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de Novembro de 2003, relativa a determinados aspetos da organização do

175III Conclusión

de 4 de Novembro de 2003, relativa a determinados aspetos da organização do

tempo de trabalho, transposta para o nosso ordenamento jurídico pelo CT .

2. O Pagamento em Dinheiro

Desde a versão originária do CT que se prevê que o trabalho em acrés- cimo prestado em banco de horas possa ser compensado com pagamento em dinheiro . Esta solução é única que permite ao trabalhor um efetivo “enriqueci-

mento” 2 pelo trabalho que prestou .

Porém, também é a que mais se aproxima do trabalho suplementar, que é igualmente pago em dinheiro (com os acréscimos previstos no artigo 268.º do

CT ou no IRCT aplicável) .

Ainda que se compreenda que o banco de horas seja um mecanismo des- tinado a coadunar, de modo mais flexível, as necessidades das entidades em- pregadoras e o horário dos trabalhadores, é de estranhar que, em comparação com o trabalho suplementar, o legislador não tenha estabelecido qualquer cri- tério para o pagamento em dinheiro .

Assim, o quadro legal parece admitir que o pagamento das horas presta- das em acréscimo no banco de horas possa ter uma majoração inferior à estipu- lada para o trabalho suplementar .

Nesse sentido, questionamos se tal solução não consubstancia uma viola- ção do artigo 6 .º da 1.ª Convenção da Organização Internacional do Trabalho

3, que prevê que “a taxa do salário para estas horas suplementares será acrescida de

25 por cento, em relação ao trabalho normal” .

A lacuna da lei quanto ao valor desta majoração apenas vem estimular o empregador a preferir o banco de horas ao trabalho suplementar . Para o tra- balhador, o pagamento poderá não ser suficiente para justificar a redução do seu período de descanso diário e semanal, prejudicando o seu direito à saúde e segurança .

2 david Falcão e SéRgio tenReiRo tomáS, “Banco de Horas – Mais trabalho e Menos Euros”, Revista

Eletrónica de Direito, Outubro de 2015, n .º 3, p . 5

3 Convenção relativa à “Duração do Trabalho (Indústria)”, aprovada em 1919 e ratificada pelo Decreto n.º 15361, de

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Livro Razão

Mesmo quando remete o banco de horas para a contratação coletiva, o

legislador não determina quaisquer garantias retributivas 4 .

Vejamos, por exemplo, o Contrato Coletivo de Trabalho celebrado entre

a Associação Portuguesa das Empresas do Sector Elétrico e Eletrónico e a Fe- deração dos Sindicatos da Indústria e Serviços e outros 5 . A cláusula 49 .ª prevê

a criação de banco de horas nas empresas abrangidas pelo IRCT, permitindo como compensação para o trabalho prestado em acréscimo o pagamento em dinheiro. Contudo, não fixa qualquer valor para esse acréscimo. No entanto, estipula que se tais horas não forem compensadas até ao final do 1.º semestre do ano civil subsequente, serão pagas com um acréscimo de 50% .

Note-se que no Brasil também não está fixada uma majoração para o pa- gamento do banco de horas . Contudo, prevê-se que, se no términus do contrato de trabalho ainda não tiver havido a compensação de todas as horas prestadas em acréscimo, o seu pagamento será calculado considerando o acréscimo pre-

visto em IRCT, que não poderá ser inferior a 50% da hora de trabalho normal 6 .

3. Conclusão

O modo de efetuar o pagamento em dinheiro das horas prestadas em banco de horas tem uma componente de discricionariedade que o legislador deveria ter evitado . Para uma solução segura do ponto de vista judicial, enten- de-se que as horas em acréscimo devem ser pagas com um suplemento mínimo de 25%, respeitando o artigo 6 .º da 1 .ª Convenção da Organização Internacional do Trabalho .

4 Nesse sentido, Liberal Fernandes, O Tempo de Trabalho, Coimbra Editora, 2012, p . 107 . 5 Na sua versão consolidada, publicada no Boletim do Trabalho e Emprego, 1 .ª Série, n .º 23, de 22

de junho de 2013 .

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A S T R A N S F O R M A Ç Õ E S R E C E N T E S

D O D I R E I T O D O T R A B A L H O

P O R T U G A L — U M A D O U T R I N A E U M A

J U R I S P R U D Ê N C I A L A B O R A I S A I N D A

M A I S E R O S I V A S D O Q U E A L E I

António Garcia Pereira

RESUMO: O Direito do Trabalho dos tempos da crise e das políticas de austeri-

dade não se reduz às (bastante significativas) alterações legislativas produzidas sobretudo na sequência e sob a invocação do chamado “Memorando de Enten- dimento” com a Tróica .

Ele passa também pelos princípios e concepções, verdadeiramente ideológicos, ainda que disfarçados de técnico-jurídicos, que a doutrina e jurisprudência la- borais têm vindo a desenvolver, conducentes à justificação teórica da sucessiva restrição e mesmo inutilização dos direitos e garantias dos trabalhadores . Esse labor interpretativo e aplicativo do Direito do Trabalho passa pela nega- ção, omissão ou esvaziamento de princípios tidos por básicos do nosso Orde- namento Jurídico (tais como os da boa fé, da proibição do abuso de direito e da fraude à lei, e da desconsideração da personalidade jurídica para efeitos de responsabilização efectiva) e pela tentativa de criação ou recriação de outros como o de que “os fins, afinal, sempre justificam os meios” ou o da “reserva do financeiramente possível”. E revelam-se, afinal e nos seus diferentes aspectos, tão ou mais erosivos dos direitos dos cidadãos trabalhadores do que as pró- prias alterações legislativas formais .

PALAVRAS-CHAVE: Crise; Políticas de Austeridade; Direito Laboral; Juris-

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ABSTRACT: The Labor Law in these times of crisis and austerity policies is

not limited to the (very significant) legislative changes produced mainly as a result and under the invocation of the “Memorandum of Understanding” with the Troika .

It also consists of the truly ideological (although disguised as technical and legal) principles and concepts that the labor doctrine and jurisprudence are developing, leading to the theoretical justification of successive restriction and even destruction of the workers’ rights and guarantees .

This set of interpretations and applications of Labor Law goes through the deni- al, omission or emptying of the principles taken for granted in our legal system (such as those of good faith, prohibition of abuse of rights and fraud against the law, and disregard for legal personality for the purposes of effective account- ability) . It also includes the attempt to create or recreate others principles like “the ends do justify the means” or the “reserve of what is financially possible.”. And these, after all, become, in its different aspects, just as, if not more, erosive to the workers’ civil rights as the proper formal legislative changes .

KEYWORDS: Crisis; Austerity policies; Labour Law; Labour law Jurispruden-

ce; Legal principles; Workers’ rights .

As transformações recentes do Direito do Trabalho em Portugal corres- ponderam, antes de mais, às soluções legislativas que os interesses políticos e económicos dominantes entenderam ser as mais adequadas à sua própria defesa .

Deste modo, sem nunca debater, nem permitir debater e muito menos reflectir, acerca dos respectivos pressupostos — como se de verdadeiros e in- discutíveis teoremas se tratassem — e curando de erigir como critério único da bondade das soluções adoptadas o da sua maior ou menor eficácia para atingir as finalidades económico-financeiras assim previamente definidas (maxime, o combate ao défice), tais soluções corporizaram-se em restrições no acesso e di-

mensão de direitos sociais, como o subsídio de desemprego (através das alte-

rações ao Dec . Lei nº 220/06, de 3/11, introduzidas pelo Decreto Lei nº 64/2012, de 15/3) ou o rendimento social de reinserção, e em marcadas alterações às

leis laborais (maxime através da Lei nº 23/2012, de 25/6, e da Lei nº 69/2013,

de 30/8) em quatro vertentes essenciais: facilitação e embaratecimento dos despedimentos, em particular dos baseados nas chamadas “justas causas ob-

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jectivas”; facilitação da contratação precária; aumento dos tempos de trabalho; diminuição dos salários e demais das condições remuneratórias .

Na primeira vertente, tratou-se fundamentalmente de tornar (ainda)

mais fáceis de levar a cabo os despedimentos colectivos, os despedimentos por extinção do posto de trabalho e os chamados despedimentos por inadap- tação (hoje muito próximos de despedimentos por uma alegada “inaptidão”

superveniente do trabalhador independentemente da idade ou saúde deste, ou ainda da existência ou não de quaisquer modificações no respectivo posto de trabalho); e de diminuir drasticamente a forma de cálculo das respectivas in-

demnizações, passando, a partir de 1/11/12, de 30 para 20 dias e depois, a par-

tir de 1/10/2013, para 18 dias (nos 3 primeiros anos) e 12 dias (quanto ao 4º ano e seguintes) de retribuição base e diuturnidades por cada ano de antiguidade .

Na segunda vertente curou-se de alargar as possibilidades de contrata-

ção precária (como sucedeu com o contrato de comissão de serviço através da

Lei nº 23/2012), quer criando novas modalidades de contrato, quer alargando as circunstâncias em que é possível utilizá-las, quer ainda diminuindo a com-

pensação devida pela respectiva caducidade 1 por força das alterações do nº

2 do artº 344º e do nº 4 e do artº 345º do Código do Trabalho operadas pela Lei nº 69/2013, de 30/8, quer finalmente admitindo renovações extraordiná- rias da contratação precária (como a possibilitada, por mais 2 anos, pela Lei nº 76/2013, de 7/11) .

Na terceira vertente, o que se fez foi ou impôr, directamente e por via

legislativa, o aumento das horas semanais de trabalho (como sucedeu com os

trabalhadores da Administração Pública, de 35 horas para 40 horas — artº 105º da Lei nº 35/2014, de 20/10), ou potenciar esse aumento através do alarga-

mento e flexibilização dos mecanismos da chamada “mobilidade temporal”

(como o banco de horas e a adaptabilidade, que inclusive podem ser unilate- ralmente impostos a um conjunto de trabalhadores que o não desejam nem aceitam desde que hajam sido aceites por uma determinada percentagem dos restantes — artº 208º-B aditado ao Código do Trabalho pela Lei nº 23/2012, de 25/6), ou enfim impôr tal aumento de horas de trabalho através da eliminação