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CONTROLO DE SINTOMAS EM CUIDADOS PALIATIVOS

A base médica dos cuidados paliativos é o controlo de sintomas. Salienta-se que a qualidade de vida está diretamente dependente de um bom controlo de sintomas.

Segundo MacDonald cit. por Neto (2010), o inadequado controlo de sintomas ao longo do processo de doença, além de criar/alimentar sofrimento, pode ter um efeito adverso na progressão da doença, reforçando que se este for adequado, pode favorecer-se a qualidade de vida e a quantidade da mesma. Assim, os conhecimentos e a experiência da equipa quanto ao reconhecimento e ao controlo dos sintomas são exigências fundamentais dos CP.

O controlo de sintomas passa por reconhecer, avaliar e tratar adequadamente os diversos sintomas que podem surgir e ter repercussões sobre o bem-estar da pessoa. Deve ter-se em conta que qualquer que seja o sintoma, este corresponde sempre a um conceito multidimensional. Na génese de cada um, estão presentes três fases que condicionam a forma como estes se apresentam no final:

1ªfase – A produção do sintoma – muito semelhante entre os indivíduos, correspondendo aos aspetos somáticos do processo de doença, como a estimulação de recetores;

2ªfase – Perceção – que diz respeito aos aspetos de modulação, sendo por isso uma fase em que existe maior variabilidade entre os indivíduos, por exemplo na resposta aos fármacos;

3ªfase – Expressão – é subjetiva e individual, dependendo dos diversos fatores inerentes ao processo patológico. (Neto, 2010)

No cuidar de pessoas com doença crónica e avançada, o controlo sintomático pode tornar-se uma tarefa difícil de executar, uma vez que raramente a pessoa vivencia um único sintoma. Surgem quadros de sintomas múltiplos que tornam a avaliação mais difícil e podem complicar o processo de decisão terapêutica, pelas interações medicamentosas que possam existir. Para além disto, é necessário reconhecer que já é árduo tratar cada sintoma, pois um único sintoma pode ter origem em mais que um fator.

Face ao acima descrito é importante realçar a complexidade inerente à tarefa da avaliação e controlo sintomático. Segundo Neto (2010), o rigor e qualidade da atuação nesta área traduz-se de forma evidente no nível de bem-estar da pessoa.

Os princípios gerais do controlo de sintomas são:

 Avaliar antes de tratar – determinando a(s) causa(s) do(s) sintoma(s) e qual o mecanismo fisiopatológico que está na origem e, para além disso, avaliar o

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impacto do sintoma nas diferentes dimensões, sua intensidade e seus condicionantes;

 Explicar as causas dos sintomas – para que a pessoa doente e família o(s) entenda(m) e compreendam as medidas terapêuticas a instituir; não esperar que a pessoa se queixe – perguntar e observar, antecipando-se ao aparecimento do(s) sintoma(s) previsíveis em determinados contextos clínicos (é a base da necessidade de deixar sempre terapêutica prescrita em SOS);

 Adotar uma estratégia terapêutica mista – recurso a medidas farmacológicas e não farmacológicas; monitorizar os sintomas – através da utilização de instrumentos de medida estandardizados (escalas de pontuação ou escalas analógicas).

O fundamental no controlo sintomático é reavaliar continuamente as intervenções realizadas, pois permitirá validar os resultados das terapêuticas instituídas de forma sistemática, clarificando os objetivos.

A aplicação de diversos instrumentos de avaliação é imprescindível para que seja realizado um correto diagnóstico, avaliação e controlo de sintomas, nomeadamente a ESAS (Edmonton Symptom Assessment System), a PPS (Palliative Performance Scale), entre outras.

Numa fase inicial da instituição do tratamento poderá ser necessária uma monitorização mais frequente para ajuste da terapêutica, estabelecendo prioridades consoante os sintomas que mais incomodam a pessoa doente, atendendo aos detalhes para otimizar o controlo dos mesmos e minimizar os efeitos secundários das medidas aplicadas. (Twycross, 2003; Neto, 2010)

Torna-se assim imprescindível, que toda a equipa de cuidados assuma os objetivos terapêuticos e os discuta, de forma a conseguir o maior nível de conforto da pessoa doente. A monitorização deste nível de conforto é imprescindível e para tal devemos recorrer às chamadas constantes de conforto. Segundo Neto (2010, p.67), estas “dizem respeito a:

1) Presença de sintomas 2) Qualidade do sono 3) Bem-estar psicológico.”

Na fase de fim devida, estas constantes ganham um relevo maior. As constantes vitais, ainda que muito importantes, têm que ser valorizadas quando complementadas com as de conforto.

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Em síntese, segundo ainda a mesma autora, o controlo sintomático assenta nos seguintes princípios:

- Avaliar e monitorizar os sintomas de forma correta;

- Instituir uma estratégia terapêutica mista (conjunto de medidas farmacológicas e não farmacológicas);

- Via de administração adequada;

- Incitar uma atitude preventiva, antecipando as medidas terapêuticas; - Envolver doente e família e com eles estabelecer o plano terapêutico; - Explicar a situação presente;

- Reavaliar sistematicamente; - Atentar nos detalhes;

- Estar disponível.

Sendo estes os princípios do controlo sintomático, é pertinente referir que o sofrimento é um sintoma multidimensional e que precisa de ser valorizado na prática clinica dos profissionais de saúde como vital.

Sofrimento – Um Fenómeno Multidimensional

Ao longo da vida, qualquer pessoa experiencia situações geradoras de sofrimento e sendo que esta é um ser biopsicossocial, o sofrimento pode abranger todas as suas dimensões. “O sofrimento é uma experiência pessoal, egocêntrica e complexa que envolve um evento intensamente negativo ou uma ameaça percebida. O sofrimento pode fazer-se acompanhar de componentes físicas, cognitivas, afectivas, sociais e espirituais o que justifica a sua complexidade” (Rodgers e Cowles, 1997 cit. por Peixoto e Borges, 2011, p.36)

O sofrimento torna-se algo complexo quando o pensamos como um fenómeno que engloba dimensões para além da física e psicológica, como a laboral, a familiar e a espiritual. Só considerando todas estas dimensões específicas da condição humana é que se poderá compreender o sofrimento da pessoa. (Diogo, 2000)

McIntyre (1995), cit. por Cerqueira (2014), define como dimensões do sofrimento: “vivência com carácter objectivo e subjectivo; envolve a pessoa na sua integridade;

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implica a experiência de perda e luto; implica a construção de significados pessoais.” (diapositivo 66)

Perante isto, torna-se, então, difícil de descrever o conceito, pela sua componente tão pessoal, subjetiva e única. Perante a mesma experiência, diferentes pessoas vivenciam- nas de forma diferente, dando o cunho de individualidade ao sofrimento. Outra característica deste fenómeno é ser intransmissível, isto é, conseguimos ajudar o outro a ultrapassá-lo, mas não conseguimos partilhar o mesmo sofrimento. (Cerqueira, 2014) Segundo Cerqueira (2014), Strang (2004) definiu quatro dimensões de extrema importância no cuidado à pessoa com sofrimento, sendo elas: liberdade, significado para a vida e a falta deste, isolamento e morte. Relativamente à liberdade, o autor defende que a pessoa tem liberdade de escolha, ainda que haja limitação física. No entanto, cada escolha implica responsabilidade sobre esta e gera ansiedade. Quanto ao significado para a vida, a espiritualidade e as relações interpessoais podem ser fontes de ajuda. Na dimensão do isolamento, a pessoa pode sentir-se isolada, ainda que acompanhada e rodeada por outras pessoas, sobretudo no período que precede a própria morte. Esta (a morte) é a última e grande ameaça, sendo a fonte universal da ansiedade. (diapositivo 14)

Cuidar da pessoa que sofre envolve inúmeros esforços, envolvendo demais estratégias. Todavia, não pode ser descurado o tipo de sofrimento que está presente naquele que é o centro de atenção dos nossos cuidados. Cerqueira e Marques (2007) referem, segundo outros autores, a existência de quatro tipos de sofrimento: sofrimento do corpo (fonte física), sofrimento nas relações interpessoais (fonte sócio cultural), sofrimento na vontade (fonte existencial-espiritual) e sofrimento no sentido de unidade e coerência do “eu” (fonte psicológica).

A origem do sofrimento pode ter diferentes razões, como um processo de doença ou uma perda, não sendo necessariamente a perda da vida. Contudo, não é a gravidade objetiva da doença, da perda ou de outro acontecimento que origina o sofrimento, mas sim o significado que a pessoa atribui a essa experiência. Barbosa (2010) refere que quando confrontados com uma ameaça existem quatro aspetos fundamentais: continuidade, impotência, integridade e esgotamento de recursos. Isto é, “ameaça a um sentimento de continuidade existencial que a dor interrompe, às vezes, abrupta e inesperadamente, ou a um sentimento de integridade como pessoa que vê várias dimensões da sua vida lesadas e, por outro lado, um sentimento de incapacidade de fazer frente, sobretudo quando se esgotam todos os recursos e se instala um desamparo” (idem, p.569).

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Pelo facto de poder provocar dor e também constituir uma ameaça à integridade da pessoa, “a doença é uma fonte de sofrimento” (Diogo, 2000, p.37). O processo de doença lembra a pessoa da sua condição de fragilidade inerente ao ser humano, fazendo com que esta se confronte com a ideia da morte e se existir necessidade de internamento ainda a priva dos seus bens e do seu ambiente. Inicia-se, então, uma interação entre quatro polaridades: futuro/recorrência, integridade na vida pessoal, atribuição de significado negativo e incapacidade de resposta. (Barbosa, 2010)

Olhando e considerando todos estes aspetos, consegue-se perceber a subjetividade deste conceito, o que o torna um grande desafio na prática de cuidados. Contudo, ainda que seja um grande desafio não podemos baixar os braços, devemos criar estratégias adequadas e adaptadas à pessoa para que a nossa intervenção seja favorável.

Um aspeto fundamental é não esquecer que não é apenas a pessoa que sofre, mas também aqueles que a rodeiam.

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