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A psicologia do trabalho difere das restantes áreas da psicologia quanto ao seu objecto de pesquisa, mas não quanto aos métodos e teorias. Estes são-lhe essenciais para um conhecimento adequado do objecto trabalho. O período que medeia entre 1960 e 1975 testemunhou uma movimentação nos trabalhos realizados na área da psicologia diferencial, abandonando o objecto de estudo trabalho para se orientar no sentido do estudo de grupos humanos com idades e culturas diferentes. Entretanto, as pesquisas realizadas sobre a cognição em psicologia do trabalho levaram ao desenvolvimento da análise do trabalho. Como salienta Wisner (1995c, p. 105) "É a partir da análise do trabalho que as investigações sobre a aprendizagem foram desenvolvidas na perspectiva da formação e as investigações sobre a carga mental assumiram uma certa consistência no

sentido de uma modificação da situação de trabalho, isto é da ergonomia." Pelo que antecede, o autor considera que actualmente existe uma tendência para a unicidade da psicologia e a uma interpenetração da psicologia do trabalho com os mais diversos sectores da psicologia científica.

Wisner (1995c) considera que a psicologia experimental continua a desempenhar um papel central, no entanto tem tendência a desenvolver-se através de projectos em comum, cuja formação do modelo experimental a partir da análise do trabalho e a validação em situação real permitem situar a experimentação num contexto mais amplo. É assim que, por exemplo, os estudos sobre o envelhecimento não tratam apenas os indivíduos que chegaram à idade da reforma, mas se debruçam, também, sobre os trabalhadores em plena idade activa. As variáveis observadas referem-se às estratégias utilizadas para executar determinada tarefa, em função do nível de aprendizagem, da idade ou das condições materiais existentes. Tais estratégias são analisadas através da actividade motora, dos movimentos oculares, das variações de postura, etc.

Neste contexto, a Psicologia do Trabalho de tradição francófona tem desenvolvido trabalhos de investigação em diversos âmbitos, de entre os quais podemos destacar a análise do ambiente de trabalho, tendo em conta os aspectos biológicos, demográficos e antropológicos que o rodeiam, a análise das actividades de trabalho, a elaboração de soluções que ultrapassam o nível das recomendações e o aprofundamento e extensão dos critérios de sucesso das intervenções (Wisner, 1995b). Os domínios de investigação actualmente mais desenvolvidos são os seguintes:

1. domínio da subjectividade e intersubjectividade da dimensão psíquica e afectiva do trabalhador, sob a influência da psicopatologia do trabalho (Dejours, 1980 in Teiger, 1993), o que permitiu distinguir conceitos como

'carga de trabalho física', 'carga de trabalho cognitiva' e 'carga de trabalho psíquica' (Wisner, 1995b);

2. domínio de novas dimensões da actividade, nomeadamente a sua inscrição no tempo através da planificação da acção, dos ritmos circadianos e do envelhecimento (Teiger, 1987, Queinnec et ai, 1985, Laville et ai, 1975, Laville et ai, 1993 in Teiger, 1993), os seus componentes cognitivos (Hoc, 1991 in Teiger, 1993), o seu carácter previsível no sentido da concepção de dispositivos futuros, através de um relacionamento dos índices de inadaptação dos meios de trabalho com as dificuldades sentidas pelos operadores e suas consequências em termos de saúde e de produtividade (Daniellou, 1986 in Wisner, 1995b), a sua significação para os sujeitos (Pinsky e Theureau, 1983 in Wisner, 1995b), o seu carácter cooperativo (Savoyant, 1974, Falzon, 1992, Six e Vaxavanglou, 1993) e as suas implicações em termos de segurança e de saúde, inclusivamente no que se refere à mortalidade ligada às condições de trabalho (Dejours, 1980, Teiger, 1980, Wisner, 1993 in Wisner, 1995b); 3. domínio da linguagem no trabalho e sobre o trabalho, a questão das

verbalizações que implica um determinado grau de abstracção e de formalização da experiência, isto é, a capacidade de colocar em palavras os conhecimentos e as capacidades profissionais que o operador possui (Falzon, 1990, Cru, 1992, Teiger, 1993, Vermersch, 1992);

4. domínio da formação em análise ergonómica do trabalho (Teiger e Laville, 1991, Teiger, 1993), das potencialidades da formação em situações concretas de trabalho e até do conceito de organização qualificante (Ginsbourger et ai., 1992);

5. domínio das abordagens epidemiológicas, através do estudo das condições de trabalho, dos conteúdos do trabalho, das possíveis consequências patológicas ou de intolerância do trabalho (Volkoff, 1985 in Wisner, 1995b, De Key ser e Hansez, 1996).

Face ao que antecede, admitimos que a Psicologia do Trabalho recorre a uma multiplicidade de metodologias, contudo isso não implica que haja metodologias privilegiadas. A escolha do método a utilizar em determinada pesquisa depende do problema que é colocado, do tempo e dos meios disponíveis. Isto é, devemos adaptar a metodologia ao problema e não o problema à metodologia (Wisner, 1995b). Assim a metodologia utilizada varia de autor para autor em função das circunstâncias da intervenção, pois cada investigação/intervenção é singular.

Não obstante tal singularidade, diversos autores elaboraram esquemas gerais da démarche em Psicologia do Trabalho. Aqui irei fazer referência à estratégia de investigação proposta por J. Curie e J.-M. Cellier (1987).

Segundo os autores referidos, a investigação em Psicologia do Trabalho é aplicada, o que significa que o seu objectivo prioritário é a procura de explicações para determinada conduta do ser humano-trabalhador, e não a procura de soluções. Deste modo, há três questões centrais a colocar quando se pretende desenvolver um projecto de investigação, são elas: a construção do objecto da pesquisa, a definição do paradigma científico e a utilização desse paradigma.

No que se refere à metodologia ou estratégia de construção do objecto de pesquisa, há que reflectir a multiplicidade de objectivos e de critérios de escolha, sobretudo porque a investigação em psicologia do trabalho consiste em explicar a conexão existente entre os fenómenos. Convém, por isso, reflectir o interesse por determinado fenómeno, os objectivos a alcançar a curto e médio prazo e as condições ou meios existentes para os obter. Consequentemente, há que fazer escolhas e elaborar compromissos relativamente aos constrangimentos que se apresentam, nomeadamente em termos de custos e de tempo, por isso é necessário reflectir sobre onde se

situa o compromisso mais satisfatório e quem define o valor desse compromisso.

Para desenvolver uma investigação/intervenção em psicologia do trabalho, são precisos meios que não estão imediatamente disponíveis, nem são oferecidos ao investigador. O acesso ao terreno depende da vontade de um conjunto de pessoas, bem como o acesso a documentação portadora de informação pertinente que poderá ou não ser disponibilizada e, sobretudo a necessidade de observar os sujeitos no seu contexto de trabalho. Assim, a escolha que traduz uma pesquisa corresponde não apenas a um decisor, mas ao produto de um sistema decisional composto por subsistemas que negoceiam entre si sobre os objectivos e os meios, conclui-se, pois, que a pesquisa é antecedida por um processo de negociação (Curie e Cellier, 1987, p. 121).

O ajustamento deste sistema decisional é fundamental para que o investigador obtenha uma boa negociação, ou seja, precaver-se de alterações no acesso aos meios. A negociação assenta nos meios e nos objectivos da pesquisa. A partir daqui, compreendemos que o objecto e objectivo da pesquisa não são independentes dos meios para a realizar. Objectivos e meios formam uma estrutura tal, que a modificação de um dos termos tem consequências nos restantes. Esta estrutura meios-fins não é definitiva, ela pode sofrer alterações em virtude do desenvolvimento dos conhecimentos, dos resultados da pesquisa, das motivações do investigador e do dinamismo inerente ao próprio contexto.

Quanto à construção do objecto, é preciso reter que o projecto de pesquisa não pode ser apenas interessante, tem que ser também exequível, ou seja, tem que ser operacionalizável.

As exigências para a construção de um objecto de investigação podem ser ilustradas pela metáfora da pirâmide.

Esquema 1- Metáfora da Pirâmide

Adaptado de Curie e Cellier (1987, p. 123)

Problemática

Conjuntura Hipólese\ ,- i ,. \ Especulativo

Situação Empírico Método

Na pirâmide, vista de cima, figura: o objecto de investigação no cume; na base e em cada um dos vértices, a situação, a problemática e o método de investigação. A situação em psicologia do trabalho pode ser descrita como um sistema tarefa-sujeito (Leplat e Hoc, 1983 in Curie e Cellier, 1987), onde o investigador analisa o seu funcionamento. A problemática é um sistema organizado de questões sobre esse funcionamento. Por fim, o método é um conjunto coordenado de técnicas, isto é, procedimentos estandardizados e transmissíveis de construção e de tratamento das observações.

Esta metáfora "pedagógica", segundo Curie e Cellier (1987), permite ilustrar que o objecto de pesquisa não é dado, mas sim construído, na medida em que não é a situação empírica, mas o ponto de vista que se tem dela que cria o objecto - não há problema sem problemática.

No que diz respeito ao processo de construção do objecto, a metáfora da pirâmide ilustra-o igualmente num triplo sentido:

1. a pirâmide não pode ter valor se lhe faltar uma das faces, já que a pesquisa sem problemática será puramente "empírica", sem o apoio de uma situação concreta será "especulativa" e sem método, produz apenas "conjecturas";

2. não é possível construir uma das faces da pirâmide sem o apoio das restantes. As diferentes faces devem ser construídas em simultâneo para que, a problemática, o problema e as técnicas se fundamentem reciprocamente;

3. a pirâmide tem por propriedade um cume mais reduzido que a base. O objecto da pesquisa é pontiagudo, ou melhor, afunilado. A sua construção consiste num jogo de perguntas e respostas sucessivas, cada vez mais delimitadas e precisas.

Esquema 2 - Processo de construção da prática científica Adaptado de Curie e Cellier (1987, p. 124)

Meio Problemática

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A estratégia de investigação em psicologia do trabalho apresentada e defendida por Curie e Cellier (1987), é apenas uma de entre muitas outras abordagens propostas por diferentes psicólogos do trabalho, ergónomos, sociólogos, etc. No contexto do estudo que aqui apresento, optei por privilegiar esta estratégia em virtude da natureza do próprio estudo, assim como dos meios e objectivos a alcançar.

Na opinião de De Keyser, Beauchesne-Florival e Notte (1982), a investigação em Psicologia do Trabalho pode seguir uma de duas vias: a primeira via consiste na aplicação de instrumentos de análise já utilizados, técnicas avaliadas em populações semelhantes, contudo em contextos diferentes, pelo que a sua aplicação se vai moldando e adaptando às condições com que se confronta; a segunda via corresponde à análise das situações de trabalho no terreno com a finalidade de, em conjunto com os trabalhadores, encontrar soluções que permitam uma melhoria das condições de trabalho, em termos de segurança e saúde, sem pôr em causa a eficiência e a produtividade das empresas.

O estudo realizado e que agora apresento, teve como quadro metodológico base a primeira via de investigação em Psicologia do Trabalho segundo De Keyser, Beauchesne-Florival e Notte (1982), e que será desenvolvida nos capítulos 3 e 4.

Capítulo 2

O STRESS