a gente já fazia um pouco disso, mas agora ficou mais sistemático com a inclusão dos outros profissionais. Agora todo mundo

conhece o paciente. Então, acho que o que mais mudou foi à organização do trabalho em equipe que facilitou o cuidado e integrou mais”.

Verifica-se que a ampliação do cuidado, ocorreu em função da articulação dos saberes das diferentes categorias profissionais, ou seja, por intermédio da interdisciplinaridade, que favoreceu a construção de um trabalho em equipe integrado e compartilhado. Dito de outra forma, a interdisciplinaridade foi capaz de transcender a pura troca de informações, produzindo mudanças significativas no cotidiano de trabalho destas equipes, apresentando-se de forma alternativa ao cuidado norteado pelo paradigma dominante. Neste sentido, coaduna- se com Madeira (2009, p. 41), ao destacar que o trabalho na perspectiva de interdisciplinaridade está para além de um “simples monólogo dos profissionais ou do diálogo paralelo entre dois dentre deles”. A prática interdisciplinar deve ser considerada como um mecanismo para desenvolver um pensamento que contemple as diversidades do território de trabalho, instaurando, assim, novos caminhos para repensar o cuidado ampliado em saúde.

No que se refere a metodologia usada para a condução das reuniões entre NASF e eSF, os dados demonstram que esta não tem se mostrado resolutiva frente às demandas da eSF. Tal realidade ocorre, pois os casos não são discutidos com as eSFs, mas, sim, nos espaços destinados a reunião da equipe NASF. Desta forma, a eSF apresenta os casos a dupla de profissionais do Núcleo que são responsáveis pelo seu acompanhamento. Esses, por sua vez, discutem os casos e elaboram seus respectivos PTS, com os demais profissionais da equipe NASF. Após esta etapa, os PTS são apresentados às eSFs, para posterior execução. Percebe-se que em algumas situações, em função do tempo demandado para a “resolutividade” dos casos com as equipes NASFs, as eSFs acabam realizando o cuidado sem a colaboração do NASF.

“Agora com a proposta do NASF é que eu tenho que sair da reunião da estratégia e discutir de novo esse caso com a equipe NASF, pra repensar de novo esse caso”.

“Eu sou equipe NASF. Aí eu vou à reunião da estratégia, eles me falam os casos, aí eu venho e discuto os casos na equipe NASF, quais os encaminhamentos que a gente vai dar, aí depois eu retorno pra eSF, com o PTS pronto pela equipe NASF, então a equipe NASF é que vai pensar no PTS”.

“(...) acontece a discussão de vários casos na reunião de equipe, nessa reunião com a estratégia, tem que ter os representantes do NASF, esses profissionais vão ouvir essas questões e vão anotar, pra levar pra reunião do NASF, pra gente discutir e dar os encaminhamentos, e depois voltarmos com o caso pra equipe da estratégia. Burocratizou demais. Aí quando chegam as respostas dos profissionais do NASF, as equipes da eSF relatam que já foi feito dessa forma ou a gente pensou da mesma forma”.

Fica claro que a organização adotada para a operacionalização das reuniões entre o NASF e as eSFs, inviabiliza o movimento de coprodução do cuidado entre essas equipes, reforçando os especialismos e a fragmentação existentes no cuidado em saúde, uma vez que, estabelece uma divisão clara entre os profissionais que pensam, no caso as equipes NASFs, e os que executam, representados pelas eSFs. Em outras palavras, este modo de operar não possibilita o trabalho colaborativo e a troca de conhecimento, visto que a construção das propostas terapêuticas para o cuidado em saúde fica somente a cargo dos profissionais do Núcleo. Diante deste cenário, de divisão de tarefas entre as equipes NASF e eSF, Shimizue e Fragelli (2016) ressaltam a importância dos profissionais da AB, terem conhecimento sobre as atribuições do NASF e sua metodologia de trabalho, para não correr o risco de produzir práticas que reforcem a fragmentação do cuidado e a verticalização das relações existentes nos serviços de saúde.