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Lei de Propriedade Industrial versus Lei de Proteção de Cultivares 59 

2.2 A LEGISLAÇÃO BRASILEIRA DE PATENTES E A BIOTECNOLOGIA 49 

2.2.4 Lei de Propriedade Industrial versus Lei de Proteção de Cultivares 59 

A edificação do sistema de proteção intelectual de variedades vegetais surgiu em decorrência do avanço tecnológico no setor de melhoria genética, que impôs a criação de um sistema de direitos e obrigações relativo à biotecnologia vegetal. Em se tratando da proteção envolvendo soja geneticamente modificada, o reconhecimento dos direitos de propriedade intelectual determinam a imposição, por cada país, de um sistema de recompensa equitativa a favor do titular dos direitos concernentes ao setor de sementes, o que pode ocorrer de formas variadas.

A Lei de Proteção de Cultivares atribui às cultivares melhoradas a possibilidade de apropriação intelectual, por meio do direito de melhorista. Os requisitos necessários a essa proteção são a novidade, distinção, homogeneidade e estabilidade. Observe-se, entretanto, que a Lei de Cultivares não concede patente de plantas, mas sim uma proteção específica para novas variedades vegetais obtidas por melhoramento genético, notadamente quanto às relações que tenham por finalidade a venda, reprodução, exportação, importação, armazenamento ou cessão, a qualquer título, do cultivar.

A matéria relativa à proteção de cultivares foi remetida para legislação especial em razão da importância do objeto a ser regulamentado porque atinente à biotecnologia e à vida humana, haja vista o lançamento de novos produtos no meio ambiente. O objeto de proteção é o material de reprodução ou de multiplicação vegetativa da planta inteira, sendo assim, protege-se a semente e não o grão. O direito de proteção abrange a reprodução comercial, ficando vedado a terceiros vender, oferecer à venda, reproduzir, importar, exportar, embalar, armazenar ou ceder, a qualquer título, sem prévia autorização.

Art. 28. Utilizar, comercializar, registrar, patentear e licenciar tecnologias genéticas de restrição do uso: Pena – reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.

Art. 29. Produzir, armazenar, transportar, comercializar, importar ou exportar OGM ou seus derivados, sem autorização ou em desacordo com as normas estabelecidas pela CTNBio e pelos órgãos e entidades de registro e fiscalização: Pena – reclusão, de 1 (um) a 2 (dois) anos, e multa.

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Ibidem. Art. 40. Os alimentos e ingredientes alimentares destinados ao consumo humano ou animal que contenham ou sejam produzidos a partir de OGM ou derivados deverão conter informação nesse sentido em seus rótulos, conforme regulamento.

O sistema de patentes deferido pela Lei de Propriedade Intelectual, por sua vez, abrange a proteção do cultivar como um todo, no conjunto de suas características, e confere ao titular do registro o direito a todos os royalties referentes à variedade protegida. De maneira geral, o patenteamento na área vegetal dá-se com o registro da planta no órgão competente, em geral vinculado ao Ministério da Indústria e Comércio. No Brasil, seria o Instituto Nacional de Propriedade Industrial, mas a priori as plantas não são patenteáveis no país. São requisitos necessários à proteção, pelo sistema de patentes, os critérios de novidade, atividade inventiva e aplicação industrial do bem a ser protegido, com vistas à aceitação do pedido e consequente registro.

As modalidades do sistema de patentes e dos direitos de melhorista ou proteção de cultivares diferem, basicamente, nos efeitos da sua proteção, visto que ambos têm a finalidade específica de promover a proteção intelectual de plantas, embora em diferentes perspectivas.

Os efeitos do direito de proteção por patente abrangem a necessidade de autorização para o desenvolvimento de pesquisas, de concessão para a venda das sementes, de pagamento de royalties a cada comercialização e de proibição da reprodução da matéria viva em causa, ou seja, abrangem a criação dos campos de replantio para formação de novas sementes.

A proteção por direitos de melhorista, por sua vez, se sobressai ao de patentes em razão da sua eficiência, haja vista demandar menos burocracia relativamente ao pagamento dos direitos, já que o pagamento devido a título de proteção intelectual ocorre uma vez só, na comercialização do material reprodutivo da soja.

A livre circulação da semente protegida para a realização de pesquisas independe da autorização do detentor do registro. Ainda, é possível a formação de campos de replantio para sementes, de modo que o agricultor poderá comprar uma semente protegida, plantá-la e utilizar os melhores grãos de sua safra como sementes para o próximo plantio.

No Brasil, a planta não poderá ser idêntica a uma já existente na natureza e, obviamente, também não poderá ser idêntica a uma já registrada no país ou em países com os quais o Brasil mantém Tratados. Mesmo que seja apenas semelhante a outro cultivar já existente, não poderá ser registrada, medida que serve para evitar as fraudes biotecnológicas.

Em síntese, os traços distintivos do sistema de patentes do sistema de proteção de cultivares são:

- o sistema de proteção de cultivares estabelece que os agricultores não devem pagar para cada multiplicação da planta protegida, como nas patentes;

- a pesquisa é livre, diferentemente do sistema de patentes, sendo livre também a nova obtenção;

- na proteção de cultivares o período de proteção pode variar em função da espécie, diferentemente do sistema de patentes, em que a proteção é de 20 anos;

- para a proteção pelo sistema de proteção de cultivares, as plantas devem ser homogêneas, estáveis e distintas das demais plantas conhecidas, enquanto que no sistema de patentes, a proteção requer que o objeto seja novo, represente atividade inventiva e seja passível de inserção em um processo industrial.

- o retorno dos investimentos no sistema de patentes é mais atrativo que no sistema de proteção de cultivares, porquanto, naquele, a cada nova safra os produtores devem pagar royalties proporcionalmente à quantidade colhida, de modo que o retorno sobre uma mesma semente patenteada ocorre várias vezes, enquanto que no sistema de proteção de cultivares é livre a obtenção de novas sementes pelos próprios agricultores. Ainda, os agricultores podem usar as sementes que eles colheram, mas não podem vendê-la.

Feitas as considerações de ordem estrutural acerca da LPI e da LPC, necessário se faz proceder ao detalhamento das referidas leis no que tange ao seu alcance, com vistas a delinear o objeto de proteção de cada uma delas. A Lei de Propriedade Industrial considera como patenteável a invenção que atenda a 3 (três) requisitos: novidade, atividade inventiva e aplicação industrial.

Para tanto, a lei classifica em seu artigo 1041 tudo o que não considera invenção, excluindo das hipóteses de patenteabilidade “o todo ou parte de seres vivos naturais e materiais biológicos encontrados na natureza, ou ainda que dela isolados, inclusive o genoma

41BRASIL. Lei n.º 9.279, de 14 de Maio de 1996. Regula direitos e obrigações relativos à propriedade

industrial. Art. 10. Não se considera invenção nem modelo de utilidade, como já assinalado: I - descobertas, teorias científicas e métodos matemáticos;

II - concepções puramente abstratas;

III - esquemas, planos, princípios ou métodos comerciais, contábeis, financeiros, educativos, publicitários, de sorteio e de fiscalização;

IV - as obras literárias, arquitetônicas, artísticas e científicas ou qualquer criação estética; V - programas de computador em si;

VI - apresentação de informações; VII - regras de jogo;

VIII - técnicas e métodos operatórios ou cirúrgicos, bem como métodos terapêuticos ou de diagnóstico, para aplicação no corpo humano ou animal; e

IX - o todo ou parte de seres vivos naturais e materiais biológicos encontrados na natureza, ou ainda que dela isolados, inclusive o genoma ou germoplasma de qualquer ser vivo natural e os processos biológicos naturais.

ou germoplasma de qualquer ser vivo natural e processos biológicos naturais” Por outro lado, a lei permite a proteção de microrganismos transgênicos42, que se tornam, portanto, a única possibilidade de patenteamento, nestas circunstâncias.

Registre-se que não obstante esta possibilidade, a definição da lei para microrganismos transgênicos, qual seja, “organismos, exceto o todo ou parte de plantas ou de animais, que expressem, mediante intervenção humana direta em sua composição genética, uma característica normalmente não alcançável pela espécie em condições naturais”, restringe a hipótese de proteção permitida pela dicção do inciso III, artigo 18 c/c parágrafo único deste mesmo artigo, já que excetua das possibilidades de proteção microrganismos que constituam o todo ou parte de plantas.

A favor da possibilidade de patenteamento de microrganismos nestas condições concorre apenas o fato de que, em princípio, desde que atendam aos requisitos de novidade, atividade inventiva e aplicação industrial, todas as invenções são patenteáveis. Há quem argumente, porém, que as pesquisas biológicas e de engenharia genética não estão compreendidas no quesito “atividade inventiva”, uma vez que não passam de descobertas e não invenções, pois são apenas submetidas à recombinação de materiais genéticos preexistentes ou a isolamento de substâncias que ocorrem na natureza.

Não obstante, o fato é que a lei possibilita a concessão de patentes a microrganismos, ainda que constituam parte de plantas, mediante interpretação reflexa do texto legal. Neste caso, o melhor entendimento repousa no fato de que embora plantas e animais superiores não sejam patenteáveis no país, as tecnologias relacionadas à manipulação genética envolvendo microrganismos tornaram-se, por disposição de artigo da lei, passíveis de patenteamento. A corroborar este entendimento, segue análise das disposições da lei de cultivares quanto ao tema.

Ao delinear seu âmbito de proteção, a lei de cultivares impõe como condição essencial a capacidade natural e própria do cultivar de se reproduzir sem a necessidade de interferência

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BRASIL. Lei n.º 9.279, de 14 de Maio de 1996. Regula direitos e obrigações relativos à propriedade industrial. Art. 18. Não são patenteáveis:

I - o que for contrário à moral, aos bons costumes e à segurança, à ordem e à saúde públicas;

II - as substâncias, matérias, misturas, elementos ou produtos de qualquer espécie, bem como a modificação de suas propriedades físico-químicas e os respectivos processos de obtenção ou modificação, quando resultantes de transformação do núcleo atômico; e

III - o todo ou parte dos seres vivos, exceto os microrganismos transgênicos que atendam aos três requisitos de patenteabilidade - novidade, atividade inventiva e aplicação industrial - previstos no art. 8º e que não sejam mera descoberta.

Parágrafo único. Para os fins desta Lei, microrganismos transgênicos são organismos, exceto o todo ou parte de plantas ou de animais, que expressem, mediante intervenção humana direta em sua composição genética, uma característica normalmente não alcançável pela espécie em condições naturais.

do homem, assim como ocorre na natureza. Isso equivale dizer que pós-melhoramento, a reprodução da planta deve ser independente da interferência humana e garantir as mesmas características identificadas pelos seus descritores, consagrando a estabilidade, distinguibilidade e homogeneidade, condições necessárias à proteção do cultivar.

Pode-se definir o gene como sendo uma sequência única de DNA que codifica informação genética, constituindo a base para o código genético. A moderna biotecnologia possibilita o isolamento do gene, capaz de cumprir às características de novidade, atividade inventiva e aplicação industrial, necessárias à proteção por patente, no âmbito da Lei de Propriedade Intelectual.

Importa consignar que esse gene ou microrganismo transgênico não constitui, para os fins da lei de proteção de cultivar - nem no todo, nem na parte -, uma planta capaz de se reproduzir por si só, necessitando para tanto da intervenção humana, tanto para a sua construção, quanto para sua transferência, a fim de que expresse sua característica numa outra planta ou organismo.

Sendo assim, a proteção do gene, considerado isoladamente, passa a ser atribuição da Lei de Propriedade Industrial, uma vez que esse microrganismo não cumpre a característica de reprodução independente do homem. Ocorre que, uma vez protegido o gene pela patente, esta se estenderá aos produtos gerados a partir dele, haja vista a nova característica inserida através deste gene, não alcançável pela espécie em condições naturais.

Assim, não obstante a proteção pela lei de cultivares, a cultivar estará também sujeita à proteção pelo sistema de patentes, haja vista o produto final desta cultivar depender do novo gene inserido. Isso porque enquanto que pelo sistema de Patentes são patenteados microrganismos e processos resultantes de engenharia genética, pela Lei de Proteção de Cultivares são protegidas espécies de plantas que sofreram melhoramento, o que possibilita a proteção de um mesmo organismo pelos dois sistemas instituídos.