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2.3 A ESTRUTURA NORMATIVA INTERNACIONAL 63 

2.3.2 Convenções da UPOV 67 

A análise da cena internacional até o presente momento demonstrou a intersecção entre três elementos fundamentais à compreensão da temática transgênicos: o comércio, a propriedade intelectual e o meio ambiente. Tendo em vista estes elementos é que se sobressaem as questões de ordem econômica, relacionadas à concessão de monopólios intelectuais sobre variedades de plantas. Estas questões refletem-se, sobremaneira, nos ganhos e perdas dos países em desenvolvimento.

ZIMMER, em A proteção, pesquisa e desenvolvimento na agricultura brasileira. (2005) anota que a primeira Convenção da União para Proteção das Obtenções Vegetais – UPOV, foi realizada em 1961, tendo em vista a necessidade de um sistema internacional harmônico e uniforme de proteção de vegetais. A Convenção de 1961 passou por alterações em 1972, 1978 e 1991, sendo que as principais mudanças no sistema foram decorrentes da passagem da Ata de 1978 para 1991. A Ata de 1991 inova em relação à de 1978 na tentativa de expandir a proteção a novos eventos da biotecnologia, regular o acesso às variedades recorrentes, facultar a proteção dos dois sistemas (proteção e patente), facultar a extensão do direito até o produto final (grão), entre outras.

O Brasil passou a fazer parte da UPOV por meio do Decreto 3.109/09, em 30 de junho de 1999. É bom ressaltar que no âmbito da UPOV, a Convenção determina as características

essenciais da legislação de proteção à variedade de plantas para os países-membros, possibilitando a cada Estado estabelecer seus próprios critérios em nível nacional.

A Ata de 1978 estabelece, como necessários à proteção de gêneros e espécies vegetais, os critérios de distinção, homogeneidade, estabilidade, novidade. A proteção deve recair sobre o material de reprodução da variedade, sendo devida a toda nova geração. A Ata proíbe, ainda, a adoção dos dois sistemas de proteção (patente/sui generis) simultaneamente, devendo o Estado optar por apenas um.

O tratado de 1991, por sua vez, exige a autorização do titular do bem protegido para produzir, reproduzir, comercializar, exportar, importar ou estocar a cultivar, além de assegurar ao titular direitos que impedem que agricultores utilizem parte do material de reprodução de suas colheitas para iniciar novos plantios sem consentimento prévio do titular do direito. A Ata permite também a dupla proteção, por patente e sistema sui generis. Anote-se que a outorga desses direito fica a cargo da legislação nacional sendo, entretanto, exigido do Estado-membro o reconhecimento de tais direitos relativamente aos demais Estados.

Tendo em vista as disposições acerca do sistema de proteção intelectual imposto pelo Acordo TRIPS, e as determinações da Convenção da UPOV, cumpre identificar como o Brasil incorporou as diretrizes internacionais, no particular, bem como se a aplicação prática dessas diretrizes no âmbito nacional se amolda aos princípios da biossegurança, em especial no que diz com a atenção ao direito de informação, em sentido amplo.

Proceda-se à análise da legislação nacional de proteção intelectual das obtenções vegetais, seguida do estudo das práticas privadas, realizadas entre parceiros comerciais, com supedâneo nas determinações nacionais e internacionais.

3 ANÁLISE DA INTERPRETAÇÃO DO TRF 2A. REGIÃO NO CASO DO PEDIDO DE REGISTRO DE PATENTE DA SOJA RR PELA MONSANTO

Antes de iniciarmos a análise do processo n.º 2006.51.01.537849-4, cabe ponderar sobre quem são os atores - a Monsanto e o Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) - e qual é o objeto da lide, o registro da patente da soja Roundup Ready.

A Monsanto é uma indústria multinacional de agricultura e biotecnologia. Apesar de sua principal sede situar-se nos Estados Unidos é, em sua maior parte, francesa. É a empresa maior produtora de herbicidas do mundo, líder mundial na produção do herbicida glifosato, vendido sob a marca Roundup, e está entre as cem empresas mais lucrativas da América. Apenas nos últimos dois anos, investiu US$ 6,7 bilhões na aquisição de outras companhias norte-americanas de sementes e biotecnologia, tornando-se a maior empresa do ramo.

É, ainda, a produtora líder de sementes geneticamente modificadas, respondendo por 70% a 100% do marketshare de algumas culturas. A Agracetus, subsidiária da Monsanto, se concentra na produção de soja Roundup Ready para o mercado. No Brasil, sua sede está instalada na cidade de São Paulo, e compreende também a indústria de sementes Agroceres. Em setembro de 2007 a companhia comprou a Agroeste Sementes, uma empresa brasileira de sementes de milho, além de já possuir a brasileira Monsoy desde 1997.

O Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) é uma autarquia federal brasileira, criada em 1970, vinculada ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. Está situado na cidade do Rio de Janeiro. Tem por finalidade principal, segundo a Lei n.º 9.279/96, executar, no âmbito nacional, as normas que regulam a Propriedade Industrial, tendo em vista a sua função social, econômica, jurídica e técnica. É também sua atribuição pronunciar-se quanto à conveniência de assinatura, ratificação e denúncia de convenções, tratados, convênios e acordos sobre propriedade industrial.

O INPI é responsável pelo registro e concessão de marcas, patentes, desenho industrial, transferência de tecnologia, indicação geográfica, programa de computador e Topografia de Circuito Integrado. É também de sua competência a averbação dos contratos de franquia empresarial.

O objeto da lide é o registro da patente da soja transgênica Roundup Ready. Esta semente foi desenvolvida pela Monsanto na década de 80, possui uma característica que a

torna tolerante a ( com crase ou dos pontos?) herbicida à base de glifosato, usado para dessecação pré e pós-plantio, conhecido por sua eficiência em eliminar qualquer tipo de planta daninha.

Essa tolerância faz com que o agricultor possa aplicar apenas esse herbicida sobre a soja, reduzindo assim seus custos de produção e o número de aplicações. Outros benefícios trazidos pela soja Roundup Ready são o aumento da produtividade, a eliminação eficiente da matocompetição e a redução no teor de impureza e umidade nos grãos colhidos.

Com vistas ao registro de sua invenção, a Monsanto solicitou três pedidos subsidiários junto ao INPI, em 1996 e 1997. As três patentes são explicitamente patentes de genes de plantas; uma, de genes quiméricos; a segunda, uma sequência de DNA para intensificar a eficácia da transcrição e a terceira, uma construção de DNA para também melhorar a eficácia da transcrição.

O INPI deferiu os pedidos de forma condicionada à apresentação de documentos que comprovassem o registro de concessão de patente original, feito nos Estados Unidos. Para tanto, concedeu o prazo de cinco anos.

Decorrido o prazo sem a apresentação dos documentos, o Instituto cancelou a patente da Monsanto. Inconformada, a multinacional recorreu à justiça federal no Rio de Janeiro, por meio de Mandado de Segurança, visando manter o registro da patente.

As empresas que lidam com pesquisa somente realizam altos investimentos caso haja proteção legal aos resultados de suas investidas. Para isso, há a necessidade para a proteção de invenções biotecnológicas não somente devido aos interesses dos investidores e de seus empregados, mas também ao interesse público para a promoção deste desenvolvimento.

A patente é de cunho essencialmente financeiro para seu titular, pois este adquire o direito de impedir terceiros não autorizados a produzir, usar, colocar à venda, vender ou importar produto ou processo objeto de patente concedida. O registro da patente pode levar aos interessados em usufruir do invento a pagar royalties. As patentes são um pilar de nosso sistema econômico

OLIVEIRA em Cultura patentária e alimentos transgênicos (2001) explica que o sistema de patentes envolve uma relação custo-benefício, na forma que a indústria biotecnológica é caracterizada por custos muito altos na fase inventiva, custos relativamente

baixos na fase de produção e custos muito altos na fase de aprovação dos produtos. Acredita que somente será possível o progresso tecnológico a partir do momento em que pesquisadores tenham retorno financeiro de seu trabalho árduo e incerto. E estima que o desenvolvimento da soja Roundup Ready custou perto de US$ 500 milhões.

Um acordo entre a Monsanto, cooperativas e comerciantes de sojas criou um sistema de cobrança dos royalties sobre a colheita. O valor cobrado, no ano de 2004, foi de R$ 0,60 por saca de 60 quilos para o agricultor que declarou produzir soja transgênica e não realizou o teste. O agricultor que declarou que sua soja não era transgênica mas o resultado do teste foi positivo, por ser soja transgênica ou soja convencional contaminada, foi obrigado a pagar R$ 1,50 por saca de 60 quilos, mais os custos do teste. A empresa criou, assim, um sistema que permite a cobrança do direito de patente sobre a utilização de sua tecnologia RR.

Esta arrecadação só era possível com a patente, mesmo que provisória, da soja

Roundup Ready reconhecida pelo Instituto Nacional de Propriedade Industrial para a

Monsanto. E é este o processo que iremos analisar.