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ENSINO MÉDIO PÚBLICO: CATEGORIAS E MARCO DE REFERÊNCIA TEÓRICO-CONTEXTUAL

1.4. Trabalho como mercadoria

Ao longo da história, o trabalho como categoria fundante na produção social, assume contornos e características diferentes de acordo como os homens se organizam para produzir sua subsistência. A respeito desta questão, Marx e Engels (1965, p. 15) reconhecem que “o modo pelo qual os homens produzem seus meios de existência depende principalmente da natureza de tais meios, já existentes, e cuja reprodução se faz necessária”.

As especificidades adquiridas pela categoria trabalho no capitalismo são determinadas pelas suas relações materiais e históricas. As relações sociais capitalistas fazem com que os homens produzam os bens materiais, mas não se realizem como seres humanos em suas atividades. A produção, por meio do trabalho, dos bens necessários à sobrevivência, é condição fundamental para que o ser humano produza e se reproduza. Segundo Marx e Engels (1965, p. 15),

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o modo pelo qual as pessoas manifestam sua vida reflete muito exatamente o que elas são. Tal modo coincide, portanto, com sua produção, tanto com o

que produzem como com o modo pela qual produzem. O que as pessoas são

depende, portanto, das condições materiais de sua produção.

No capitalismo o trabalhador encontra-se aprisionado e alienado, pois “o modo de produção da vida material condiciona o processo de vida social, política e

intelectual” (Idem, p. 103). Para se compreender tal contradição, é preciso considerar, em princípio, que na sociedade capitalista o caráter do trabalho exterioriza-se sob a forma da mercadoria, ou seja, deixa de ter apenas o valor de uso para ter também o valor de troca. Assim,

o trabalhador trabalha sob o controle do capitalista, a quem pertence seu trabalho. O capitalista cuida em que o trabalho se realize de maneira apropriada e em que se apliquem adequadamente os meios de produção, não se desperdiçando matérias-primas e poupando-se o instrumental de trabalho, de modo que só se gaste deles o que for imprescindível à execução do trabalho.

Além disso, o produto é propriedade do capitalista, não do produtor imediato, o trabalhador. [...] Ao comprador pertence o uso da mercadoria, e o possuidor da força de trabalho apenas cede realmente o valor de uso que vendeu, ao ceder seu trabalho. [...] O capitalista compra a força de trabalho e incorpora o trabalho, fermento vivo, aos elementos mortos constitutivos do produto, os quais também lhe pertencem. Do seu ponto de vista, o processo de trabalho é apenas o consumo da mercadoria que comprou a força de trabalho, que só pode consumir adicionando-lhe meios de produção. O processo de trabalho é um processo que ocorre entre coisas que o capitalista comprou, entre coisas que lhe pertence (MARX, 2006, p. 219).

Por isso, a análise da mercadoria dentro do sistema capitalista permite determinar o caráter do trabalho. Possibilita também compreender a especificidade da mercadoria dentro do sistema e, principalmente, a que se deve seu valor.

Para os capitalistas, a força de trabalho constitui parte dos investimentos que eles compram no mercado para colocar em funcionamento os sistemas de produção e de consumo. Deste modo, a força de trabalho é organizada e explorada segundo as necessidades dos capitalistas no processo de produção de mercadorias, com o objetivo de obter lucros e criar novos e mais valores.

Sendo o exercício do trabalho em qualquer regime econômico sucedido ao longo da História um dispêndio físico de energia, no capitalismo a força de trabalho humana tem a particularidade de ser fonte de valor. Nestas condições, o valor de um produto é, portanto, uma função social e não função natural adquirida por representar um valor de uso ou trabalho nos sentidos fisiológico ou técnico material. Afirmar que

52 no sistema capitalista o trabalho assalariado é uma mercadoria, significa dizer que ele deixa de ter apenas valor de uso e também passa a ter valor de troca. Por isso, afirma Marx (2006, p. 63), “quem, com seu produto, satisfaz a própria necessidade gera valor de uso, mas não mercadoria. Para criar mercadoria, é mister não só produzir valor de uso, mas produzi-lo para outros, dar origem a valor de uso social”.

O estranhamento do trabalhador assalariado resulta do fato de que, ao vender a sua força de trabalho ao capitalista, não detém o controle do processo produtivo, produz mais-valia e aliena-se do produto do seu trabalho. Assim, como mercadoria, o trabalho assalariado é fetichizado11 e o trabalhador deixa de reconhecer a si mesmo pelo trabalho (fetiche da mercadoria). Enguita (1993, p. 44), comenta essa questão da seguinte maneira:

O reverso da coisificação das relações sociais é constituído pelo fato de as coisas aparecerem perante os indivíduos como sujeitos com qualidades sociais. Isto é fetichismo. A isto chamo, diz Marx, ‘o fetichismo que adere aos produtos do trabalho tão logo são produzidos como mercadorias e que é inseparável da produção mercantil’12.

Em sua análise do trabalho como mercadoria, Marx permite a visualização de um fator fundamental do capitalismo: a descaracterização do produto (mercadoria) como fruto do trabalho humano. O fetiche da mercadoria faz com que não se conheça quem a produz, apenas o que é produzido. Quer dizer, na opacidade do objeto, o valor da mercadoria supostamente estaria em si mesmo e não transcenderia a isto. O trabalho despendido desta forma torna-se valor agregado, passando ao aspecto de venda da força de trabalho, sem a interligação do trabalhador e o produto, existindo neste meio, o proprietário dos meios de produção. Entretanto, para Marx, um dos determinantes do valor da mercadoria é exatamente o trabalho despendido em sua fabricação. Destarte, o trabalho fetichizado não possui a característica de ser reconhecido na compra da mercadoria.

O trabalho, consequentemente, torna-se uma mercadoria a partir do momento que o trabalhador a vende como única fonte de sua sobrevivência, a sua força de

11 Na teoria marxista a mercadoria é tomada com base no fetiche, algo considerado com poderes

misteriosos e inexplicáveis. Na economia mercantil as relações sociais de produção assumem a forma e se expressam como coisas. O fetiche reside na ilusão da consciência humana que oculta as relações de produção entre as pessoas no processo de produção de mercadorias. Nesse movimento contraditório a ideologia tem por objetivo fazer com que se acredite que a ordem natural das coisas é o real fetichizado. Ao impor que as relações sociais são fixadas pelas coisas, a ideologia identifica-se com as determinações econômicas vigentes. No caso da economia mercantil, as condições materiais são determinadas pelo capital.

53 trabalho. O trabalhador assalariado, então, produz bens que não lhe pertence (mercadorias) e cujo destino escapa ao seu controle. Dessa forma, o trabalhador não se reconhece no produto de seu trabalho, ou seja, não há a percepção daquilo que ele criou como fruto de suas capacidades físicas e mentais. A mercadoria se apresenta diante do trabalhador como algo estranho e não como o resultado normal de sua atividade, promovendo-se assim, o processo denominado por Marx (2006, p. 414), de separação entre “o caracol e a sua concha”.

A separação do trabalhador de seus meios de produção para a conversão em capital é ocultada das relações sociais, pois se apresentam aos homens em sua forma subvertida e condicionada por determinações históricas concretas. Assim, o capital se realiza por meio das relações coisificadas entre os homens e principalmente da exploração da mais valia pelo capital, pressuposto fundamental das relações sociais capitalistas de produção, como se discute no próximo item.