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CAPÍTULO 3 – A INCONSISTÊNCIA DA EUROPEIZAÇÃO DAS NORMAS MIGRATÓRIAS PARA A REALIDADE PORTUGUESA

3.4. SEGURANÇA E IMIGRAÇÃO

A entrada de Portugal na União Europeia teve impactos relacionados a sua política de segurança, pois o forçou a conviver com novos atores, os de outros países e os comunitários. Uma dinâmica de matriz regional e compromissos que pode comprometer a lógica tradicional de segurança pautada numa visão centrada na ação estatal. Além disso, os últimos anos do século XX, marcantes da perspectiva de um aprofundamento da Globalização e marco da reinserção ativa de Portugal no cenário internacional com a redemocratização do país trouxe alterações significativas nas modalidades provocadoras de insegurança, como também de novos temas a serem desenvolvidos sobre o prisma da segurança, como as questões ambientais, saúde pública, entre outros.

Dentro dessa mudança na perspectiva do que os Estados entendem por Segurança e a ressignificação das ações estatais nesse campo, a presença de imigrantes em seus territórios estabeleceu um novo tema para as medidas em favor da segurança, pois a presença de estrangeiros, muitas vezes com hábitos culturais distintos dos nativos ou daquilo que os Estados pregam como os seus elementos identitários, traz para alguns setores a necessidade de intervenção estatal, no sentido de garantir a sua sobrevivência desse Estado e de seus valores. Portanto, os imigrantes, segundo essa visão, seriam um fator de instabilidade.

Rodrigues (2010, p. 34) afirma que:

Ao deslocar o objecto de estudo da segurança do Estado para a sociedade, a segurança relaciona-se com situações em que as sociedades descobrem uma ameaça em termos identitários. Quando determinado tema ou grupo põe em perigo a continuação da construção da identidade, ele tende a ser securitizado. Numa fase inicial é-o pelas elites, tornadas agentes de securitização, que definem as ameaças do grupo e convencem a comunidade da sua validade, o que lhes confere legitimidade e concede os meios extraordinários para debelar a ameaça. A médio prazo, a separação entre controlo e território obriga o Estado a ser plural e a iniciar um processo de dessecuritização, que permita a pluralidade identitária de um dado território sob um mesmo quadro normativo. Este aparente paradoxo é o garante da estabilidade.

Percebe-se que as medidas europeias seguem a linha da primeira argumentação, na qual se vislumbra a imigração como ameaça securitária, tanto

que as medidas propostas guardam relação com as instituições e instrumentos de segurança desenvolvidos em nível comunitário, conforme se destacou no Capítulo anterior.

Portugal, ao introduzir as medidas europeias, segue o mesmo caminho, rompendo com a lógica que era praticada pelo país, muito mais vinculada à segunda visão apresentada pela autora e pautada num viés multicultural.

Essa mudança de perspectiva em Portugal pode ser explicada sob dois aspectos. O primeiro é a evidente pressão da Comunidade Europeia para que os países insiram em seus quadros normativos e de ação as perspectivas comunitárias, por mais distantes, como é o caso de Portugal, da realidade da localidade. A criação de uma sistemática única para a regulação da migrações, afasta, cada vez mais no caso europeu, a possibilidade de uma definição de medidas pautadas na realidade do local. O outro aspecto que deve ser destacado, para explicar essa mudança de curso, é o aumento dos países de origem dos estrangeiros localizados naquele país, o que dificulta o processo de integração, pois, diferentemente das ex-colônias portuguesas, localidades com hábitos culturais mais distantes dos que ali são praticados.

Entretanto, essa segunda medida, apesar de poder representar uma maior dificuldade, principalmente em termos linguísticos, para a integração, é plenamente superável com boas práticas integradoras, e Portugal possuía diversas. Vale ressaltar que o aumento das localidades de origem é uma tendência evidente dos fluxos migratórios contemporâneos. Essa maior complexidade dos movimentos deve criar mecanismos de melhoria das políticas de integração, não barreiras para impedir o acesso dos estrangeiros a um determinado território.

Essas barreiras são impostas por meio de uma argumentação fundamentada numa lógica de riscos representados por esses imigrantes. No caso da diferença cultural, o desconhecimento sobre a cultura do estrangeiro torna-se um elemento propagador de maior medo, estabelecendo apoio da população nativa a medidas de controle de fronteiras, além de práticas xenofóbicos em relação a esses imigrantes.

Na nova concepção alargada de segurança, as migrações podem ser vistas como um risco para a soberania do Estado, da sociedade como um todo e dos vários grupos que a compõem, incluindo as minorias étnicas, porque provocam uma alteração da composição identitária até então vigente. A abordagem multissectorial das questões de segurança no âmbito das relações internacionais, proposta por Buzan, Waever e Wilde, remete-nos para as formas de segurança política e social. A primeira engloba todas as ameaças à soberania do Estado, a segunda prende-se com a preservação da identidade e com a insegurança, gerada sempre que a sobrevivência da comunidade, tal como ela é percepcionada, parece estar em risco, mesmo que tal não seja real. Este é o enquadramento teórico em que se movem as relações Estado-migrantes-sociedade, objecto privilegiado de abordagem de políticos, forças policiais, serviços secretos, ONGs e media, definidos como managers of unease e construtores dos conteúdos do binómio imigração insegurança.

Além dessa insegurança identitária, o fato de Portugal passar por uma grave crise social e econômica gera também maior medo em relação ao imigrante, pois ele se torna, no senso comum, uma ameaça à segurança, como o estereótipo de que os muçulmanos são apoiadores de terroristas, e ao emprego, atingido todas as nacionalidades de imigrantes.

La dualidad de los migrantes internacionales como actores políticos y blancos de la política es quizá más vivida cuando se aborda el tópico cada vez más importante de la migración y la seguridad, en particular el del terrorismo político. El que una minoría de inmigrantes se haya involucrado en la violencia política contribuyó a resaltar de nuevo la migración internacional en las agendas de seguridad posteriores a la Guerra Fría. Una discusión tendenciosa e insuficientemente informada de la inmigración y el terrorismo fue parte de los elementos de la etapa posterior a la Guerra Fría; las nuevas medidas y leyes contra el terrorismo erosionaron la condición legal de los extranjeros en varias democracias occidentales […]. (CASTLES; MILLER, 2004, p. 328)

Vale destacar que em Portugal, diferente de outras localidades da Europa, a população ainda não vislumbra a Migração como um sério fator de insegurança. Esse fato é confirmado pela não existência de tensões sociais, violência ou instabilidade que possa ser relacionado com o aumento dos fluxos de entrada no país, a partir do final do século XX. Além disso, em 2009, uma pesquisa realizada pelo Eurobarometer destacou que apenas 1% dos portugueses percebiam a imigração como um dos dois principais problemas nacionais, valor muito abaixo da média de 4% encontrada para a realidade da União Europeia, que naquele momento possuía 27 membros (RODRIGUES, 2010, p. 68).

Outro aspecto a ser destacado é que, tanto em nível europeu, quanto português, há uma associação entre criminalidade e imigração irregular. O Relatório Anual Português de Segurança Interna, mantendo a orientação dos textos anteriores, destaca o erro em se associar imigração e criminalidade. Entretanto, sublinha que imigrantes em situação irregular podem ser ligados a atividades criminosas, como o tráfico de seres humanos e armas, lavagem de dinheiro, incentivo à economia informal, produção e venda de documentos falsos (RODRIGUES, 2010, p. 69).

O impressionante nessa perspectiva é não se atentarem ao fato de que o Estado não integrar o imigrante irregular torna-o mais propício a ficar à mercê de grupos organizados praticantes de crime, pois, muitas vezes, essa é a única forma de ele garantir sobrevivência e permanência no local. O fato de o aparato de segurança estatal ser o principal braço do Estado a estar em contato com esse imigrante afasta-o de uma perspectiva de vivência não vinculada com a criminalidade. O relatório não se atenta que esses irregulares são mais vítimas do que participantes das organizações criminosas.

Outro ponto interessante a se destacar é que, apesar dessa vinculação entre irregularidade e criminalidade, o mesmo relatório destaca que 92% dos estrangeiros presos em Portugal, no ano de 2010, viviam regularmente no país, sendo que alguns deles eram nascidos em Portugal. Portanto, essa tentativa de relacionar irregularidade com as práticas criminosas não se vincula à realidade fatual encontrada em Portugal.

O que pode, realmente, influenciar o cometimento de crimes é a ausência de integração, em que os imigrantes irregulares só se inserem na base da sociedade, não obtendo possibilidades de crescimento social por não lhes ser assegurada a possibilidade de participar de políticas sociais.

Por conseguinte,

Las políticas que excluyen a los inmigrantes al negarles derechos iguales arriesgan la generación de conflictos en el largo plazo. De ahí que sea inevitable la conclusión de que las democracias tienen un interés de seguridad vital en los derechos de los inmigrantes. (CASTLES; MILLER, 2004, p. 333)

A relação entre regularidade ou irregularidade não se apresenta como um fator relevante para o cometimento de crime, assim como não há relacionamento entre nacionalidade e criminalidade. O fator significativo é a inserção social do imigrante. Este sim é capaz de explicar a realidade da criminalidade.

Conforme Santos e Seabra (2005, p. 131) destacaram:

As desigualdades de resultados do sistema judicial para portugueses e estrangeiros são as esperadas quando, como demonstrámos, estes últimos se integram ‘por baixo’ na sociedade portuguesa, em termos de estratificação social. Por outras palavras, a classe social permanece, tanto para a sociologia da justiça como para a criminologia, um mecanismo heurístico superior à nacionalidade.

Percebe-se que o Estado procura estabelecer uma lógica entre o tipo migrante e um eventual risco que ele possa oferecer. Na verdade, na perspectiva de favorecer uma imigração selecionada, de acordo com os interesses do país receptor, faz-se uso de uma série de generalizações com o objetivo de justificar a exclusão de certos grupos e nacionalidades.

Para alguns autores,

Un elemento común en las respuestas regionales transatlánticas a la violencia ligada a la inmigración ha sido un incremento en la represión y la erosión de la condición legal de los extranjeros residentes. (CASTLES; MILLER, 2004, p. 332)

Além de generalizações relacionadas ao tipo de migrante, há também generalizações relacionadas à nacionalidade do migrante. No caso português, fala-se que o aumento de roubos domésticos está relacionado a grupos vindos dos Balcãs, principalmente de irregulares, no caso de pequenos crimes, há uma associação com os imigrantes brasileiros.

Já, para os islâmicos, se destaca a questão dos casamentos por contratos (RODRIGUES, 2010, p. 69). Interessante dessas informações é que elas generalizam ações, mas, muitas vezes, elas não representam as informações fornecidas, pois, como se observou, nos dados anteriores o número de irregulares presos é bastante baixo, o que se justifica ou por uma ineficácia sensível das forças policiais portuguesas, no caso dos habitantes dos Balcãs, a ponto de não

ser possível estabelecer quem é o agente infrator, o que inviabilizaria, inclusive, a afirmação de que são grupos desses grupos de migrantes os responsáveis.

No caso dos brasileiros, como um grupo fortemente presente no território português, é evidente que eles podem ser destacados como os mais presentes no cometimento de infrações. Mas, isso ocorre pelo número mais elevado de migrantes dessa nacionalidade, o que, naturalmente, gera um quadro maior de delinquência de pessoas dessa nacionalidade. Por fim, o caso dos islâmicos, não dá para se notar o potencial ofensivo de um casamento de conveniência, tornando a vinculação entre essa atitude e a insegurança absolutamente insustentável.

Migrantes e Tipos de Ameaças à Segurança

Retirado de: Rodrigues, 2010, p. 36

Outro ponto também insustentável que procura vincular imigração e criminalidade é o descrito por Rodrigues (2010, p. 65) ao assinalar que:

Pensemos ainda em outros aspectos com consequências em termos de vivência social e que já foram apontados como factor de instabilidade em locais onde a concentração de imigrantes seja significativa. Referimo-nos à maior proporção de solteiros entre os migrantes, vista por alguns como factor potencial de uma menor integração em núcleos familiares, susceptível de gerar novas

formas de coabitação. Esses novos modelos podem também explicar alguma propensão para actos de delinquência e criminalidade, sobretudo em zonas urbanas onde seja muito expressiva a sua concentração e são extensíveis, por maioria de razões, aos indivíduos em situação irregular.

Interessante esse posicionamento frente aos solteiros, principalmente em um contexto de regulação migratória no qual o imigrante tem a sua possibilidade de estar em uma situação adequada quando vinculada a um contrato de trabalho. Observando os setores que mais empregam imigrantes em Portugal, fica evidente que a maior parte deles será formada por solteiros, por conta da natureza do trabalho. Nesse sentido, tal associação fica contraditória com a própria lógica de regularização que marca o contexto migratório português há um bom tempo, demonstrando anseios econômicos e de segurança muito divergentes na matéria. O que há, de fato, em informações como as ofertadas agora é a tentativa de associar migração e criminalidade, mas sem se atentar às possibilidades oferecidas para os estrangeiros. Sem dúvida, é lamentável, pois fica nítida a tentativa de construção de estereótipos sobre os imigrantes.

Obviamente, os atos de delinquência geram reações. O número de imigrantes presos tem crescido,113 o que é natural quando há um aumento

expressivo do número de imigrantes, e estes ficam, muitas vezes, vinculados aos setores mais debilitados socialmente da população local. Portanto, conforme já foi destacado, para fins de criminalidade e insegurança, o conteúdo social é muito mais predominante que o conteúdo nacional.

Apesar de ocorrerem, efetivamente, crimes cometidos por migrantes, os quais são combatidos pelas forças de segurança como os demais tipos de crime, não resta dúvida de que eles acabam tendo consequência sobre os nacionais, principalmente quando valorizados em demasia pelo fato de terem sido feitos por estrangeiros, algo que os veículos de comunicação têm realizado de forma até certo ponto irresponsável, pois fomenta sentimentos extremamente negativos em relação a esses estrangeiros.

113 O total de reclusos estrangeiros sobe desde 1994, sem que o cidadão médio se aperceba que

a taxa respectiva desceu 6,3 para 4,9 ‰. Em 2003, ano em que se registrou a maior percentagem de estrangeiros no sistema prisional, ela era a 4.ª mais baixa da UE15 e a 10.ª mais baixa da EU25 (RODRIGUES, 2010, p. 82). Obviamente esses dados explicitam que a situação portuguesa não é das mais graves a ponto de estabelecer um obstáculo à manutenção de políticas migratórias focadas na efetiva integração.

Nesse ponto, passa-se a analisar o papel que os meios de comunicação possuem no sentido de construir visões sobre os imigrantes e, consequentemente, fortalecer o apoio a determinadas posições, como as que atualmente têm sido predominantes nas instituições da União Europeia e em diversos países europeus. Elas estabelecem uma visão negativa da imigração e dos estrangeiros em determinadas localidades.