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Cooperativas: surgimento e características distintivas

Capítulo 2. Economia Solidária e Cooperativismo

2.2 Cooperativas: surgimento e características distintivas

Conforme explica Pinho (1966), o marco do nascimento oficial do cooperativismo é a fundação da Cooperativa dos Pioneiros Equitativos de Rochdale na Inglaterra em 1844. Conforme a mesma autora, atribui-se à Charles Gide (1847- 1932) e também a Beatriz Potter Web o trabalho de organizar e sistematizar a doutrina cooperativista, a partir das experiências que aconteciam na Europa dessa época.

Em seu estatuto de fundação, a cooperativa de Rochdale definiu princípios e valores que guiavam o empreendimento. Cinquenta anos depois, em 1895, em

Genebra, foi criada a Aliança Cooperativa Internacional (ICA da sigla em inglês) que congrega atualmente empreendimentos cooperativos de diferentes ramos em todo o mundo. A ICA foi fundada com o intuito de “continuar a obra” dos Pioneiros de Rochdale (PINHO 1966), e possui hoje a revisão mais recente dos princípios cooperativistas (revisão de 1995), tidos como os fundamentados da doutrina, conforme ICA (2012):

 adesão voluntária e livre de seus membros;

 gestão democrática e participação econômica dos membros na criação e no controle do capital;

 educação e formação dos sócios;

 intercooperação no sistema cooperativista;  Autonomia e independência;

 Preocupação com a comunidade.

Em resumo, os princípios orientam os empreendimentos a se organizarem de forma democrática, igualitária, com participação de todos os sócios, não apenas na organização do trabalho, mas também na distribuição dos resultados auferidos por sua operação. Direcionam ainda a uma participação ativa do empreendimento na comunidade onde está inserido, assim como o compromisso com a formação dos sócios (e não sócios) quanto aos valores que regem o empreendimento.

Gaiger (1999) explica que os traços singulares e essenciais das cooperativas residem no caráter do vínculo associativo, indissoluvelmente ligado à socialização e à partilha do trabalho em que a cooperação é cerne dos empreendimentos. Também Lima (2004) destaca o formato diferencial dessa organização: autogestão, igualdade de direitos de todos os membros; propriedade comum do capital, e também sua gestão democrática.

Assim, a peculiaridade da cooperativa autogestionária é a perda da hegemonia do capital como fator para organização do trabalho, da gestão e da divisão dos resultados (SINGER e SOUZA 2000). Trata-se de uma empresa baseada no trabalho, na atividade realizada em comum, na pessoa, que é quem realiza a atividade (RUFINO 2005).

A ICA define a cooperativa como “[...] uma associação autônoma de pessoas unidas voluntariamente para alcançar necessidades econômicas, sociais e culturais e demais aspirações comuns através de uma empresa de posse compartilhada e

democraticamente controlada” (ICA 2012, tradução livre do original). Ainda segundo a mesma organização, as cooperativas comungam os seguintes valores: “[…] autoajuda, autorresponsabilidade, democracia, igualdade, equidade e solidariedade. [...] os membros das cooperativas acreditam nos valores éticos de honestidade, franqueza (openness), responsabilidade social e cuidados pelos semelhantes” (ICA 2012, tradução livre do original).

Como explicam Pinho (1966) e Singer (2002) existem três modelos básicos de cooperativas, em torno dos quais são organizadas diversas outras variações:  Cooperativismo de Consumo: essa forma de cooperativismo tem como objetivo

oferecer a seus sócios bens e gêneros de consumo geral. Sua organização pauta- se na associação de capital dos associados a fim de aumentar o poder na relação de compra frente aos fornecedores, conseguindo assim produtos de melhor qualidade e preço do que seus associados conseguiriam atuando individualmente no mercado.

 Cooperativismo de Crédito: sua função é oferecer empréstimos a seus associados a taxas de juros muito baixas. Surge inicialmente para atender a necessidade de dinheiro dos pobres, a fim de que eles consigam sobreviver em épocas de desemprego, perdas de produção agrícola, crises militares ou doenças.

 Cooperativismo de Produção: essa forma de cooperativismo associa os produtores de bens ou serviços. Seu objetivo é associar trabalhadores para a produção de bens e serviços que serão comercializados no mercado, a fim de que estes tenham melhores oportunidades de produção e de comercialização de seus produtos.

Singer (2002, p. 88) ressalta que as cooperativas de consumo e crédito, sozinhas não alteram a forma da organização social, porque constituem um mecanismo de proteção aos marginalizados que buscam aumentar seu poder de barganha no mercado, sem, no entanto, interferir nas regras e lógica do mercado. Desta forma, para o autor, são as cooperativas de produção que constituem, de fato, um modo de produção alternativo, exatamente porque estendem a democracia e a igualdade à totalidade dos que trabalham nele (idem). Em suas palavras, o cooperativismo de produção “[...] é o protótipo de empresa solidária. Ela o é porque associa os produtores, e não seus fornecedores ou clientes, como fazem as

cooperativas de consumo, de crédito e de compras e vendas.” (SINGER 2002, p. 90).

Não obstante, como ressalva o mesmo autor, as duas primeiras formas de cooperativismo, em especial a de crédito, constituem modelos extremamente importantes para a ação conjunta de criação e fomento de nova organização laboral e social.

No Brasil, há legislação específica que rege as cooperativas. A lei 5.764/71, – Política Nacional de Cooperativismo - cria e rege essas instituições juridicamente. Conforme a lei, “Celebram contrato de sociedade cooperativa as pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir com bens ou serviços para o exercício de uma atividade econômica, de proveito comum, sem objetivo de lucro.” (BRASIL 1971, art. 3°). A lei define ainda que “As cooperativas são sociedades de pessoas, com forma e natureza jurídica próprias, de natureza civil, não sujeita a falência, constituídas para prestar serviços aos associados [...]” (BRASIL 1971, art. 4°).

Portanto, as cooperativas são empreendimentos econômicos que não visam ao lucro, constituído pela união voluntária de pessoas, e não de capital, que buscam contribuir para o exercício de uma atividade de proveito comum.

Conforme a lei, em seu terceiro capítulo, as cooperativas podem adotar qualquer gênero de serviço, operação ou atividades, e ainda podem ser de caráter público ou privado, isoladas ou coordenadas entre si.

Conforme explicam Slivnik et al. (2012), as cooperativas tornaram-se um tema controverso no âmbito jurídico, pois são utilizadas para organizar os trabalhadores como autônomos, substituindo assim a contratação de emprego formal. Conforme destacam os autores, o artigo 90 da lei n. 5.764/71 define que não existe vínculo empregatício entre a cooperativa e seus associados, o que criou uma possibilidade para a formação de falsas cooperativas de trabalho (também chamadas de cooperfraudes), usadas para burlar a legislação trabalhista (SLIVNIK et al. 2012).

Mais recente, a lei nº 12.690, de 19 de julho de 2012, dispõe sobre organização e funcionamento das cooperativas de trabalho. Essa lei tenta fechar a brecha jurídica anterior das cooperativas de trabalho, imponto regras para elevação do custo do trabalho dos associados, nos mercados de serviços terceirizados, ao mesmo tempo em que direciona essas cooperativas para o âmbito da economia solidária (SINGER apud SLIVNIK et al. 2012).

Conforme o exposto na lei 12.690/12, as cooperativas de trabalho são “sociedade constituída por trabalhadores para o exercício de suas atividades laborativas ou profissionais com proveito comum, autonomia e autogestão para obterem melhor qualificação, renda, situação socioeconômica e condições gerais de trabalho” (BRASIL 2012, Art. 2°). As cooperativas de trabalho podem ser “[...] I – de produção, quando constituída por sócios que contribuem com trabalho para a produção em comum de bens e a cooperativa detém, a qualquer título, os meios de produção; e II – de serviço, quando constituída por sócios para a prestação de serviços especializados a terceiros, sem a presença dos pressupostos da relação de emprego.” (BRASIL 2012, art. 4°). Portanto, os objetos de estudo desse trabalho são regidos por essa lei, uma vez que configuram-se como cooperativas de produção.

Dessa forma, pode-se apreender da lei que as cooperativas possuem caráter de associação entre iguais, que se organizam de forma autogestionária e, portanto, sem relações de subordinação, e há ainda exigência de que os bens de produção pertençam à cooperativa, ou seja, é de propriedade de todos.

Há ainda no primeiro capítulo da nova lei princípios e valores que devem reger as cooperativas de trabalho, muito alinhados com os princípios preconizados pela ICA.

Por fim, sobre o movimento cooperativista no Brasil, é importante destacar também, conforme explicam Eid e Chiariello (2009) que principalmente a partir da década de 1990, ficam evidentes duas vertentes distintas de empreendimentos cooperativos.

Uma constituída de cooperativas “autênticas” (sob a ótica da ES), ou seja, comungam dos preceitos apresentados anteriormente. A outra, chamada de “tradicional”, congrega empreendimentos cooperativistas que herdam as diretrizes de organização das empresas capitalistas tradicionais, como a busca por eficiência e gestão baseada, sobretudo, no modelo capitalista (EID; CHIARIELLO, 2009). Essas cooperativas tradicionais são representadas em âmbito nacional pela Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB) e não são objeto de estudo deste trabalho.