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1.2. A visão do ambiente educativo

1.2.2. O tempo pedagógico

Na Pedagogia-em-Participação a organização do tempo favorece, tal como o espaço, as interações entre todos, mediante uma comunicação e escuta ativa. De igual modo, incorpora uma preocupação central com o desenvolvimento de intencionalidades – de crianças e adultos, durante o período da rotina.

O tempo integra tanto tempos de cuidados como tempos pedagógicos. Todos eles são entendidos enquanto tempos relacionais na medida em que, tal como referem Oliveira- Formosinho e Formosinho (2011) enfatizam a interação e humanizam o “espaço de vida e a aprendizagem” (p. 113). Os mesmos autores referem que o tempo considera “diferentes propósitos, […] múltiplas experiências, a cognição e a emoção, as linguagens plurais, as diferentes culturas e diversidades” (Oliveira-Formosinho & Formosinho, 2011, p. 113).

Segundo Oliveira-Formosinho e Andrade (2011), o tempo pedagógico é criticamente refletido “a partir das aprendizagens experienciais das educadoras e das crianças” (p. 72) e inclui o ritmo da criança, dos pequenos grupos e do grupo todo.

A rotina da Pedagogia-em-Participação procura garantir oportunidades para todas e para cada criança na sua individualidade. A rotina pretende ser “respeitadora dos ritmos das crianças [e organizada] tendo em conta o bem-estar e as aprendizagens, incorporando os requisitos de uma dinâmica participativa na organização do trabalho no contexto de ensino-aprendizagem” (Oliveira-Formosinho & Andrade, 2011, p. 72).

É uma rotina sequencial e constituída por um conjunto de tempos que se assumem pedagógicos: acolhimento, planificação, atividades e projetos, reflexão, recreio, momento (inter)cultural – “hora de…”, momento de trabalho em pequenos grupos, conselho e tempo de partida (Formosinho & Oliveira-Formosinho, 2008; Oliveira-Formosinho & Formosinho, 2012, 2013). A rotina é iniciada pelo acolhimento. Este é entendido enquanto tempo de reencontro e de comunicação, assim como, momento onde se planifica o dia, de uma forma coconstruída pelo e com o grupo. É um momento essencial visto que, tal como referem Oliveira-Formosinho e Andrade (2011), quando a criança experiencia momentos em que é acolhida aprende ela própria a acolher. Constrói-se, portanto, um clima de interações saudáveis favorável ao bem-estar e ao desenvolvimento da criança. Neste tempo, todos têm oportunidades de participação: faz-se referência a um tempo de escutar e ser escutado, de propor o fazer e ouvir propostas do fazer, um tempo de refletir e de ouvir o refletir de outros, um tempo de oportunidades para o desenvolvimento de competências de cidadão ativo, crítico, reflexivo e participativo.

O acolhimento é um tempo de extrema importância porque é através dele que se reorganizam os tempos seguintes. É um tempo de partida, um “tempo que contagia outros tempos e que abre as portas do emergente [tempo de empatia, tempo de envolvimento na comunidade e] de exploração de afetos” (Oliveira-Formosinho & Andrade, 2011, p. 76).

A planificação, que ocorre de seguida, em pequenos grupos, é um momento particular em que “é dado à criança poder para se escutar e para comunicar a escuta que fez de si” (Oliveira- Formosinho & Formosinho, 2013, p. 48). Neste tempo a criança define intenções e escuta

intenções de outros. Consequentemente, elaboraram-se as planificações que irão dar suporte às ações a desenvolver durante o dia. A planificação, nesta perspetiva, possibilita a antecipação da ação (Azevedo, 2009). Este tempo permite ao grupo refletir em torno do que se vai fazer e aprender a definir a intencionalidade da ação que levará a cabo.

Sabe-se que a criança precisa de aprender gradualmente o significado das atividades que faz, de forma a posicionar-se e tornar-se capaz de representar um papel face a essas mesmas atividades. Neste sentido, torna-se fundamental desenvolver o hábito de planificar, nomeadamente, pensar sobre o que vai fazer. No âmbito da Pedagogia-em-Participação crê-se que “a criança que se escuta cria habitus de definir intencionalidades e propósitos e de tomar decisões “ (Oliveira-Formosinho & Andrade, 2011, p. 77) e é esta, no fundo, a intencionalidade primeira do momento do planificar em grupo. Mediante esta atividade reflexiva, a criança começa a pensar sobre os seus interesses e motivações, desenvolve competências de autonomia, iniciativa e previsibilidade e aprende a “antecipar alguns aspetos do modo de ação” (Oliveira-Formosinho & Andrade, 2011, p. 76). Na Pedagogia-em-Participação procura-se, assim, estabelecer conexões entre a atividade do educador e a da criança, conhecer e interpretar continuamente as capacidades, os gostos, os hábitos e os interesses da criança.

Dado que se considera que a criança possui um forte potencial, é um ser capaz, competente e reflexivo (Formosinho & Oliveira-Formosinho, 2008; Oliveira-Formosinho & Formosinho, 2012), compreende-se que esta possui competências que lhe permitem compreender tanto o que vai fazer hoje (prever) como de recordar o que sucedeu anteriormente (refletir e narrar).

As atividades e projetos assumem-se por excelência um tempo de intensa interação. Os projetos e atividades levados a cabo emergem, no seio do grupo, enquanto desafios do fazer. São desafios que nascem da iniciativa de crianças ou adultos. Na Pedagogia-em-Participação, as atividades e projetos viabilizam uma “aprendizagem experiencial de conteúdos e modos de aprender” (Oliveira-Formosinho & Formosinho, 2013, p. 50). Por outras palavras, têm como intenção particular a experiência de conhecer, descobrir, compreender, esclarecer, partilhar. Realça-se que a motivação para a aprendizagem compromete-se com o interesse intrínseco na tarefa e com as motivações pessoais das crianças. Existe, neste sentido, uma preocupação contínua com o conteúdo das experiências vividas. Usufruir de experiências de aprendizagem não significa experienciar “territórios curriculares estanques” (Oliveira-Formosinho & Andrade, 2011, p. 23). Deseja-se que as experiências sejam ricas, diversificadas, contextualizadas, aprofundadas, próximas da experiência pessoal e cultural da criança, assim como também contextualizadas, articuladas e fruto de continuidades. A vivência de tal realidade só é possível mediante uma escuta ativa e constante, situada no tempo e no espaço (Azevedo, 2009; Oliveira-

Formosinho & Formosinho, 2011, 2012; Formosinho & Oliveira-Formosinho, 2008; Oliveira- Formosinho, 2007).

Entenda-se que quando se escuta a criança conhece-se melhor a mesma, constroem-se conhecimentos enraizados e profundos acerca da(s) infância(s), nos seus aspetos mais gerais e particulares; e todos eles contribuem para a investigação científica e para o desenvolvimento da qualidade em educação. Ainda, escutando ativamente a criança, a intervenção educativa do educador torna-se mais intencional e focalizada, porque o que se pensa fazer e/ou o que se faz advém de evidências, de atos conscientes e reflexivos sobre a ação, de reflexões flexíveis e próximas da cultura do contexto, do grupo e de cada criança em particular. A ação de escutar é entendida, então, enquanto participação porque a criança ao ser escutada exerce o seu direito de cidadania. Oliveira-Formosinho e Formosinho (2013) percecionam a escuta como:

“ […] Um processo contínuo no quotidiano educativo, um processo de procura de conhecimento sobre as crianças, seus interesses, motivações, relações, saberes, intenções, desejos, mundos de vida, realizada no contexto da comunidade educativa procurando uma ética de reciprocidade. [A escuta deve] ser um porto seguro para contextualizar e projetar a ação educativa.” (p.49)

Crendo-se que a criança possui múltiplas linguagens importa ainda compreender que estas últimas “se integram e potenciam na sua interatividade” (Oliveira-Formosinho, 2011, p. 23). A complexidade das linguagens não pode, portanto, ser ignorada. Pelo contrário, é preciso estar sensível às múltiplas linguagens da criança e à sua interatividade de modo a se compreender, por exemplo, porque é que a criança atravessa fronteiras e se apropria de áreas diversas para experienciar algo e porque é que, muitas vezes, age, narra ou pensa num campo de possibilidades que não é aquele que o educador esperava. Também por isso, mais uma vez se enfatiza a importância da escuta ativa, necessária para melhor compreender a experiência que a criança narra que viveu (passado), descreve que está a viver (presente) ou projeta vivenciar (futuro).

Apesar de se saber que as crianças são diferentes e, consequentemente, têm propósitos diversos, isso não impede que um eventual projeto seja comum a várias crianças. Num mesmo projeto podem ser considerados interesses, experiências vividas e curiosidades de todo um grupo. De igual modo, um mesmo projeto pode contar somente com a participação de um pequeno grupo de crianças. O que de todo se crê fundamental é que as crianças assumam

protagonismo no decorrer da ação. Por outras palavras, tenham oportunidades de decidir, escolher, interagir (Oliveira-Formosinho & Formosinho, 2011, 2012, 2013), façam a gestão da sua própria aprendizagem, os momentos que experienciam sejam autênticos, isto é, aspirem envolvimento e bem-estar emocional. Já Dewey (1897) apontava, neste campo, para a importância de dar-se à criança a posse completa de todos os seus poderes.

A reflexão é um tempo que ocorre em pequenos grupos, durante o qual a criança expressa aos outros, em forma de narrativa, o que esteve a fazer no tempo anterior.

A narrativa é entendida, neste âmbito, enquanto uma forma de expressão de sentimentos, pensamentos e ações. Quando a criança narra pensa, portanto, sobre o que aconteceu, sobre os outros, sobre a experiência, sobre a aprendizagem, e, deste modo, aprende a criar significado para a realidade. Mediante processos de narração, a criança desenvolve a sua competência reflexiva, toma consciência da experiência vivida, aprende a valorizar a sua ação e a ação de outros, os seus processos de realização e os processos de realização de outros (Oliveira- Formosinho & Andrade, 2011).

Oliveira-Formosinho e Formosinho (2013) referem que

“as narrativas das crianças sobre as experiências de aprendizagem tornam-nas reflexivas [...] Enquanto narram a aprendizagem, descobrem processos e realizações, e descobrem- se a si próprias e aos outros […] Descobrem a resiliência que advém da dignidade de aprender, perguntar, obter respostas.” (p. 54)

O tempo de reflexão surge na Pedagogia-em-Participação porque, encontrando sustentação em Dewey (1953), crê-se que não há uma faculdade única de pensar, antes modalidades diferentes através das quais aquilo que se observa, recorda, escuta ou lê provoca sugestões e ideias. Quando a criança pensa sobre a experiência vivida e a partilha com outros, narrando, o educador mais facilmente identifica as curiosidades da criança e, tendo por base esse conhecimento, estimula o pensamento da criança. Dewey (1953) entendeu a curiosidade enquanto a ânsia de adquirir novas e diversas experiências, algo que deve ser encorajado desde cedo na criança visto que tende a desaparecer ou a diminuir de intensidade.

O recreio é um tempo diário que assume igual relevância na Pedagogia-em-Participação. É um momento de brincadeira fora da sala, no exterior. Assume-se um tempo de correr, saltar, conversar com outros, um espaço de contacto com a natureza, um espaço de descoberta e

aprendizagem, tão importante como o espaço de interior (Oliveira-Formosinho & Andrade, 2011).

O momento (inter)cultural é, talvez, o tempo que de forma mais enfática abre portas para a cultura. Mediante as brincadeiras conjuntas e interações estabelecidas, emergem aprendizagens culturais diversas, nomeadamente, no âmbito do conto, da poesia, da música, da dança, da apreciação de objetos artísticos, no âmbito da arte (Oliveira-Formosinho & Andrade, 2011). Já Dewey (1953) referia que a educação devia proporcionar condições favoráveis para o contacto com a cultura. Entendia o autor que, deste modo, se educava o espírito.

Na perspetiva da Pedagogia-em-Participação entende-se que deve ser criado um tempo específico só para os aspetos culturais. Este tempo cultural pode levar à emergência de novas áreas na sala (enriquecidas com materiais que também vão ao encontro da diversidade cultural) mais próximas dos interesses e necessidades das crianças e próximas dos projetos que se procuram conhecer ou aprofundar (Oliveira-Formosinho & Andrade, 2011).

O momento de trabalho em pequenos grupos é um tempo de alargamento das experiências de aprendizagem e um tempo de sistematização. É um tempo de escutas múltiplas. Salienta-se, muito particularmente, o valor da escuta por parte do educador. No tempo-espaço pedagógico, o educador deve ter como intencionalidade a escuta de vários aspetos: a escuta da criança, da cultura e da sociedade e a escuta de si próprio enquanto profissional que “toma decisões para provocar a aprendizagem, criar desafios, abrir portas…” (Oliveira-Formosinho e Andrade, 2011, p. 92). Através da escuta e mediante a narração documentada da mesma, o educador autorregula as suas intencionalidades, “identifica as áreas curriculares onde necessita intervir para criar mais oportunidades de aprendizagem” (Oliveira-Formosinho e Andrade, 2011, p. 92), reorganiza o espaço e os materiais considerando aquilo que se procura conhecer e disponibiliza jogos que facilitam aprendizagens específicas.

Este é um tempo de respeito pelo ritmo individual de cada criança. A construção dos grupos, a própria dinâmica que cada grupo vai assumindo, acontece fruto de reflexões, planificações e negociação partilhadas que previamente são estabelecidas.

A organização dos grupos, porque supervisionada e mediatizada pelo educador (Oliveira- Formosinho, 2005, 2007, 2008), é intencional e, portanto, é sensível aos ritmos de cada criança e procura ritmar o seu processo intelectual.

O conselho é um tempo de reflexão e de metareflexão sobre o dia vivido e sobre as aprendizagens experienciadas. É um tempo em que se dialoga sobre o que se fez e/ou não se fez, sobre o que é preciso acabar no dia seguinte, sobre o que se sente, sobre o que se quer aprender juntos (Oliveira-Formosinho & Andrade, 2011).

No conselho podem ser trabalhados muitos aspetos do currículo. As autoras Oliveira- Formosinho e Andrade (2011) reportam-se, por exemplo, às aprendizagens que podem ocorrer durante a análise dos “quadros de gestão do quotidiano” (p. 94) (ex. quadro de presença e quadro do tempo), assim como, aos momentos que podem ser vividos em comunidade e que se vão fortalecendo aquando a participação de cada um no tempo-espaço, onde se refletem e se trocam impressões acerca do sentir e da experiência do fazer, ocorridas ao longo do dia.

Este é um momento, portanto, valioso e avaliativo, na medida em que nele se faz o balanço do que aconteceu, ou seja, reflete-se a ação em si e avalia-se se essa ação sustentou, de facto, a intencionalidade definida anteriormente ao momento da ação. Reflete-se o processo da experiência vivida, isto é, o fazer, o sentir, o pensar, que ocorreu no momento da experiência. Por outras palavras, as intencionalidades que emergiram durante o processo da experiência. É um tempo também de ocasião para o educador refletir a forma como planificou e os métodos que selecionou para que as crianças desfrutassem da experiência. Um momento essencial para conhecer melhor o grupo, os seus interesses e necessidades, assim como, para registar as falas e as tomadas de decisão que se fazem em comunidade. O educador tem oportunidade de identificar os desenvolvimentos e as conquistas que acontecem no grupo e em cada criança no que diz respeito à participação, iniciativa e reflexão na vida da comunidade. Referem Oliveira- Formosinho e Andrade (2011) que “expor as […] ideias, pensamentos, intenções e decisões, desoculta a realidade – dá voz à vida e projeta” (p. 95).

O momento do conselho é, ainda, um tempo propício para a consulta dos portefólios de aprendizagem que espelham muito daquilo que no tempo-espaço se faz. O seu uso é intencional na medida em que o portefólio é um instrumento de trabalho, um veículo, para se alcançarem diferentes objetivos. Por isso se considera que o portefólio não é um mero dossier ou repositório de trabalhos (Azevedo, 2009; Craveiro, 2007). Quando a criança se depara com este instrumento (que funciona como ativador de memória), tem a oportunidade de regular, refletir, avaliar a sua aprendizagem, a experiência vivida, assim como, de desenvolver o seu espírito crítico face àquilo que já viveu (intenções planeadas e experienciadas) e face àquilo que deseja viver (intenções planeadas para posteriormente serem concretizadas).

A rotina da Pedagogia-em-Participação é concluída com a hora de partida. Um tempo de transição entre dois espaços que ocupam lugar na vida da criança: o espaço escola e o espaço família. Transições bruscas e apressadas podem confundir a criança e conduzi-la a ansiedades e a desequilíbrios emocionais; estes podem ser evitados ao se procurar criar pontes de compreensão e de diálogo entre os profissionais e os elementos da família, que vêm a escola buscar a criança.

Compreender que não se pode fazer tudo ao mesmo tempo, assim como, entender que é preciso priorizar e aprender a renunciar umas coisas em virtude de outras são aprendizagens essenciais que devem ser feitas e que envolvem sensibilidade tanto por parte dos profissionais, como por parte da família. Sublinha-se que este tipo de dinâmica encoraja a participação de todas as crianças e contribui para o desenvolvimento da sua iniciativa, encoraja a definição de tarefas e a sua distribuição/responsabilização. Faz-se referência, portanto, a tempos diversos que importa respeitar visto que estão repletos de intencionalidades que sustentam um agir fundamentado e reflexivo (Oliveira-Formosinho & Formosinho, 2012).