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Controle da aplicação e do conteúdo da lei: princípio da inafastabilidade da

2. L EGALIDADE T RIBUTÁRIA : O PAPEL DA MANIFESTAÇÃO DE VONTADE DO SUJEITO

2.5. Controle da aplicação e do conteúdo da lei: princípio da inafastabilidade da

Em matéria tributária, não se exige somente que os tributos sejam criados por lei, mas também que haja mecanismos de controle da legalidade da tributação. O contribuinte

                                                                                                                         

157 DÓRIA, Antônio Roberto Sampaio. Da lei tributária no tempo. São Paulo: sem editora, 1968. p. 268. 158 SCHOUERI, Luís Eduardo. “Fato Gerador da Obrigação Tributária”. p. 139; JARACH, Dino. O fato imponível. 2. ed. Tradução Dejalma de Campos. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004. p. 143-144.

tem, portanto, o direito de recorrer ao Poder Judiciário para questionar, de um lado, se a Administração Pública está ou não agindo em conformidade com a lei e, de outro, se a própria lei que lhe está sendo aplicada é ou não constitucional.

É o que defende ROQUE CARRAZZA, para quem de nada adiantaria o nosso ordenamento jurídico garantir que o contribuinte só seja compelido a pagar os tributos com respaldo em lei, se não fosse permitido submeter ao Judiciário a questão de saber se a tributação está sendo levada a efeito de acordo com esta mesma lei, e mais, se ela é ou não constitucional.159

Nesse sentido, a Constituição garante que lesões ou ameaças a direito serão submetidas à apreciação do Poder Judiciário. Esta garantia não poderá ser excluída nem mesmo por lei (art. 5°, inciso XXXV).160 Assim, há um direito à tutela judicial efetiva como instrumento posto à disposição das pessoas para defender seus bens e direitos. A primeira garantia que decorre – lógica e cronologicamente – desse direito é a de acesso à jurisdição, que se concretiza na prerrogativa de ser parte em um processo e de promover a atividade jurisdicional a fim de obter uma decisão sobre as pretensões formuladas. Em seguida, o particular tem direito, por exemplo, a um juiz imparcial e a um processo de duração razoável.161

Ao lado desse acesso ao Poder Judiciário, em geral, o Estado de Direito determina, ainda, o controle de constitucionalidade das leis, para garantir a supremacia da Constituição e dos direitos por ela protegidos. Nesse sentido, JACQUES CHEVALLIER afirma ser o controle de constitucionalidade das leis condição essencial do Estado de Direito, porque, na sua ausência, a Constituição não tem mais do que um caráter simbólico.162

Por isso, a Constituição atribui a função de guarda do texto constitucional ao Supremo Tribunal Federal (art. 102, inciso I, alínea “a”). Além dessa forma de controle de constitucionalidade abstrato, também é prevista uma forma de controle concreto, por meio

                                                                                                                         

159 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário. p. 257-259.

160 É o texto do dispositivo: “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. 161 SENDRA, Vicente Gimeno; MORAL, Antonio Torres del; ALLARD, Pablo Morenilla; MARTÍNEZ,

Manuel Díaz. Los derechos fundamentales y su protección jurisdiccional. Madrid: Editoral COLEX, 2007. p. 601-605.

da qual se permite que os demais órgãos do Poder Judiciário afastem a aplicação de lei reputada como incompatível com a ordem constitucional. As formas de controle de constitucionalidade serão analisadas, com mais detalhes, no próximo capítulo.163

O que se quer afirmar é que não basta a existência de lei para que os direitos do sujeito passivo sejam efetivamente protegidos. Em primeiro lugar, é necessário que essa lei seja válida em face da Constituição. Em segundo lugar, é necessário que essa lei seja adequadamente aplicada pela Administração Pública. Em terceiro lugar, é necessário que o particular possa recorrer ao Poder Judiciário sempre que entender que as duas primeiras exigências – ligadas à validade e à correta a aplicação da lei – não foram atendidas.

Nesse contexto, o princípio da legalidade vincula-se fortemente ao princípio da inafastabilidade da jurisdição. Isso porque o respeito à lei tem o significado de proteger o cidadão contra agressões indevidas à sua esfera jurídica. Essa garantia é efetivada na medida em que aquele que tenha sido lesado por atos do Poder Público tenha a possibilidade de impugná-los.164 Conforme lição de SOUTO MAIOR BORGES, se a lei ultrapassar os limites constitucionais da competência tributária, esse vício de validade será diretamente apurável pelo Poder Judiciário. Por isso, a lei não pode excluir da apreciação do Poder Judiciário nenhuma ameaça ou violação a direito individual, já que essa apreciação “é uma fonte de responsabilização estatal por ilicitude de ato legislativo, ou seja, sua contrariedade aos parâmetros constitucionais”.165

Essa questão será novamente debatida – e então aprofundada – quando se tratar da possibilidade de as leis que instituem os parcelamentos tributários preverem cláusulas de desistência da ação judicial e de renúncia ao direito em que se funda tal ação como condições de ingresso no programa. O importante, neste momento, é deixar claro que “o Estado se submete à lei porque se submete à jurisdição”, como bem apontou CARLOS ARI SUNDFELD. O autor chega a essa conclusão a partir do raciocínio de que se o Estado deve

                                                                                                                          163 Ver ponto 3.2.2.1.

164 No original: “Il rispetto della legge, infatti, non può avere alcun altro significato, se non quello di

garantire il cittadino da indebite aggressioni nella sua sfera giuridica; questa garanzia si attua, dando a chi sia leso da atti dell’autorità, la possibilità di impugnarli e di impugnarli a causa di uma violazione di legge” (SATTA, Filippo. Introduzione ad un corso di diritto amministrativo. Padova: CEDAM, 1980. p. 48).

165 BORGES, José Souto Maior. “Relações entre Tributos e Direitos Fundamentais”. In: FISCHER, Octavio

Campos (coord.). Tributos e Direitos Fundamentais. São Paulo: Dialética, 2004. p. 217-226 (especialmente p. 224).

se submeter às normas jurídicas e se o descumprimento delas é sancionado (punido) pelo próprio Estado, a forma de evitar que ele escape à sanção é o Judiciário. Esse órgão – independente, e, por isso, imparcial – “é quem, dentro do Estado, incumbe-se de velar pelo respeito dos demais Poderes à ordem jurídica, negando efeito às leis inconstitucionais e anulando atos administrativos ilegais”.166

Todas as considerações feitas anteriormente permitem formular algumas conclusões: (i) a imposição tributária decorre necessariamente de lei, por mandamento constitucional; (ii) é inaceitável que a instituição da obrigação tributária se dê por manifestação de vontade do sujeito passivo, ainda que em acordo consensual com a Administração Tributária, já que a legalidade, além do conteúdo inicial de autoimposição, garante também a promoção do princípio democrático, da igualdade e da segurança jurídica; (iii) é preciso que o tributo seja instituído por lei constitucional, aplicada legalmente pela Administração Pública e controlável por meio do Poder Judiciário.

Essas conclusões serão pertinentes no terceiro capítulo, quando se defender que a confissão do débito tributário, exigida do sujeito passivo para o ingresso nos programas de parcelamento, não é apta nem a criar a obrigação tributária, nem a suprir eventual falta de relação existente entre a situação fática ocorrida e o fato abstratamente previsto em lei. Também serão relevantes, no capítulo quarto, quando se investigar a compatibilidade das cláusulas de desistência da ação judicial e de renúncia ao direito em que ela se funda com o princípio da inafastabilidade da jurisdição.

                                                                                                                         

3.

P

ARCELAMENTO TRIBUTÁRIO E EFEITOS DA CONFISSÃO IRREVOGÁVEL E IRRETRATÁVEL DO DÉBITO PARCELADO

O regime legal vigente prevê que o ingresso no programa de parcelamento importa em confissão irrevogável e irretratável dos débitos parcelados. De acordo com a legislação, essa manifestação configura confissão extrajudicial nos termos dos arts. 348, 353 e 354 do Código de Processo Civil.

Uma das questões a que se propõe este trabalho é investigar se essa confissão caracteriza manifestação de vontade do contribuinte apta a gerar efeitos tributários e, se isso for permitido, identificar quais são eles e qual a sua extensão. Outro ponto de investigação essencial diz respeito ao alcance da previsão de irrevogabilidade e irretratabilidade dessa confissão.

O estudo analisará essas questões a partir de quatro exemplos:

1) Diante da utilização por um particular de um bem de outrem e de um único pagamento, o Fisco reconhece a existência de uma operação de compra e venda, cuja despesa é indedutível do imposto de renda. Em seguida, o contribuinte insere o débito tributário decorrente da glosa dessa despesa em programa de parcelamento, mas diverge da Fiscalização quanto ao enquadramento jurídico desse fato. Para ele, juridicamente, essa operação configura um contrato de

leasing com opção de compra e pagamento adiantado do Valor Residual

Garantido, e a despesa é dedutível do imposto de renda.

2) Após a confissão, a lei instituidora do tributo cujo débito foi parcelado é declarada inconstitucional.

3) O contribuinte constata que o advento da prescrição tributária em relação ao débito parcelado se deu em momento anterior ao da confissão.

4) O contribuinte – sociedade de advogados – parcela o débito decorrente do imposto sobre serviços sobre o número de profissionais habilitados que prestam serviço em nome da sociedade (art. 9°, §3°, do Decreto-Lei nº 406/68). No entanto, inclui erroneamente os estagiários como indivíduos habilitados ao exercício da atividade profissional, o que acarreta a majoração da base de cálculo do ISS.

Antes de analisar cada um desses exemplos, são necessárias algumas considerações acerca do instituto da confissão.