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4. RESULTADOS E DISCUSSÕES

4.2 CONCEPÇÕES DOS PROFISSIONAIS DE SAÚDE DO NÚCLEO AMPLIADO

4.2.3 Promover a intersetorialidade

A subcategoria promover a intersetorialidade incorpora as falas que dizem respeito ao trabalho do NASF articulado com outros setores. De acordo com alguns profissionais, as equipes NASF desenvolvem ações de caráter intersetorial, com os serviços dos diferentes

setores do território, sendo essa prática caracterizada como um trabalho integrado em rede, que é sistematizado por meio de reuniões mensais, para a realização de discussão de casos e planejamentos de algumas ações.

“A gente procura trabalhar integrado com a parte da assistência, da prefeitura, CREAS e CRAS”.

“A gente tem a reunião, uma vez por mês, com CREAS, CRAS, as escolas, os conselhos tutelares, com todos os equipamentos do território. Lá acontecem as discussões de caso e o planejamento de algumas ações”.

“A gente faz muito estudo de caso com o CRAS, CREAS, SAVI, Conselho Tutelar, escola”.

“Tem a reunião de rede. Onde uma vez por mês diversos setores da comunidade se reúnem para a troca de ideias, debates, assuntos”.

Verifica-se que as concepções sobre intersetorialidade apresentadas nas falas ilustradas acima, coadunam com a compreensão assinalada por Paula, Palha e Protti (2004) ao ressaltarem intersetorialidade como inter-relações de processos de trabalhos articulados entre si, os quais adquirem um caráter mais amplo, em função das parcerias com outras instituições no formato de rede. Assim, as práticas intersetoriais estabelecem conexões entre os diferentes serviços, a fim de catalisar uma rede que compreenda o processo saúde e doença de forma ampliada, a partir da problematização e articulação de diferentes saberes, em busca de soluções conjuntas face às necessidades do território. Entretanto, apesar de alguns profissionais do NASF compreenderem a intersetorialidade como uma ação em rede, também foi possível identificar falas que ilustram que esta prática, em determinados momentos, ocorre de forma pontual, perante a necessidade de realização de discussão de casos ou em função de situações complexas.

“Intersetorial, a não ser que a criança esteja com um comportamento mais desviante na escola, aí a escola chama a gente para conversar”.

“Mobiliza mais quando tem criança em situação de violência. De todos os tipos. Mas assim, às vezes nem é uma violência, é uma negligência mesmo”.

“Ontem mesmo, eu tinha uma reunião na escola, para discutir a situação de uma criança que a escola identificou como uma possível violência. Então essa articulação a gente tenta fazer sempre que possível”.

“Mas as discussões ocorrem em função de um caso, se tem caso para discutir. É pra discutir casos. É assim que funciona”.

Aparentemente as situações concretas e complexas têm mobilizado mais as pessoas e os serviços para criarem espaços de articulação, porém trabalhar intersetorialmente envolve a construção de espaços permanentes de comunicação e negociação entre os diversos setores, a fim de se gerar uma potência maior, que possibilite tanto a descoberta de novos modos de agir, quanto novas formas de trabalho e de construir políticas públicas (Carmo & Guizardi, 2017).

Aliado a isto, corrobora-se com Amaral (2015) ao destacar a intersetorialidade como uma prática social compartilhada de realização contínua, que integra agendas coletivas com objetivos em comum, visando produzir impactos na qualidade de vida da comunidade. Assim, as ações intersetoriais ao assumirem um caráter pontual, produzem um distanciamento da potencialidade da sua proposta, que pressupõe um trabalho processual, com o diálogo constante entre os setores que habitam o território, na tentativa de romper com ciclos isolados e verticais, presentes nas políticas públicas, buscando a garantia dos direitos fundamentais a população.

Os dados apontam também para alguns equívocos conceituais sobre a intersetorialidade. Dentre estes, destaca-se o entendimento da intersetorialidade como encaminhamento para outros setores e como a realização de parceria com algumas instituições do território para a realização de oficinas e de palestras de educação em saúde temáticas.

“Eu entendo como um encaminhamento e como oficinas também. Como as que a gente fez na escola”.

“A gente faz algumas ações com empresas, existem duas empresas aqui no território, empresas de lixo, eles sempre ligam pra gente para fazer alguma atividade. Eles ligam e perguntam, vocês podem fazer uma atividade pra falar sobre saúde do homem? Coisas básicas, bem básicas mesmo, são ações pontuais em caráter de palestra, mas que rola uma interação da equipe com a empresa”.

A análise dessas falas revela a incipiência da realização de planejamentos conjuntos, entre os profissionais dos diferentes setores, com vistas ao enfrentamento dos problemas complexos existentes no território. A relação estabelecida com outros equipamentos fica restrita aos encaminhamentos e a realização de palestras de cunho informativo. Especificamente, sobre a concepção de intersetorialidade atrelada à terminologia de encaminhamento, cabe ressaltar que, tal prática, traz consigo a ideia de transferência de responsabilidade, não havendo necessariamente compartilhamento de responsabilidade com outro setor. Dito isto, pode-se afirmar que a relação estabelecida com outros equipamentos, a partir dessas concepções (encaminhamento e palestras educativas), revela uma prática multissetorial, caracterizada também pela presença de dois ou mais setores para a resolução de um problema, porém sem uma relação de reciprocidade, de parceria, nem um trabalho efetivo de compartilhamento de algo ou de um processo (Ornelas & Teixeira, 2015).

Ainda sobre as concepções sobre a intersetorialidade, verifica-se também a presença de relatos que associam a ideia da prática intersetorial com a relação construída com alguns

serviços especializados do campo da saúde. Ou seja, como uma articulação entre os serviços da RAS, sem a presença das demais políticas sociais e da comunidade.

“Tem as ações intersetoriais com SAVI, com CAPS, de uma forma geral (..). O SAVI é um serviço de atenção as vítimas de violência. Ele é da rede. Da mesma secretaria nossa”.

Embora esta articulação com a rede de serviços especializados seja de fundamental importância para a realização da integralidade, tal ação não pode ser caracterizada como uma prática intersetorial. Tal concepção revela a dificuldade dos profissionais de saúde trabalharem conjuntamente com as demais políticas sociais, o que consequentemente, favorece a fragmentação do cuidado e o acionamento dos demais setores por meio da lógica dos encaminhamentos.

De modo geral, os dados apresentados nesta subcategoria, revelam que existe uma polissemia em torno da terminologia da intersetorialidade. Infere-se que, um dos motivos que favorece esse cenário ocorre em função da carência de uma orientação normativa clara sobre esta temática para a orientação do trabalho dentro desta perspectiva. Neste sentido, corrobora- se com Akerman, Sá, Moyses, Rezende e Rocha (2014) ao reafirmarem a pertinência da construção de um arcabouço teórico de sustentação do conceito de intersetorialidade. Para os autores, a ausência de uma robustez teórica para a conformação da intersetorialidade leva à imprecisão quanto ao objetivo de sua execução prática. Assim, a depender da concepção a qual se vincula, a intersetorialidade pode se configurar ora como estratégia pontual e multissetorial (encaminhamento, discussão de caso, realização de palestra para outro setor), ora como uma articulação entre somente os serviços do mesmo setor.

Contudo, os dados ainda revelam que as dificuldades para a implantação de prática intersetorial não se limita as diferentes concepções sobre essa prática. Verifica-se que apesar de existir a compreensão de que as “parcerias são boas”, a efetividade das ações intersetoriais também fica comprometida em função das questões de ordem estrutural dos serviços, ou seja,

por fatores ligados as más condições de trabalho. As falas versam sobre a grande demanda de trabalho de alguns equipamentos do território, o número reduzido de equipes, do “sucateamento” dos serviços, além da ausência de transporte para fazer a locomoção dos profissionais.

“A dificuldade que a gente tem é com o CRAS. Eles são profissionais que trabalham 30h. Com poucas pessoas e eles têm que dar conta de um território maior que o da saúde”.

“As nossas ações intersetoriais são muito com os serviços da Assistência Social. E eles são muito sucateados. Poucos profissionais. Tem o problema com o carro que às vezes não tem. Quer dizer, as parcerias sempre são boas, mas as coisas se arrastam pela falta de condições de trabalho para a resolução do caso”.

Estas dificuldades demonstram a fragilidade da construção de uma prática intersetorial, diante das especificidades de cada setor envolvido com o cuidado no território. Ou seja, cada política social possui suas responsabilidades, burocracias, protocolos, recursos que direcionam o seu cotidiano de trabalho. Acredita-se, com base nos dados acima apresentados, que essas particularidades podem interferir na relação e no vínculo construído com os demais equipamentos sociais existentes no território; na abertura de cada setor para construção do diálogo; na busca de soluções compartilhadas; na corresponsabilização e na cogestão para a condução de projetos com vistas à melhoria da qualidade de vida da população, ou seja, na implantação de uma rede intersetorial.

No mais, pondera-se que a intersetorialidade configura-se como um dos pressupostos mais caros a serem conquistados na instauração do paradigma emergente em saúde, uma vez que, sua prática solicita um deslocamento do campo da saúde, criando um movimento contínuo de parceria com as demais políticas sociais e seus saberes. Em outras palavras, guiando-se pelo pensamento de Sousa Santos (2002), o cuidado em saúde, até então regulado pelo paradigma dominante, precisa criar forças emancipatórias capazes de tensionar a

fronteira, que diante do princípio da intersetorialidade, mostra-se com uma passagem mais robusta, quase impermeável, haja vista que o profissional precisa lançar mão de ferramentas marginalizadas na saúde, distantes do centro, da metrópole, que é regido pela hegemonia do modelo biomédico.