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CAPÍTULO 4 – POLÍTICA GLOBAL MUNICIPAL 84

5.1   Cooperação Técnica 101

A ABC diferencia a cooperação internacional em quatro vertentes: financeira, técnica, educacional e científica-tecnológica. Embora essa distinção contribua para a divisão de responsabilidade entre órgãos distintos, é muito comum observar um mix entre elas dentro de um mesmo projeto. Nos estados e municípios brasileiros, é comum observar a diferenciação entre cooperação financeira (financiamento) e cooperação técnica (recursos não reembolsáveis para capacitação). Nesta dissertação, será dada preferência a essa visão simplificada dos governos locais –que muito tem a ver com a organização desses temas no governo federal.

A Agência Brasileira de Cooperação (ABC) é o órgão do Ministério das Relações Exteriores responsável por supervisionar os programas brasileiros de cooperação referentes à transferência de conhecimentos e tecnologias, dentro de acordos firmados com outros países e organismos internacionais. Entre as ações previstas nos projetos, destacam-se missões técnicas, intercâmbios de informações, estudos de viabilidade, capacitações e treinamento, além do trabalho conjunto na construção de novas soluções de políticas públicas. Eventualmente, pode-se contar com a doação de equipamentos ou até o custeio de infraestrutura, desde que em pequena

escala, não havendo aporte financeiro à instituição beneficiária da cooperação.

A estrutura da ABC se subdivide em duas modalidades. A cooperação recebida envolve parcerias com países desenvolvidos via relacionamento bilateral ou por meio de organizações multilaterais. Estados e municípios podem apresentar projetos a essas agências internacionais, sendo necessária, a princípio, a validação da Presidência da República e da ABC. Tais procedimentos foram necessários em dois projetos da Confederação Nacional de Municípios. O primeiro (2007 a 2008) contou com o apoio de 100 mil dólares da Agência Canadense para o Desenvolvimento Internacional (Cida) para a formulação de planos diretores em quatro municípios da Paraíba. O segundo (2009 a 2011) contou com recursos próprios do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), na ordem de 2 milhões de dólares, para a formulação de uma metodologia de desenvolvimento de capacidades em outros quatro municípios brasileiros.

Há casos de cooperação técnica que não passam, porém, por essa aprovação do governo federal. A experiência da cooperação entre São Paulo e Toronto, por meio da Cida, começou no mesmo ano em que a ABC foi criada (1988) e terminou dez anos depois, sem o envolvimento do governo federal. Mais recentemente (2010), o governo do Estado do Rio de Janeiro assinou um convênio diretamente com a Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (Usaid) com o objetivo de desenvolver atividades de inclusão profissional para jovens que cursam o ensino médio. A União Europeia, por meio do Programa Urbal, já apoiou mais de 180 projetos de cooperação técnica desde o seu lançamento, em 1995. Jacareí (SP) foi uma das cidades brasileiras contempladas com recursos para a construção de um Guia de Gestão pela Cidadania, sem necessitar de aprovação da União.

A segunda modalidade presente na ABC é a cooperação técnica entre países em desenvolvimento ou cooperação sul-sul. Ao mesmo tempo em que o Brasil presta cooperação para esses países em desenvolvimento, os técnicos brasileiros aprendem com as distintas realidades, dentro da concepção de uma relação mais simétrica. Curitiba foi convidada pela ABC, por diversas vezes, a colaborar com outras cidades em questões de

mobilidade, meio ambiente e planejamento urbano. Um exemplo é o projeto “Formulação do Programa Distrital de Reciclagem” com a prefeitura de Bogotá, que utilizou o sistema de reciclagem de lixo da capital paranaense. Uma oficina de capacitação em práticas de urbanização sustentável e gestão democrática para cidades da Cisjordânia também foi organizada pela ABC, em Brasília, com um segundo módulo de visitas técnicas a experiências de planejamento urbano em Curitiba.

Uma nova modalidade de cooperação internacional começa a ser testada no âmbito dos governos locais. A cooperação norte-sul-sul é uma tentativa de conjugar os dois modelos anteriores (norte-sul ou sul-sul). Deve- se considerar que um arranjo político institucional com três (cooperação triangular ou trilateral)9 ou mais países (cooperação cruzada) ampliam as dificuldades a serem enfrentadas. Esse foi o tema do “Seminário Brasil- França de Cooperação Cruzada para o Haiti e África”, realizado em junho de 2010. Um dos resultados foi a assinatura de uma convenção de parcerias entre a ABC e a cooperação internacional francesa (FCI) com vistas a promover e assegurar a implementação de projetos de cooperação técnica. A maior inovação talvez seja a previsão de editais de convocatória de projetos a serem aprovados por um comitê de que participam as três associações nacionais de municípios.

O levantamento dos projetos de cooperação internacional, em execução de 1999 a 2012, sob responsabilidade de estados e municípios, demonstrou a baixa participação destes em ações apoiadas pela ABC. Do total de 405 projetos em execução no âmbito multilateral e bilateral, apenas 90 deles apresentavam esse perfil (CORREA, 2009). Os principais temas abordados pelos referidos projetos incluem: Combate à Pobreza Rural; Prevenção da Violência; Educação; Meio Ambiente e Saúde Pública. Se analisarmos a perspectiva financeira, percebemos que esses 22% do total de projetos da ABC declinam para uma significância de 6% (no caso de estados)                                                                                                                

9 Segundo o Programa de Cooperação
Descentralizada Brasil-França, lançado pela ABC,

cooperação trilateral descentralizada “se refere às ações internacionais
empreendidas pelos governos subnacionais (Municípios e Estados) do Brasil e
coletividades territoriais francesas para promover ações coordenadas de
cooperação em favor das autoridades locais de um terceiro país (sendo no
caso específico deste Edital o Haiti ou um país do continente africano), a
fim de contribuir para a solução de seus desafios de desenvolvimento e
 fortalecimento de suas políticas públicas”.

e de 0,8% (no caso de municípios) do montante total aplicado ao longo desses anos (US$ 3.146.135.00).

Os projetos de cooperação técnica internacional se concentram na região Nordeste. Destaque também deve ser dado ao Estado do Amazonas (14 projetos). A participação da Região Sudeste (7 projetos por estado, com exceção de Espírito Santo) e do Distrito Federal (10 projetos) também é expressiva. Enquanto reformas na ABC continuam se direcionando para a cooperação sul-sul (ameaçando de extinção a cooperação recebida pelo Brasil), os governos subnacionais têm aclamado por recursos para novos projetos de cooperação técnica com países do Norte.

Tabela 1 – Projetos de Cooperação Internacional de Estados e Municípios na ABC

SUL SUDESTE CENTRO-OESTE NORTE NORDESTE

4 23 13 20 38

Fonte: CORREA (2009).

Inúmeros projetos de cooperação bilateral têm sido elaborados, nos últimos anos, por iniciativas próprias dos governos locais. Nesses casos, não há participação nem da ABC nem de agências internacionais de desenvolvimento. Os recursos são dos próprios governos subnacionais dos países do Norte, com contrapartidas dos governos locais brasileiros. A fim de cumprir o compromisso de aumentar os fundos próprios destinados à cooperação internacional até alcançar 0,7% do orçamento total, só o Município de Barcelona, na Espanha, prevê um orçamento de 15.300.000,00 em euros para 2012. Entre os projetos já realizados no Brasil, podemos destacar a parceria da cidade do Rio de Janeiro com Paris (restauração do centro histórico) ou da prefeitura de São Paulo e a Região Île de France com atividades nas áreas de Saúde, Cultura e Desenvolvimento.

Outras modalidades de cooperação técnica com governos locais envolvem ONGs e demais atores que, dada sua diversidade, não serão aqui aprofundadas.