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A CONVENÇÃO N.º 1 DA OIT A DURAÇÃO DO TRABA LHO (INDÚSTRIA)

AS RECENTES ALTERAÇÕES LEGISLATIVAS EM MATÉRIA DE TEMPO DO TRABALHO À

III. A CONVENÇÃO N.º 1 DA OIT A DURAÇÃO DO TRABA LHO (INDÚSTRIA)

Em 1919, ano da fundação da OIT, e logo na primeira sessão da Confe- rência Internacional do Trabalho, esta organização aprovou a sua primeira con- venção (convenção n .º 1), relativa à duração do trabalho nos estabelecimentos

industriais . Trata-se de uma convenção setorial10, na medida em que se aplica

apenas a um setor de atividade — a indústria (art . 1 .º da convenção)11 . O Estado

Português, membro fundador da OIT, ratificou a mencionada convenção n.º 1

em 1928, publicando-a no respetivo jornal oficial12 .

A principal medida prevista na convenção n .º 1 da OIT foi a de estabe- lecer um limite máximo para o período de trabalho: o de 8 horas por dia e de 48 horas por semana (art . 2 .º da convenção) . Pela primeira vez, traçava-se no quadro internacional um limite à duração do trabalho, o que traduzia a preocu- pação com os efeitos que o excesso da duração do trabalho poderia provocar na saúde e segurança dos trabalhadores. Contudo, se, por um lado, foi fixado um limite máximo ao período de trabalho diário e semanal, por outro lado, várias disposições da convenção consagravam exceções a esses limites .

Desde logo, prevê-se no diploma em análise que os referidos limites não serão aplicáveis a estabelecimentos que empreguem unicamente membros da

10 Segundo a. oJeda-aviléS, a dispersão de convenções da OIT relativas ao tempo de trabalho por

setor de atividade, por género, ou até por matéria (por exemplo, a duração do trabalho), deve-se às dis- tintas práticas relativas à prestação do trabalho nos diferentes países e setores de atividade (Transnational labour law, Wolters Kluwer Law and Business, Nova Iorque, 2015, p . 97) .

11 A referida convenção reputa-se expressamente aplicável unicamente a «estabelecimentos in-

dustriais», identificando como tais os que se dediquem às seguintes atividades: a) minas, pedreiras e indústrias extrativas de qualquer natureza; b) indústrias em que os produtos sejam manufaturados, mo- dificados, limpos, reparados, ornamentos, acabados, preparados para a venda, ou em que as matérias sofram transformação, compreendendo-se nelas a construção de navios e as indústrias de demolição de material, e bem assim a produção, a transformação e a transmissão de força motriz em geral e da eletri- cidade; c) a construção, reconstrução, conversação, reparação, modificação ou demolição de quaisquer construções ou edifícios, caminhos-de-ferro, tranvias, portos, docas, molhes, canais, instalações para a navegação interior, estradas, túneis, pontes, viadutos, esgotos coletores, esgotos ordinários, poços, ins- talações telegráficas ou telefónicas, instalações elétricas, fábricas de gás, distribuição de águas ou outros trabalhos de construção, e bem assim as obras de preparação e fundação que precedem os referidos tra- balhos; e d) o transporte de pessoas ou de mercadorias por estrada, via-férrea ou via de água, marítima ou interior, incluindo a conservação de mercadorias em docas, cais, embarcadouros e entrepostos, com exceção do transporte manual (art . 1 .º) . Trata-se de um âmbito deveras alargado, o que atesta quanto a nós a relevância do presente estudo .

12 Concretamente, a convenção n .º 1 da OIT foi publicada no Diário do Governo, I Série, n .º 207, de 14 de Abril

de 1928 . Esta não é a única convenção da OIT sobre a duração do trabalho . Outras existem, designada- mente a convenção n .º 30, relativa à duração do trabalho no setor do comércio e escritórios, que não foi ratificada por Portugal.

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mesma família (art . 2 .º, in fine, da convenção) . Além disso, certas categorias de trabalhadores — designadamente aqueles que exerçam funções de fiscalização, de direção ou qualquer cargo de confiança — ficam também excluídas do âm- bito de aplicação dos referidos limites [art . 2 .º al . a) da convenção] . O art . 2 .º da convenção vem ainda estabelecer que, quando (por lei, convenção coletiva ou uso) a duração do trabalho diário for inferior a 8 horas em um ou mais dias da semana, pode ser autorizado (por «ato da autoridade competente» ou por convenção coletiva) que noutros dias da mesma semana o período de trabalho exceda as referidas 8 horas diárias, desde que esse acréscimo não seja superior a uma hora por dia [alínea a)] . O sentido subjacente a esta norma é o de que o

período de trabalho diário não ultrapasse a média de 8 horas em cada semana13 .

Por outro lado, o art . 2 .º, n .º 2, al . b), da convenção estabelece que, quan- do o trabalho se realizar por turnos, a sua duração pode ser calculada em ter- mos médios, não podendo essa média ser superior a quarenta e oito horas por semana num período de referência de três semanas, ou menos . Nesse caso, os limites de 8 horas por dia e de 48 horas por semana poderão ser ultrapassados se, dentro do mencionado período de referência, esse acréscimo for compensa- do com uma redução do tempo de serviço, de modo a que a média não exceda esses limites. Curiosamente, neste caso não é fixado o número máximo de horas de trabalho por dia ou por semana que podem ser exigidas ao trabalhador, exi- gindo-se somente que no período de referência a média da duração do trabalho não exceda as ditas 48 horas semanais .

Por seu turno, o art . 3 .º da convenção consagra duas outras exceções aos aludidos limites máximos da duração do trabalho: (i) em caso de acidente ou na iminência do mesmo, quando seja necessário efetuar trabalhos urgentes em máquinas ou ferramentas; e (ii) em caso de força maior . Em ambas as situações, o trabalho pode ser prestado para além dos limites de 8 horas por dia ou 48 horas por semana, mas apenas durante o tempo necessário para evitar que uma perturbação séria prejudique a marcha normal do estabelecimento .

Nos casos em que os serviços sejam de funcionamento contínuo e que tenham de ser assegurados por turnos sucessivos, o limite de horas de horas de trabalho poderá ser também ultrapassado, desde que a duração do trabalho não exceda, em média, 56 horas por semana (art . 4 .º da convenção) . Esta exce- ção aos limites máximos da duração do trabalho é configurada em termos bas- tante latos. Não só não se define qualquer período de referência para o cálculo da média semanal de 56 horas, como também não se define o limite máximo de

13 n. valticoS, «Droit International du Travail», in Droit du travail, vol . VIII, 2 .ª ed ., Dalloz, Paris,

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horas que poderão ser exigidas ao trabalhador por dia ou por semana (desde que respeitada a referida média semanal) . Salvaguarda-se, somente, que este regime não afeta as licenças que as leis nacionais atribuam como compensação

do dia de descanso hebdomadário14 do trabalhador . Nos termos do art . 7 .º, al .

a), da convenção, cada Estado deverá informar a Repartição Internacional do

Trabalho15 sobre quais os serviços que são necessariamente contínuos, para os

efeitos de aplicação do mencionado art . 4 .º .

O art . 5 .º da convenção vem consagrar a possibilidade de, nos casos em que os limites máximos da duração do trabalho previstos no art . 2 .º se revelem inaplicáveis, as organizações representativas dos empregadores e trabalhado- res acordarem um regime diferente de duração do trabalho, que deve ser comu- nicado ao respetivo Governo, o qual, por sua vez, deverá transformá-lo em re- gulamento . Em todo o caso, a duração média do trabalho não poderá exceder as 48 horas semanais . Trata-se de uma exceção aos limites da duração do trabalho que surge configurada em termos deveras indeterminado, uma vez que a con- venção não fixa quais as situações excecionais em que os limites máximos esta- belecidos no art . 2 .º serão inaplicáveis, nem tão-pouco indica qualquer critério para que o intérprete as delimite . Nos termos do art . 7 .º, al . b), da convenção, cada Estado deverá prestar à Repartição Internacional do Trabalho informações sobre a aplicação os acordos a que se reporta este art . 5 .º .

Por fim, o art. 6.º da convenção em análise permite ainda que cada Estado estipule determinadas derrogações à aplicação do limite de 8 horas diárias e de 48 horas semanais para a duração do trabalho . Assim, cada Estado poderá esta- belecer internamente as derrogações com caráter permanente para a execução de trabalhos preparatórios ou complementares que não possam ser realizados dentro do período de funcionamento do estabelecimento, e para certas profis- sões cujo trabalho seja especialmente intermitente . Por outro lado, cada Estado poderá também estabelecer derrogações com caráter temporário para possibili- tar que os empregadores enfrentem acréscimos de trabalho extraordinários . Os atos normativos que fixem estas derrogações deverão fixar o limite máximo de horas de trabalho adicionais que em cada caso serão permitidas, bem como as horas de trabalho suplementar, as quais deverão ser remuneradas pelo menos com um acréscimo de 25% da retribuição horária normal do trabalhador . Nos

14 Nos termos do art . 2 .º da convenção n .º 14 da OIT (também ratificada por Portugal), que é aplicável ao setor da

indústria, cada trabalhador deverá gozar um descanso semanal não inferior a 24 horas em cada período de 7 dias (salvo as exceções previstas nessa mesma convenção), o qual deve coincidir preferencialmente com o dia de descanso estabelecido por tradição ou usos do país.

15 A Repartição Internacional do Trabalho — ou Burreau International du Travail — é um serviço de

apoio técnico que depende do Conselho de Administração (órgão de coordenação da OIT) . Sobre a Reparti- ção Internacional do Trabalho e as funções que lhe estão atribuídas, vd. B. gama loBo XavieR, ob . cit ., p . 993 .

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termos do art . 7 .º, al . c), da convenção, cada Estado deverá informar a Reparti- ção Internacional do Trabalho das derrogações que estabeleceu na sua legisla- ção interna ao abrigo deste regime .

Como vimos referindo, impende sobre os Estados que ratificaram a con- venção n .º 1 da OIT a obrigação de facultar certas informações à Repartição Internacional do Trabalho, relativas às exceções ao limite da duração de traba- lho semanal previstas nos artigos 4 .º, 5 .º e 6 .º da convenção [cfr . art . 7 .º al . a), b) e c), respetivamente] . No entanto, em nossa opinião, a aplicação das exceções previstas nos artigos 4 .º, 5 .º e 6 .º, da convenção não depende do prévio cumpri- mento do dever de informação cumprido no art . 7 .º . Desde logo, porque não decorre do art . 7 .º que o facto de um Estado não facultar à Repartição Internacio- nal do Trabalho as informações previstas nesse preceito tem como cominação a inaplicabilidade dos artigos 4 .º, 5 .º e 6 .º da convenção . Pelo contrário, o que emerge do art . 7 .º é que «a Repartição Internacional do Trabalho apresentará anualmente à Conferência Geral da Organização Internacional do Trabalho um relatório a este respeito» . Verifica-se, assim, que o art. 7.º consagra um meca- nismo de controlo do cumprimento da convenção por parte da OIT . Trata-se de

um mecanismo análogo (e complementar) ao estatuído no art . 22 .º da COIT16/17 .

Nesta linha de raciocínio, entendemos que a prestação de informações à Repar- tição Internacional do Trabalho tem como fito possibilitar à OIT um controlo da aplicação da convenção, sem que o incumprimento deste dever de informação tenha como consequência a inaplicabilidade das exceções aí previstas .

Destaque ainda para o art . 8 .º da convenção, que estabelece o dever de cada empregador elaborar o horário de trabalho, respeitando o limite de 8 ho- ras por dia e de 48 horas por semana [alínea a)], ressalvando-se os casos pre- vistos nos artigos 3 .º a 6 .º da convenção, sendo ilegal a prestação de trabalho fora destas condições. O horário de trabalho deverá ser afixado em local visível no próprio estabelecimento, para que os trabalhadores tenham conhecimento do mesmo . Caberá ainda ao empregador registar os períodos de trabalho que excedam o limite diário de 8 horas e semanal de 48 horas, prestadas ao abrigo de um dos regimes excecionais previstos na convenção .

16 Note-se que os atuais mecanismos de controlo do cumprimento das convenções da OIT — de-

signadamente, com a intervenção do CPACR — só foram implementados em 1926 . A este respeito, cf . P . Romano maRtinez, ob . cit ., p . 221 .

17 Sobre os mecanismos de controlo do cumprimento das convenções da OIT, incluindo o papel

do CPACR, e as adaptações à periodicidade do controlo do cumprimento das convenções que foram sen- do introduzidas devido ao elevado número de convenções adotadas, vd. G . peRone, ob . cit., pp . 243-247 .

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Por fim, cumpre referir que em 1962 a Conferência Geral da OIT emitiu a Recomendação n .º 116, também ela aplicável ao setor da indústria, na qual aconselhou os Estados-Membros a reduzirem o período normal de trabalho para o limite de 40 horas semanais .

IV. OS REGIMES DA ADAPTABILIDADE, BANCO DE HORAS