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4 TESSITURA DA PAZ, EDUCAÇÃO PARA A PAZ E VALORES

4.1 Conversando sobre a Paz

Como se depreende, a paz não nasce por ela mesma. Ela é sempre fruto de valores, comportamentos e relações que são vividos previamente. O resultado feliz é então a paz, talvez o bem mais ansiado e necessário da humanidade atual.

(BOFF, 2006). Tratar de paz não é uma questão simples, pois, historicamente, esse assunto percorre toda a existência humana e, de uma forma ou de outra, presentifica-se no cotidiano da mais modesta pessoa ao mais eminente ser social e político. O que podemos dizer quando falamos de Educação para a paz?

A Educação para a paz deve ser um processo contínuo que perpassa todas as esferas, especialmente a social e a educacional, e necessita ser inserida como prática dialógica, capaz de proporcionar a busca constante de soluções, a fim de que essa temática se concretize e consolide como uma Cultura de Paz, que não seja apenas um modismo pedagógico ou uma tarefa a ser cumprida pela sociedade e pelas escolas, mas uma ação voltada ao fortalecimento de uma prática cotidiana para a educação e a formação do jovem, como possibilidade da prática efetiva. Nessa perspectiva, Jares (2001, p. 6) afirma, “[...] ainda que pareça paradoxal, educar para a paz não é e nem resulta algo harmonioso, isento de conflitos ou que incite unanimidade.”

Já se passou mais de um século, desde que os educadores Jean Piaget (1896-1980) e Maria Montessori (1870-1952) refletiram sobre a possibilidade da educação para a paz, na tentativa de contribuir com o fim da violência no mundo, que se esboçava de forma determinante durante a Primeira Guerra Mundial, dando início a uma série de Congressos, no sentido de fortalecer um espírito mais aberto e menos correligionário. Atravessou-se esse período e a humanidade se deparou com a Segunda Guerra Mundial, que representou uma continuidade da Primeira. Em 1948, a UNESCO possibilitou o desenvolvimento de iniciativas

que retomaram esse tema: “assim como as guerras nascem nas mentes humanas, é nas mentes

humanas que devem ser erguidas as defesas da paz” (GUIMARÃES, 2003, p. 24).

Nesse sentido, Burg (1974, p. 247) afirma que “[...] a paz depende, então, da

vontade do povo.” Igualmente, o argumento de Kant não se vale de critério de justiça, de

moralidade ou pacificidade, mas apenas do interesse próprio do povo:

Quando se exige o consentimento dos cidadãos para decidir “se deve haver

guerra ou não”, não há nada mais natural do que, já que eles devem decidir

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próprios bens para os custos da guerra, reparar penosamente a devastação que a guerra deixa atrás de si e, enfim, pleno de males, tomar para si mais um, um endividamento que torna a própria paz amarga e que – em razão da incessante proximidade de novas guerras – não será nunca saldado), eles refletirem muito para iniciar um jogo tão nefasto. Ao contrário, numa constituição que não é republicana, na qual o súdito não é cidadão, a guerra é a coisa mais impensada do mundo, porque o chefe não é sócio do Estado, mas seu proprietário. Na medida em que seus banquetes, caças, castelos de férias, festas da corte etc. não sofrem pela guerra o menor prejuízo, pode decidir a guerra por razões insignificantes, como uma espécie de diversão, e pode, por conveniência, abandonar com indiferença sua justificação ao corpo diplomático sempre pronto para isso (KANT, 2004, p. 351).

Conforme Guimarães (2006), nas décadas de 1950 e 1960, nos países nórdicos,44 deu-se início à pesquisa dessa temática, com a inserção em instituições de Ensino Superior, da disciplina ‘estudos de paz’, para alunos universitários interessados em estudar esse assunto. Outras ações foram tomando corpo, por meio de iniciativas como a formação de sindicatos ligados à educação e caravanas educativas possibilitando reflexões sobre a paz.

Ainda na década de 1960, com a introdução dos movimentos voltados à ‘não violência’, começaram a surgir, também, propostas de educação para a paz através de educadores como Lorenzo Milani (1923-1967), Danilo Dolci (1924-1997) e Paulo Freire (1921-1997), o que foi considerado um grande marco para o desenvolvimento dessa proposta de paz (JARES, 2007a).

A partir da década de 1980, houve uma maior expansão e consolidação dessa proposta, com o surgimento de associações de educadores, com publicações especializadas na temática, principalmente, com o envolvimento das escolas e da criação dos Conselhos Escolares, constituídos por representação de todos os segmentos (alunos, professores, funcionários e pais), como forma de democratizar essa participação e, consequentemente, atingir a proposta de uma educação voltada para uma Cultura de Paz.

Na década de 1990, quando da celebração da Conferência de Haia, os pacifistas de todo o mundo concluíram que seus esforços só teriam sentido para as novas gerações caso

houvesse a promoção dos direitos humanos, que “[...] não haveria paz sem educação para a

paz.” (UNESCO, 1999, p. 330), sendo lançada, então, a Campanha Mundial de Educação para a Paz cujos objetivos foram: 1) “[...] conquistar reconhecimento público da significação e

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Região formada por cinco estados-nação e três regiões autônomas (Dinamarca, Finlândia, Islândia, Noruega e Suécia e seus territórios associados, que incluem as Ilhas Faroé e a Groenlândia) que compartilham uma história em comum, bem como traços comuns em suas respectivas sociedades, como o sistemas político e o modelo nórdico. Politicamente, os países nórdicos não formam uma entidade separada, mas cooperam no âmbito do Conselho Nórdico. Linguisticamente, a área é heterogênea, com três grupos linguísticos independentes. (EUROPA..., 2014).

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importância de tal educação e 2) capacitar professores para a realização dessa tarefa.” (UNESCO, 1999, p. 331).

Com a introdução da temática da ‘Educação para a Paz’, no mundo, incentivada pela Organização das Nações Unidas (2004) e pela UNESCO (2005), consolidou-se o desenvolvimento de políticas públicas, inserindo a sociedade e lideranças diversas para participarem de momentos de reflexão, em capacitações, declarações e convênios, para que haja um fortalecimento e difusão da promoção da paz (ONU, 2004; UNESCO, 2005).

Atualmente, vários esforços acontecem no Brasil para o fortalecimento da Educação para a Paz, podendo-se citar, como exemplo disso, a realização de Congressos, Seminários, além de publicações em revistas, bem como o fortalecimento de Organizações não Governamentais (ONGs), pioneiras nessa temática, a Universidade da Paz (UNIPAZ), o Instituto Nacional de Educação para a Paz (INPAZ) e o Serviço de Paz (SERPAZ). Destaco, ainda, a publicação de teses e dissertações, programas de capacitação para professores, em universidades brasileiras, como a Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), através do curso de especialização lato sensu nessa temática da ‘Educação para a Paz’ (MACHADO, 2010).

Nesse sentido, a UFC, através do Grupo de Pesquisa Cultura de Paz, Espiritualidade, Juventudes e Docentes, vinculado ao Programa de Pós-Graduação desde 2007 que, sob a coordenação da professora Kelma Socorro Lopes de Matos, vem promovendo, anualmente, Seminários com professores e interessados na temática da Educação para a Paz, com o objetivo precípuo de capacitá-los, realizar pesquisas e disseminar esse estudo, buscando interações com outros saberes pertinentes, no sentido de concretizar essa prática nas escolas. O Grupo se reúne semanalmente para a realização de estudos e pesquisas para o aprofundamento desse assunto, a fim de proporcionar uma nova perspectiva para os estudos da ciência da paz nos dias atuais (MATOS; MACEDO, 2010).

Ainda no Ceará, podemos citar Instituições promotoras da Cultura de Paz, que vêm propagando práticas educativas, tanto na educação formal como na informal, como: Agência da Boa Notícia, que estimula a Cultura de Paz através da comunicação; Associação

‘O Semeador’, que forma jovens e crianças através de uma educação holística, envolvendo

Valores humanos; Organização Brahma Kumaris, que oferece meditação em colaboração para a formação holística e a paz interior; Centro de Defesa da Vida Herbert de Sousa (CDVHS), que trabalha com projetos de Cultura de Paz e cidadania no grande Bom jardim; Centro de Desenvolvimento Humano (CDH), que realiza ações com ênfase na educação e reeducação afetiva da vida, expansão de uma consciência ética transformadora da realidade, cuidando de

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toda forma de vida; ONG Estação Luz, que dissemina a Cultura de Paz e os Valores Humanos através de ações relacionadas à educação e à cultura; ONG Movimento em paz, que atua com ações em favor da paz através de palestras, caminhadas e formação para educadores relacionada à Cultura de Paz; Programa Cinco Minutos de Valores Humanos em Educação, com o objetivo de oferecer contos para serem utilizados em sala de aula diariamente, propondo o trabalho com os Valores Humanos; Programa Educacional de Resistência às Drogas e à Violência (PROERD), que se trata de uma formação, oferecida por policiais militares voluntários, que tem como objetivo principal esclarecer jovens estudantes sobre os malefícios das drogas e da violência, bem como estimular ações em favor da cidadania e da ética, com o objetivo de disseminar uma Cultura de Paz, dentre outros.

Em Fortaleza, o ‘Programa Fortaleza em Paz’ foi criado por iniciativa do professor Harbans Lal Arora, recorrendo à metodologia da meditação ou oração coletiva e individual, com a duração de 20 minutos, duas vezes ao dia, com o objetivo de promover a paz no espaço em que nos encontramos. Essa experiência está em vigor em algumas escolas de Fortaleza. Os resultados desse trabalho são considerados satisfatórios, pois além de promover a paz, vem contribuindo com o crescimento emocional do aluno, conforme o que é prescrito por Sampaio (2012).

Abordo a seguir o papel da escola no desenvolvimento de atividades voltadas para a disseminação da paz na comunidade de Chorozinho – CE.