• Nenhum resultado encontrado

Cèlestin Freinet foi um dos pedagogos mais influentes do século XX. Era professor primário. Insatisfeito com o tipo de ensino tradicional vigente na época e com os métodos que caracterizavam este mesmo ensino, procurou encontrar novos caminhos para o ensino e para a aprendizagem e modos educativos que dessem resposta aos alunos da classe popular de onde era oriundo (Freinet & Salengros, 1977). Procurava, particularmente, encontrar vias não autoritárias para o trabalho (invariante pedagógico n.º 6). Para tal era preciso formar “educadores autênticos, generosos formadores de homens” (Freinet, 1969, p. 205). Era sua grande finalidade formar na criança o homem de amanhã.

O longo percurso reflexivo e transformativo de Freinet conduziu-o à desconstrução da escola tradicional e à reconstrução, como ele dizia, de uma escola do povo (Freinet, 1969), à reconstrução da escola moderna. A escola do povo era entendida como “uma escola democrática que [preparava], pelo exemplo e pela ação, a verdadeira democracia” (Freinet, 1969, p. 203). Dizia Freinet (1969) no invariante pedagógico n.º 27: “a democracia de amanhã prepara-se pela democracia na escola” (p. 202).

Freinet procurou modernizar a escola mediante a transformação das suas próprias práticas, por forma a renovar a escola e os princípios que a constituíam.

Segundo ele, devia-se modernizar e promover o êxito da escola. Este seu propósito, presente no invariante pedagógico n.º 26, advinha do facto de as técnicas da escola tradicional, vigentes na época, se basearem fortemente no fracasso. Freinet pretendia, porém, fomentar uma pedagogia do êxito (invariante pedagógico n.º 10), que possibilitasse à criança ser sempre bem- sucedida (Freinet, 1969).

Desejava também promover uma pedagogia da vida. Dizia Freinet no invariante pedagógico n.º 17 que, devia ser objetivo da escola “interessar a criança pelo seu trabalho e pela sua vida” (1969, p. 193), na medida em que, “vivendo e trabalhando [aprendia] a viver em grupo” (1969, p. 201). Na sua perspetiva pedagógica, as atividades escolares deviam ser combinadas com a vida quotidiana no campo (Lino, 2005). Dizia Freinet (1969): “a criança não se fatiga fazendo um trabalho que esteja na linha de rumo da sua vida, que lhe seja por assim dizer funcional” (p. 191). Esclareceu ainda que “quando se encontra ocupada num trabalho interessante que

responde às suas necessidades, a criança não se cansa absolutamente nada, podendo continuar a dedicar-se a esse trabalho durante duas ou três horas, e até mais, se não intervierem as naturais necessidades físicas” (Freinet, 1969, p. 191).

Freinet sublinhou, nesta sequência de ideias, que os profissionais deviam atentar para o tipo de pedagogia que desenvolviam, na medida em que, “a fadiga das crianças [era] a prova que [permitia] avaliar a qualidade de uma pedagogia” (Freinet, 1969, p. 191). Competia, assim, aos profissionais educar no seio da dignidade (invariante pedagógico n.º 28), isto é, mediante o respeito uns pelos outros. De igual modo, os profissionais deviam adotar uma pedagogia que aceitasse a escolha da criança relativamente à direção por onde esta queria ir e onde o adulto usasse o menos possível a autoridade (invariante pedagógico n.º 4). Alertava Freinet que o mais importava era “a formação na criança do homem que será amanhã, o homem moral e social, o trabalhador consciente dos seus direitos e dos seus deveres e suficientemente corajoso para lhes fazer face, a criança e o homem inteligente, investigador, criador, escritor, matemático, músico e artista” (Freinet, 1969, p. 200). Neste sentido, a aquisição de conhecimentos era uma função menor da escola e a sobrecarga de aulas um erro.

A escola tradicional “não [preparava o aluno] para as dificuldades reais, [dava pouca importância à] expressão oral e escrita e, quando o [fazia era] praticando uma espécie de dirigismo das ideias que, nessa altura, não [ultrapassavam] o nível da banalidade” (Freinet & Salengros, 1977, p. 92). Freinet alertou, no entanto, para a importância de o professor deter “um espírito aberto, afinado pela observação e reflexão” (Freinet & Salengros, 1977, p. 93).

Entendia no entanto Freinet (1969) que, devia existir uma nova vida na escola (invariante pedagógico n.º 20). Esta nova vida implicava existir cooperação escolar, perspetivada esta enquanto dar o máximo de responsabilidades à cooperativa na organização da aula. Comprometia, também, proporcionar iniciativa máxima à criança no seio da comunidade, oferecer-lhe possibilidades de escolha e liberdade de decisão (invariante pedagógico n.º 7), visto que, era mais importante prepará-la do que dirigi-la.

De esclarecer, porém, que o facto de haver escolha e espaço para a iniciativa da criança não quer dizer que dentro da classe não existisse disciplina e ordem. Esta, na verdade, não somente era uma realidade aceite como necessária para a convivência dos grupos. No entanto, a disciplina e ordem coadunavam-se com as regras da vida e ação dos sujeitos.

Freinet procurou também colocar em prática uma pedagogia de trabalho natural, motivado e exaustivo. Dizia ele no invariante pedagógico n.º 10: “Não é o jogo que é natural na criança, mas sim o trabalho” (p. 184). No trabalho atuava-se, no entanto, com objetivo. De esclarecer que o trabalho que se procurava implementar procurava ser vivo, ativo e participativo. Salientava

Freinet que “ninguém gosta de trabalhar sem objectivo, actuar como um robot; quer dizer, actuar, sujeitar-se a pensamentos inscritos em rotinas nas quais não participa” (1969, p. 178). Neste sentido, as técnicas escolhidas e a sua organização na classe procuravam sempre contribuir para que a criança se sentisse consultada e com direito a liberdade de escolha (invariante pedagógico n.º 7).

Freinet entendia que a escola devia ter como grande finalidade ser um alicerce (Freinet & Salengros, 1977) e a criança devia perspetivar a escola como espaço de libertação onde tinha a oportunidade de escolher temas, em vez destes lhe serem impostos; onde lhe era dada “liberdade de escolher o seu trabalho, de decidir o momento e o ritmo desse trabalho” (Freinet, 1969, p. 177). Entendia Freinet que a liberdade dada à criança para escolher como fazer o seu trabalho contribuía para um clima mais favorável na classe.

Freinet evidenciou também a importância da escola conduzir a “criança a exprimir os seus pensamentos e emoções de uma forma subtil, correta, artística até” (Freinet & Salengros, 1977, p. 84). Destacou a importância de a escola fornecer à criança meios para soltar a sua personalidade, e desenvolver um ensino baseado na cooperação, interajuda e respeito pelos pares. Sublinhou a importância da escola encorajar a criança a acreditar em si própria, a ter gosto e orgulho nas suas criações, a dedicar-se ao outro e a respeitar o outro, a ser perseverante e a interessar-se relativamente àquilo com que se deparava. Entendia Freinet que “a escola [devia] libertar a criança” (Freinet & Salengros, 1977, p. 94), contudo, dizia, “muitas vezes, [era] a criança que [aspirava] libertar-se da escola” (Freinet & Salengros, 1977, p. 94).

Freinet manifestou ainda preocupações com o desenvolvimento de atividades motivadas, isto é, atividades às quais as crianças se entregassem totalmente. De referir que a atividade motivada opunha-se completamente à ideia de atividade escolástica. Dizia ele que era preciso motivar o trabalho (invariante pedagógico n.º 9), contrariando a tendência para atividades “sem motivação e sem finalidade” (Freinet, 1969, p. 180). Assim, o trabalho podia ser uma maçada ou uma libertação, consoante servisse (ou não) as necessidades dos indivíduos. Freinet salientava, porém, que quando as necessidades das crianças eram servidas havia real envolvimento das mesmas nas atividades, não dando muitas vezes as crianças conta do tempo da atividade a passar. Neste sentido, o professor devia “mobilizar o seu interesse [da criança] e alicerçar a sua cultura” (Freinet & Salengros, 1977, p. 26) de modo a que a criança conseguisse sempre adaptar- se intelectualmente.

Freinet sabia que existia na sua época “uma barreira entre a escola e a vida” (Freinet & Salengros, 1977, p. 20) devido ao facto de não haver uma integração dos processos escolares nas técnicas da vida. Assistia-se a um desfasamento entre a teoria e a prática, entre os

conteúdos e a experiência vivida, entre o que era ensinado e a relação desse mesmo ensino com o contexto real4. Perante este panorama, a “inadaptação da escola [devia ser o] primeiro obstáculo a vencer [para um] processo de democratização do ensino [que valorizasse o] carácter de espontaneidade e de verdade” (Freinet & Salengros, 1977, p. 93), ao invés do “carácter da pobre fraseologia de imitação” (Freinet & Salengros, 1977, p. 85).

Foi assim que, partindo do interior da própria prática, procurou modernizar a escola (Freinet & Salengros, 1977; Lino, 2005). Na conceção de Freinet, vários caminhos os profissionais podiam seguir no sentido de ultrapassar a barreira da inadaptação, gerada pela desarticulação e descontextualização do ensino e da aprendizagem.

Freinet salientou diversas vezes que esta modernização da escola passava pelo desenvolvimento de uma pedagogia eficiente (Freinet, 1969) que provocasse transformação e mudança e pela democratização do ensino. Passava, igualmente, pela compreensão de que a função educativa da escola não era meramente intelectual. Freinet dizia, no invariante pedagógico n.º 14, que era pela generalização do tateamento experimental que se educava a inteligência.

Freinet entendeu ainda ser fundamental os profissionais conhecerem e refletirem métodos de trabalho eficientes. Entendia que reflexões sustentadas conduziam a práticas mais ativas e participativas (Freinet & Salengros, 1977). À luz da escola moderna isto implicava “uma transformação profunda nos processos psicológicos e pedagógicos pregados e impostos pela escolástica” (Freinet & Salengros, 1977, p. 28). Por outras palavras, implicava compreender se aquilo que a criança aprendia significava (ou não) algo para a mesma e se tinha alguma ressonância (ou não) na sua vida presente e futura.

Tendo consciência da exigência que tal mudança de rumo colocava aos profissionais, Freinet alertou para a importância dos mesmos darem passos progressivos e não procederem a radicalidades que depois não conseguissem concretizar. Disse: “não larguem as mãos antes de terem encontrado apoio para os pés” (Freinet & Salengros, 1977, p.47), ou seja, não se esvaziem de forma radical de uma forma de intervenção sem contudo estarem esclarecidos e seguros daquilo que vão procurar fazer e sem terem a certeza de que têm condições para o fazer. Freinet esclareceu igualmente que “não se [devia] adoptar com os olhos fechados um método qualquer” (Freinet & Salengros, 1977, p. 59), muito menos fazê-lo de forma solitária e precipitada, dado que considerava que ninguém fazia progressos em ilhas desertas. Salientou, assim, a necessidade dos profissionais pensarem os métodos com relação aos objetivos que

4 Pode dizer-se que este desfasamento continua a sentir-se real nos tempos atuais, apesar de serem

inúmeras as reflexões que ao longo do tempo se têm vindo a fazer em torno destas mesmas dificuldades e respostas possíveis para as poder minimizar. A escola continua, portanto, a atravessar uma crise de inadaptação (Freinet & Salengros, 1977).

delineavam para a experiência. O professor devia assumir-se enquanto um “operário da primeira hora [que] através de um esforço incessante [aperfeiçoava] cada vez mais a [sua] ação educativa” (Freinet & Salengros, 1977, p. 94).

No que diz respeito aos métodos e às técnicas que os profissionais deviam fazer uso, entendeu Freinet que o ensaio experimental devia ser introduzido na escola, dado que era uma estratégia que contribuía para o sucesso escolar e para a captação dos interesses dos alunos. Dizia Freinet: “regressem em toda a parte e em todas as disciplinas aos métodos de vida, os únicos que vos permitirão os sucessos profundos de que falamos” (Freinet & Salengros, 1977, p. 37).

O método natural – baseado na expressão livre e no tateamento experimental era o método valorizado por Freinet. Entendia Freinet que era pela experiência tateante (invariante pedagógico n.º 11) que se fazia a aquisição do conhecimento e que a verdadeira cultura requeria o tateamento, entendido este enquanto a base da pedagogia. A educação devia, pois, basear-se na experiência e na vida, mediante este tateamento experimental (Freinet, 1969).

Realça-se que, da mesma forma que Dewey se preocupava com a aprendizagem pela via da experiência, Freinet defendia numa linha semelhante o tateamento experimental. Em ambas as perspetivas a experimentação e a atividade da criança revelam-se veículos centrais para a aprendizagem. Na visão de Freinet, a aprendizagem natural obedecia a um tateamento experimental porque toda a criança tinha necessidade de se envolver de forma ativa com a experimentação, fazendo uso de uma pluralidade de materiais e técnicas (Lino, 2005). Freinet (1969) caracterizava o tateamento experimental como “um trabalho de pesquisa reflexiva acerca dos materiais físicos e mentais, aptidão para observar, manipular, levantar hipóteses e verificá-las, aplicar leis e códigos, compreender informações complexas” (Freinet, 1969, p. 109). Na sua perspetiva a expressão livre não era sinónimo de libertinagem ou abandono de responsabilidades. Era entendida antes enquanto manifestação de vida, uma forma de dar voz à criança e um meio de esta se expressar e comunicar (Freinet, 1969). Freinet apresentou como exemplos de técnicas de livre expressão o texto livre, o desenho livre e os livros de vida. Todas estas técnicas focadas na liberdade de escolha, na participação ativa da criança na construção do conhecimento, de uma forma entusiasta e com determinação (Lino, 2005).

Entendia-se, portanto, que era a experimentação (tateamento experimental) e “a expressão livre das suas ideias, pensamentos, conhecimentos, sentimentos” (Lino, 2005, p. 109) que conduziam a criança a aprendizagens significativas e contribuíam para a sua plena construção enquanto ser humano.

Neste âmbito, valorizando uma pedagogia do trabalho e da vida, Freinet defendia uma escola organizada em torno de atividades da iniciativa da criança e da iniciativa do professor. O

trabalho desenvolvia-se em torno de complexos de interesse (Freinet, 1969), que constituíam uma forma de trabalho por projetos e que incluíam a participação ativa das crianças e do professor.

Tinha-se como objetivo, na escola moderna, levar a criança a interessar-se “pelo seu trabalho e pela sua vida” (Freinet, 1969, p. 193). Dizia Freinet que a criança não gostava do trabalho em rebanho, antes, de trabalho individual ou em equipa no seio da comunidade cooperativa. Esta ideia de trabalho cooperativo contraria o trabalho na lógica tradicional em que todos fazem o mesmo trabalho ao mesmo tempo. Freinet propõe, assim, a possibilidade da criança trabalhar ao seu próprio ritmo, no entanto, inserido numa comunidade viva. Esclarece-se, contudo, que o trabalho em equipa/ trabalho cooperativo assumia para Freinet um significado muito próprio: “não significa obrigatoriamente que cada membro faça o mesmo trabalho. Pelo contrário, o indivíduo deve conservar ao máximo a sua personalidade, mas ao serviço da comunidade” (Freinet, 1969, p. 196). Entende-se, assim, que se tinha como objetivo organizar a prática do trabalho de modo interessante no seio da equipa ou da comunidade.

A criança, enquadrada na proposta pedagógica de Freinet, assumia-se enquanto alguém que sabia escolher, prever, envolver-se com o trabalho que fazia de uma forma ritmada, intensa e dinâmica e, neste sentido, deviam-lhe ser dadas oportunidades para isso (Freinet, 1969; Freinet & Salengros, 1977). A criança era ainda vista não como membro isolado, mas enquanto membro de uma comunidade, onde era respeitada a sua individualidade, liberdade e autonomia; onde aprendia a assumir responsabilidades e a cumprir compromissos; onde aprendia a respeitar e a aceitar a diferença e o diverso (Lino, 2005).

Pretendia-se que a criança se envolvesse ativamente em experiências e atividades proporcionadas pela escola e, mediante a sua ação sobre o mundo físico e social, fosse realizando aprendizagens e construindo conhecimento (Lino, 2005). Neste âmbito, dizia Freinet que era fundamental deixar a “criança investigar e experimentar, na própria vida, a regra e as leis que só intervêm depois, quando já estão colocadas as estacas que as sustentam” (Freinet & Salengros, 1977, pp. 35-36).

Freinet propunha uma pedagogia natural que assumisse uma esclarecida dimensão prática (Lino, 2005), distanciada dos princípios propostos pela pedagogia tradicional. Freinet dizia que as pedagogias que se desligassem da prática não tinham lugar na escola, porque o seu lema educacional era “uma educação que, pela vida, prepara para a vida” (Freinet, 1969, p. 89). Os materiais utilizados por Freinet procuravam, portanto, assumir-se enquanto instrumentos detentores de um grande objetivo: “formar o indivíduo culto e rico de possibilidades dentro de um determinado espírito” (Freinet & Salengros, 1977, p. 47).

Procurando fazer alterações no modo de ensinar, introduziu na escola atividades manuais e de expressão, eliminou o estrado, encorajou a saída para a comunidade e o contacto com a vida fora da escola, sublinhando que tais ações contribuíam para as experiências de aprendizagem da criança.

Entendia Freinet que a apropriação de estas e outras técnicas era igualmente encorajadora da escuta e da participação da criança (Freinet & Salengros, 1977). A criança podia pronunciar-se acerca das suas experiências educativas, vividas dentro e fora da escola, e, também neste âmbito, criavam-se oportunidades para explorar, individualmente e em cooperativa escolar, outros assuntos, como a escrita e o texto livre (Lino, 2005).

De salientar também que a utilização de técnicas modernas exigia que o profissional confiasse mais na criança e a ajudasse, ao invés de lhe dar ordens, castigos e/ou desconfiasse dela. Exigia, ainda, que o profissional raciocinasse de acordo com a experiência da criança. Neste âmbito, cultivava-se o estabelecimento e a aceitação de relações entre os alunos e entre os alunos e os profissionais (Freinet & Salengros, 1977; Lino, 2005).

Freinet explorou ainda em profundidade na sua pedagogia a organização do espaço e do tempo, assim como, os seus contributos para o ensino e para a aprendizagem (Freinet & Salengros, 1977).

“O espaço [era] uma condição essencial” (Freinet & Salengros, 1977, p. 51) para a aprendizagem acontecer. Freinet realçou a importância da ordem na organização do espaço que era experienciado. Referiu que o espaço devia ser concebido de forma a favorecer as interações e facilitar a mobilização dos alunos e a própria dinâmica de trabalho dos mesmos. O espaço devia ainda traduzir e “mostrar uma identidade” (Freinet & Salengros, 1977, p. 53) – a identidade dos intervenientes que lá vivem e que o experienciam.

Freinet procurava que os profissionais usufruíssem de um “espírito de libertação e de formação que [era] a própria razão de ser das [suas] inovações” (Freinet & Salengros, 1977, p. 46). Desejava também que o espaço-escola fosse detentor de funcionalidade, nomeadamente, favorecesse a liberdade de ação e pensamento da criança, assim como, a sua aprendizagem pela vida.

Parafraseando Freinet e Salengros (1977):

“Dar a cada um ocasião de descobrir e libertar a sua personalidade, os seus gostos e até as suas aptidões mais concretas; ela [a escola] não deve realizar-se em redoma, mas, como

dizia Decroly sair da vida para voltar à vida; ela deve visar o conteúdo do pensamento e não o seu invólucro ou a sua etiqueta. Numa palavra, ela deve ser funcional.” (p. 83)

O tempo na escola era visto por Freinet (1973, 1969) enquanto uma organização da rotina semanal e diária. Este subdividia-se em duas jornadas distintas: a jornada da manhã e a jornada da tarde. Era entendido ainda enquanto momentos experienciados pelas crianças, tanto individualmente como em grupo. O trabalho individual e o trabalho cooperativo assumiam, assim, relevância no período da rotina. No tempo diário eram incluídos momentos tanto da iniciativa do professor como da iniciativa da criança.

De sublinhar que a criança podia escolher e agir livremente dentro do âmbito das propostas que tinham sido previamente pensadas e preparadas intencionalmente para a sua experimentação e aprendizagem. Estas podiam ser experiências, atividades diversas, e/ou exploração de materiais específicos. O ambiente educativo que se procurava proporcionar assumia, portanto, propósitos bem delineados e esclarecidos (Freinet, 1969; Lino, 2005). Freinet entendia que devia ser proporcionado um ambiente educativo rico à criança, com o intuito de esta “poder revelar as suas verdadeiras possibilidades” (Freinet & Salengros, 1977, p. 89). Tal “só [seria] possível no contexto de um ensino moderno, renovado” (p. 89).

A planificação na pedagogia de Freinet envolvia diferentes etapas e diferentes momentos. Cada criança planeava individual e coletivamente o seu plano de trabalho, e tanto diária como semanalmente, tendo o professor como seu apoio. O professor planificava considerando os interesses das crianças, que ia identificando no quotidiano através das observações que fazia e registava e mediante as avaliações que com a criança e o grupo desenvolvia em torno do trabalho diário e semanal desenvolvido. A planificação comprometia-se com a avaliação e vice- versa, na medida em que era sob os planos de trabalho construídos que a avaliação incidia (Lino, 2005).

A avaliação, por sua vez, distanciava-se do ensino tradicional e acontecia fruto da cooperação entre o professor e os alunos (Freinet, 1973). Focava-se, essencialmente, nos progressos da criança. Envolvia a avaliação do plano individual de trabalho e o registo do seguimento das tarefas realizadas. Sublinha-se que a avaliação do plano de trabalho era ainda feita de modo colaborativo, em assembleia. Entendia-se que a avaliação que se realizava contribuía para a valorização do trabalho realizado pela criança e era impulsionadora da sua continuidade. Era, igualmente, um modo de dar a conhecer à família aquilo que a criança ia fazendo na escola. A avaliação valorizada na pedagogia de Freinet assumia-se, portanto, contínua e focava-se na realização de tarefas, em processos e produtos individuais da criança. Era uma avaliação

individual mas também coletiva, na medida em que envolvia a criança, os pares e o próprio professor. Tal como realça Lino (2005), a avaliação era feita “no âmbito de uma organização cooperativa da classe, e [contava] sempre com o apoio do professor” (p. 108).

1.2.1. Contributos do pensamento freineano para a compreensão da intencionalidade

O pensamento de Freinet espelha uma ideia de educação humanizada, modernizada, democrática, próxima da vida quotidiana. Muitas das suas reflexões permanecem atuais e assumem-se contributos valiosos para a educação da atualidade, nomeadamente, para a compreensão da intencionalidade educativa.

À semelhança de Dewey, Freinet evidencia a importância da escola dever preparar a criança para a ação, assim como, servir as suas necessidades reais. A escola assume-se um alicerce, um espaço de libertação, uma cooperativa, um lugar de atividade, interajuda e partilha de responsabilidades que atua rumo a uma pedagogia do êxito. A missão da escola centra-se mais em preparar melhor do que em dirigir.

É propósito da escola despertar na criança o interesse pelo trabalho e pela vida, assim como, estabelecer uma relação entre a atividade escolar (conteúdos) e a vida quotidiana (a experiência).

Procurando-se favorecer a ação da criança e a sua contínua atividade em torno da vida quotidiana, é-lhe conferida iniciativa no seio da cooperativa, possibilidades de escolha e liberdade para tomar decisões.

É no seio do grupo que se procura mobilizar o interesse da criança e fomentar a concretização da experiência. É dentro do grupo que a criança aprende a ser escutada e a escutar outros, aprende a tomar decisões e a aceitar decisões de outros. É igualmente no grupo que a criança vê