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Controle do processo de formação da classe trabalhadora

ENSINO MÉDIO PÚBLICO: CATEGORIAS E MARCO DE REFERÊNCIA TEÓRICO-CONTEXTUAL

1.8. Controle do processo de formação da classe trabalhadora

No contexto da atual reestruturação produtiva do sistema capitalista e, visando à ampliação das formas e mecanismos de criação de novos valores, os capitalistas buscam se apropriar cada vez mais da dimensão intelectual/cognitiva do trabalhador, aumentando, inclusive, os modos de controle e de subordinação dos sujeitos, segundo os interesses essenciais do capital. Assim, como já explicitado, no mundo contemporâneo ocorre a “expansão do trabalho dotado de maior dimensão intelectual, quer nas atividades industriais mais informatizadas quer nas esferas compreendidas pelo setor de serviços ou nas comunicações, entre tantas outras” (ANTUNES, 2001, p. 125).

É, pois, permanecer no plano da aparência acreditar que o trabalhador tem melhor salário apenas porque ele tem mais de oito (8) anos de estudo. Segundo dados da Relação Anual de Informações Sociais – RAIS de 2009, enquanto o salário médio mensal era de R$ 1.045,50 para trabalhadores com Ensino Fundamental completo, para aqueles que tinham Ensino Médio completo o salário era de R$ 1.264,05, com uma

67 diferença de R$ 218,55 (MTE, 2009, p. 13). Sabe-se, entretanto, que com o aumento do nível de escolaridade há também elevação da produção de mais valia relativa, pois o trabalhador passa a produzir bem mais. Ele passa a ter mais conhecimentos, o que lhe proporciona maiores condições para aumentar a produtividade do trabalho, enquanto o seu salário não cresce na mesma proporção. O aumento da produtividade do trabalhador é exploração real, enquanto o aumento do salário proporcional ao lucro produzido é mera aparência, retórica.

Com o objetivo de ampliar o processo de acumulação, os capitalistas intensificam e sofisticam o controle da subjetividade do trabalhador. Isto significa dizer que, do ponto de vista do capital, estão esgotadas as possibilidades de aprofundar a extração da mais-valia tendo como base somente o esforço muscular da força de trabalho. Nesta linha interpretativa, poder-se afirmar que quanto maior for o componente intelectual da atividade dos trabalhadores e, quanto mais se desenvolve intelectualmente a força de trabalho, maiores serão as possibilidades de acumular mais- valia. Acrescenta-se que,

a principal mutação no interior do processo de produção de capital na fábrica toyotizada e flexível não se encontra, portanto, na conversão da ciência em principal força produtiva que substitui e elimina o trabalho no processo de criação de valores, mas sim, ma interação crescente entre trabalho e ciência, trabalho material e imaterial, elementos fundamentais no mundo produtivo (industrial e de serviços) contemporâneo (ANTUNES, 2001, p. 124).

Diante do exposto, defende-se, em concordância com os trabalhos de Antunes (1995; 2001, 2004, 2006), Frigotto (1995) e Bruno (1996) que, o progresso científico- tecnológico no capitalismo contemporâneo, de maneira alguma resulta na finitude da teoria do valor trabalho. A realidade indica que a acumulação capitalista se intensifica por meio da utilização de mecanismos cada vez mais sofisticados de apropriação do saber complexo dos trabalhadores, ou seja, das forças produtivas gerais do cérebro social, a mais-valia relativa, que só é possível com patamares cada vez maiores de educação.

A complexificação do saber do trabalhador, decorrente do aprofundamento do conhecimento técnico-científico, ocupa lugar fundamental na dinâmica atual da produção capitalista. Assim, o trabalho diretamente produtivo permanece ainda como elemento fundante na produção de valor de troca, com a diferença de que ele depende cada vez mais de conhecimentos complexos dos trabalhadores. As máquinas robotizadas e os dispositivos mecânicos automáticos de refinada tecnologia são

68 absorvidos pelo capital, na forma de capital fixo (trabalho morto), transformando-se, no processo de produção capitalista, em instrumento de realização e de apropriação da mais-valia relativa, ao regular e moldar o espaço, o ritmo e a habilidade do trabalho produtivo necessário e realizado pelo trabalho vivo.

Compartilhando o pensamento de Marx, é válido lembrar que o capital, quando se apropria da força de trabalho, toma para si não apenas a capacidade útil de trabalho, mas também o saber presente no trabalhador como parte do saber social produzido no âmbito da sociedade. Do ponto de vista dos capitalistas, é fundamental, portanto, a apropriação da dimensão intelectual, das capacidades cognitivas dos trabalhadores (ANTUNES, 2001), visto que nesta perspectiva, o trabalhador, mais intelectualizado, aumenta significativamente a sua produtividade, produz novos valores por meio da mais-valia relativa e, consequentemente, amplia significativamente a margem de lucro do capitalista. Isso porque o salário não aumenta na mesma proporção que a mais valia. A esse respeito, é importante elucidar que,

[...] na mais-valia relativa o aumento do tempo do sobretrabalho se dá pela passagem do trabalho simples ao trabalho complexo, o qual equivale a um

múltiplo do trabalho simples executado durante idêntico período ,18

constituindo, portanto, um acréscimo do tempo de trabalho despendido, ou seja, de valor produzido (BRUNO, 1996, p. 106).

Da parte do trabalhador, além dessas implicações, emergem outras como o aumento da precarização da força de trabalho, o desemprego e, consequentemente, a intensificação do processo de estranhamento do trabalho, juntamente com ampliação das formas modernas de reificação, impedindo que o trabalhador tenha uma vida dotada de sentido (ANTUNES, 2001, p. 131-133). Deste modo, o aumento da exploração da mais-valia relativa do trabalhador brasileiro, que tem cerca de sete anos e meio (7,2) de média de escolaridade, provoca a redução do valor da força de trabalho.

Acrescenta-se que os trabalhadores qualificados desqualificam os menos qualificados, que acabam desempregados. Essa situação é acirrada com o desemprego estrutural provocado pelo avanço tecnológico, marcado pelo aperfeiçoamento das máquinas e também pela ampliação do sistema informacional. Destarte, com a desqualificação profissional e o aumento do desemprego, os trabalhadores se vêem obrigados a trabalhar por salários inferiores ao valor de sua própria força de trabalho. A ampliação incessante da exploração da mais-valia relativa, produzida pelos trabalhadores, não significa que os capitalistas abandonem a forma de exploração pela

69 mais-valia absoluta. Ao contrário, o que se busca é a “[...] articulação dos mecanismos de mais-valia absoluta com os mecanismos de mais-valia relativa [...]” (BRUNO, 1996, p. 110).

Sabe-se que, por estar situado entre as economias em desenvolvimento, o Brasil apresenta vários níveis de industrialização. Embora o “deslocamento do foco da exploração do componente manual para o componente intelectual do trabalho” (BRUNO, 1996, p. 95) seja mais evidente no toyotismo, nos sistemas que combinam características do fordismo e do toyotismo os capitalistas afirmam ser necessário que os trabalhadores tenham Ensino Médio, no mínimo. Tal exigência ocorre porque os empresários observam que os trabalhadores com capacidades de pensar, resolver situações inesperadas, decifrar códigos, manipular e articular diferentes tecnologias informacionais, podem, no contexto da produção, multiplicar os valores de troca com decréscimo do tempo de trabalho necessário.

A reconfiguração em termos de conhecimentos complexos necessários ao trabalho no mundo capitalista, segundo as novas demandas do sistema produtivo, é de tal ordem que o Ensino Superior passou a ser considerado como o patamar inicial de profissionalização. A realidade brasileira, todavia, indica que as exigências em termos de qualificação da força de trabalho transitam na intermitência entre o Ensino Médio e o Ensino Superior. Ainda que os capitalistas desconheçam do ponto de vista teórico o conceito marxista de mais-valia relativa, na prática, porém, a exigência de Ensino Médio como patamar de escolarização fundamenta-se na clara percepção da ampliação das capacidades produtivas (aumento da produtividade) dos trabalhadores em contextos de produção cada vez mais dinâmicos e complexos.

Verificando-se nos Sites Manager e Catho19 quais são as principais exigências dos empresários em ofertas de empregos para, por exemplo, algumas funções como assistentes financeiros, vendedores internos e recepcionistas, constata-se que para o preenchimento de tais vagas

exige-se profissional com Ensino Médio completo, com experiência na função e competências como flexibilidade, empreendedorismo, criatividade e poder de inovação. Que o candidato tenha boa linguagem oral e escrita, ótima noção de matemática e agilidade em cálculo. Que ele saiba fazer planejamento da rotina de trabalho, tenha conhecimentos de informática e domínio de Windows, principalmente pacotes do Office, planilhas de Excel e Internet. Espera-se também que a pessoa seja comunicativa, dinâmica e pró-

19 Empresas que vendem, via web (World Wide Web - Rede de Alcance Mundial), serviços de

70

ativa. A pontualidade, a agilidade e a organização completam o perfil 20

(CATHO, 2009; MANAGER, 2009).

Uma questão importante a partir dessas exigências é, em momento oportuno, verificar em que medida tais qualificações e conhecimentos podem ser encontrados em trabalhadores que concluem estudos até o Ensino Médio. Esta situação é ainda mais preocupante quando, muitas vezes, capitalistas requerem Ensino Médio para trabalhadores que executam trabalhos simplificados e/ou atividades braçais sem muita complexidade intelectual.

Diante de investimentos elevados em tecnologias sofisticadas e de aumento das demandas de competitividade entre as empresas, os capitalistas exigem trabalhadores potencialmente capazes de intervir critica e criativamente nos seus contextos de trabalho, com vistas a reduzir o retrabalho, os desperdícios, o tempo de trabalho e, consequentemente, assegurar índices cada vez maiores de produtividade. Isso equivale dizer que tais trabalhadores poderão ter maiores condições de produzir múltiplos de trabalho excedente, mais-valia relativa. O objetivo desse processo é, pois, criar condições necessárias para que os capitalistas continuem a sorrir. Difícil esperar, contudo, pelo sorriso dos trabalhadores brasileiros com escolarização até o Ensino Médio, já que, subsumidos pelo capital, são explorados sob circunstâncias históricas e econômicas determinadas.

20 Texto com adaptação livre, segundo consultas de ofertas on line de empregos nos referidos sites

71 Capítulo 2

ENSINO MÉDIO PÚBLICO BRASILEIRO: POLÍTICAS PÚBLICAS