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Organização do trabalho e processos de produção

Capítulo 4. Casos estudados

4.1 Estudo de Caso 1: A Cooper-x

4.1.2 Organização do trabalho e processos de produção

A atividade produtiva da cooperativa pode ser resumida em coletar materiais recicláveis em diversos pontos da cidade, fazer a triagem deste material e disponibiliza-lo para a comercialização. Na Figura 7 vê-se o diagrama do processo produtivo da cooperativa.

Figura 7. Processo produtivo Cooper-x. Elaborado pelo autor.

Segundo a classificação proposta por Wild (1977) o processo pode ser entendido como uma estrutura “SOS” (Stock To Stock), composta por subprocessos do mesmo tipo.

Coletar Materiais

Triar Prensar Estoque em Fardos

Quebrar

Vidro

Rejeito Triagem Fina

Papel e Plástico Carregar Caminhão (venda) “Desinflar” Isopor Estoque em Toletes Sucatas Materiais de Maior volume Pesar Atividade Estoque Legenda: e1 e2 e3 e4 e5 e6 FIM Descarregar / Pré-triar

O processo inicia-se com a coleta do material em casas, condomínios residenciais e comerciais, supermercados, hospitais, prédios públicos e em Pontos de Entrega Voluntária (PEVs). Após a coleta, o caminhão segue para balança da prefeitura onde é pesado e liberado para a cooperativa. Na cooperativa, o caminhão é descarregado pela mesma equipe de coleta e há uma pré-triagem dos materiais com a separação daqueles de maior volume, tais como cadeiras, mesas e sucatas, dispostas nas respectivas caçambas Figura 8[a]. O material coletado é amontoado num setor no início das esteiras de triagem Figura 8[b].

Figura 8. Fotos Cooper-x - entrada e pré- triagem.

Em seguida, a equipe de triagem alimenta as esteiras de triagem, onde trabalham cerca de 30 cooperados, a grande maioria mulheres (Figura 9[c]). O material triado é colocado em bags (Figura 9[d]) e cada bag possui a identificação do cooperado que triou o material. A equipe de triagem é composta por um coordenador, por pessoas que fazem a triagem propriamente dita e por pessoas que são ‘apoio’. Os ‘apoios’ são responsáveis por alimentar as esteiras com material, movimentar os bags cheios, fazer a pesagem, e retirar o rejeito do fim da esteira.

Figura 9. Fotos Cooper-x – triagem do material.

Há rotas alternativas para alguns materiais. Os vidros são encaminhados para a equipe do vidro que fará a seleção por cor e a quebra, deixando os cacos em containers (Figura 10[e]). O papel branco também é enviado para um setor de triagem fina do material (Figura 10[f]); o mesmo acontece com alguns tipos de plástico, tais como o PP e PEAD. O “isopor”, também é amontoado em setor específico (Figura 11[g]) até que atinja montante suficiente para se utilizar uma máquina que aumenta significativamente sua densidade (Figura 11[h]).

Figura 10. Fotos Cooper-x – vidro e triagem fina.

Figura 11. Fotos Cooper-x - isopor.

Após a triagem, todo material triado é pesado e há o controle de produção por cooperado (medido em quilogramas), em duas vias: uma fica com o cooperado e a outra segue para o secretário adjunto, responsável por compilar toda a produção. Todo material fica num estoque intermediário até juntar volume suficiente para formar um fardo e então segue para a prensa (Figura 12[i]). Após prensados, os materiais são estocados na área externa do galpão para serem comercializados (Figura 12[j]).

Figura 12. Fotos Cooper-x - prensa e fardos.

Como de destaca na Figura 7, há diversos estoques intermediários ao longo do processo. Em alguns casos, eles são feitos propositadamente valendo-se da estratégia de regulação do uso de recursos (WILD, 1977), como é o caso do estoque e1, garantia de continuidade da esteira, e do estoque e4, que garante o uso ininterrupto das prensas. O estoque e2 é um caso especial, pois a cooperativa não tem volume suficiente de material para manter o recurso da etapa 4C operando. Os estoques e3, e5 e e6 (Figura 7) são materiais acabados. De modo geral, os materiais acabados não permanecem estocados por mais de uma semana, apenas materiais como isopor, eletrônicos e alguns tipos de plástico (PVC) podem ali

permanecer diversas semanas ou meses até formar um montante que justifique sua retirada pelo comprador.

Para realizar seu trabalho, a cooperativa conta com um bom conjunto de equipamentos, quase todos eles cedidos pela prefeitura municipal, com exceção de um caminhão Hyundai – HR e um Volkswagen Kombi, que pertencem à cooperativa. Dentre os equipamentos utilizados estão: caminhões para a coleta, esteiras para movimentar o material, prensas, empilhadeiras, caçambas, uma máquina que reduz o volume do isopor, e uma mini-escavadeira.

Todos esses equipamentos estão dispostos e organizados de modo a criar um leiaute produtivo orientado ao produto (DAVIS, AQUILANO e CHASE 2001), ou seja, cria-se um fluxo de produção, em que cada etapa é especializada, mas o trabalho provê grande flexibilidade para tratar diversos tipos materiais.

Todas essas atividades são executadas pelas equipes apresentadas previamente na Figura 6B e no Quadro 9 são descritas as atribuições de cada uma das equipes e a forma como cada atividade é remunerada.

Há sete equipes de trabalho na cooperativa, contando a diretoria, compostas por um total de dezesseis cargos mais a cozinheira. Cada equipe possui uma atribuição e existem formatos de remuneração específicos. O Quadro 9 ilustra cada uma das funções, suas atribuições e forma de remuneração.

A divisão de tarefas é bem clara, com forte especialização do trabalho. Não há um plano para mudanças de cargos nem de rotação ou de ascensão dentro da hierarquia da cooperativa. Todos os cargos de coordenação ou de diretoria são definidos por eleição; para os demais cargos somente há mudança de função quando há vacância da posição e, nesse caso, os cooperados são consultados sobre o desejo de ocupar o cargo vago. Cabe destacar ainda que há diferença na retirada para cargos de coordenação, como se explica mais à frente.

Quanto ao trabalho em si, embora haja especialização horizontal (MINTZBERG 2003), a dimensão vertical (administração) é grandemente ampliada, pois todos os trabalhadores são responsáveis por definir e coordenar seu trabalho e também por controlar o resultado e o desempenho do trabalho de seus pares e das etapas adjacentes. Não cabe ao coordenador controlar e definir, ele assume um papel de facilitador e de apoio operacional, garantindo que o processo de produção não pare.

Equipe Cargos Núm.

Pessoas Responsabilidade (no âmbito operacional): Forma de Remuneração Diretoria  Presidente  Tesoureiro  Secretário  Adjunto 1 1 1 1

Vender, faturar, controlar a produção e o roteiro de coleta.

Horas trabalhadas ou fixo.

Roteiro  Coordenador

 Roteirista 11 1 Coletar o material nos locais pré-definidos e gerir os caminhões da prefeitura.

Produção (Kg)

Externa  Coordenador

 Ajudantes 1 2 Locomover os fardos e materiais mais pesados dentro e fora do galpão. Auxiliar o descarregamento e o carregamento de caminhões. Horas trabalhadas Triagem  Coordenador de Galpão  Triagem (Esteira)  Papel Branco  Plástico  Apoio 1 31 2 2 4

Triar o material recebido, segregando conforme definições dos clientes.

Produção (Kg) (Apoio e

Coordenação: horas

trabalhadas) Prensa  Prensista 4 Criar os fardos dos materiais Produção (Kg) Isopor  Isopor 2 Fazer seleção fina do isopor

que chega da esteira. Produção (Kg) Vidro  Vidro 3 Fazer seleção fina do vidro

que chega da esteira,

classificar e quebrar o vidro.

Produção (Kg)

Geral  Cozinha e

Limpeza 1 Arrumação e limpeza dos espaços comuns da cooperativa.

Horas trabalhadas

Quadro 9. Cooper-x - equipes, funções e forma de remuneração.

Assim, tomando como referência as estruturas organizacionais propostas por Mintzberg (2003), essa cooperativa possuiu estrutura simples, em que predomina o núcleo operacional, com ínfima linha intermediária, e uma cúpula estratégica (diretoria) muito enxuta. A tecnoestrutura e a assessoria de apoio são totalmente externas à organização, executadas por ONGs, poder público, empresas parceiras e prestadores de serviços esporádicos.

Como se pode observar no Quadro 9, há diferença na forma com que cada um dos trabalhos é remunerado. É importante destacar que todos os formatos de remuneração e suas diferenças foram sugeridos pelos cooperados e, ao longo dos anos, discutidas e aprovadas em assembleias. Conforme relata os cooperados mais

antigos, no início da cooperativa, todos eram remunerados igualmente, por horas de trabalho, e o controle era exclusivamente a presença do trabalhador na cooperativa. Nessa situação, a cooperativa produzia pouco material e ainda havia aqueles que não se dedicavam ao trabalho. Assim, aqueles que estavam mais comprometidos, e eram mais dedicados começaram a reclamar e propuseram a mudança de controle da produção.

Conforme levantamento, o objetivo das mudanças sempre foi o de aumentar a retirada do final do mês, ou seja, aumentar a produção, e privilegiar aqueles com maior dedicação ao trabalho. Tais diferenças de formatos de remuneração também são apontadas em outros trabalhos (cf. SEVERINO; EID; CHIARIELLO, 2013). Cabe destacar ainda que conforme estudo sobre as retiradas individuais, a diferença entre aqueles com maior e menor retirada não ultrapassa três vezes.

Na equipe de “Roteiro”, os cooperados são remunerados em função da quantidade de material, medida em quilogramas, trazido para a cooperativa, o que incita a coleta.

As equipes de triagem, vidro, isopor e prensa também são remuneradas em função da sua produção mensal (medida em quilogramas), e a equipe de triagem também conta com membros que são remunerados por hora: a coordenação e quatro pessoas denominadas “apoios”.

A equipe ‘externa’ é remunerada por hora de trabalho.

Todos os trabalhadores estão sujeitos ao controle de presença em início e fim do dia, devendo avisar a saída antecipada a seus respectivos coordenadores.

A remuneração da diretoria é diferenciada e cada cargo tem um valor fixo mensal. Essa diferenciação foi aprovada em assembleia geral, com o argumento de que presidente e tesoureiro têm grande responsabilidade perante a cooperativa, pois podem responder judicialmente por seus atos. Contudo, vale destacar que essa remuneração diferenciada está atrelada a um grau desejado de desempenho operacional e financeiro da cooperativa (sobre as quais o presidente e o tesoureiro têm grande influencia, pois superior ao pagamento “por hora” padrão (enquanto o indicador estiver positivo comercializam o material, decidem sobre despesas e recebem o dinheiro das vendas). Assim, há um índice de resultado operacional considerado muito bom pelos cooperados. Se esse índice for alcançando e mantido, o presidente e tesoureiro têm direito a um salário fixo mensal). Cabe ressaltar ainda que, dentro desse nível de desempenho, a diferença da retirada do presidente

(maior salário fixo) e de um cooperado que ganha por hora (que tenha trabalhado adequadamente todos os dias), não supera o triplo do salário do cooperado horista.

Dentro do esquema de remuneração, está previsto um bônus de 40 horas mensais para os coordenadores que mostram bom desempenho em suas funções. Esse bônus funciona como compensatório de custo de oportunidade, pois geralmente os coordenadores são os que têm melhor formação, desenvoltura na execução das atividades ou conhecimento técnico sobre os materiais, sendo assim, muitas vezes são convidados por agentes externos, tais como ONGs e clientes para trabalhar nessas empresas parceiras e clientes. Conforme relato dos cooperados, o bônus de 40 horas mensais surgiu porque os cooperados atribuem uma responsabilidade adicional aos coordenadores: o de organizar o trabalho, cobrar desempenho dos trabalhadores, manter o fluxo operacional e resolver conflitos internos. Ainda assim, para conseguir o bônus, há a votação em assembleia, mensalmente, para decidir se o coordenador merece o pagamento adicional.

O cálculo da sobra a ser repartida entre os cooperados segue a mecânica ilustrada na Tabela 1. É importante notar que, após a subtração das despesas e do fundo de reserva para o mês seguinte, é feita uma “conta de chegada”, que busca equilibrar a remuneração dos cooperados remunerados por hora, e dos cooperados remunerados por produção, para que não haja grandes diferenças. O objetivo é igualar a retirada de um cooperado “médio” horista com um cooperado “médio” da produção. Diferenças acontecem apenas para aqueles que se destacarem na produtividade ou na dedicação em horas.

Tabela 1. Cálculo da sobra - Cooper-x.

A lógica do cálculo é a que segue: calcula-se a receita total e a disponibilidade de caixa (A), subtraindo a despesa total do período (B). O resultado (C) é a receita líquida, de onde são descontados 10% para o fundo da cooperativa,

A Comercialização 11.739,24 B (-) Despesas 1.112,59 C = TOTAL 10.626,65 D (-) Fundo (10%) 1.062,67 E = Receita líquida 9.563,99 F (-)Produção 5.820,66 G (-)Sub-total 3.740,15 H Total 3,18

que serve como disponibilidade de caixa para o próximo período. Chega-se a um novo resultado líquido da receita (E) que será distribuído entre os cooperados.

Para calcular as linhas F e G, que são os montantes pagos para os trabalhadores de produção e horistas, respectivamente, a tesoureira parte do valor padrão para cada material e do valor padrão para a hora trabalhada, tendo como referência o mês anterior. Esses valores iniciais são multiplicados pela produção e pelo total de horas do período. Caso os valores iniciais excedam o montante da linha E, a linha H mostra um resultado negativo, e a tesoureira diminui os coeficientes iniciais. Caso haja sobra na linha H, a tesoureira aumenta os coeficientes de produção e hora, de forma a chegar o mais próximo de zero.

É importante notar que a cooperativa pratica a divisão de todo o valor, mês a mês, contando apenas com o dinheiro provisionado no fundo (linha D) para arcar com as despesas do mês seguinte. Essa prática deixa pouca margem para situações de despesas não previstas e é comum ter de usar o dinheiro da receita que entra no mês para arcar com despesas do mês corrente.

A cooperativa recolhe também o INSS e IRPF de cada cooperado. Esses valores são calculados pelo contador, após envio da planilha com o cálculo do valor bruto de cada cooperado.

Por fim, ainda no que se refere à organização do trabalho, o estatuto da cooperativa, no capítulo dos objetivos, estabelece que a cooperativa deve: “Providenciar e organizar os serviços de modo a aproveitar a capacidade dos associados, sempre os distribuindo conforme suas aptidões e interesses coletivos dos mesmos” (Estatuto Art. 2°, item ‘h’).

Aqui reside mais uma hipótese de distinção na gestão de uma cooperativa em relação a uma empresa convencional. A decisão sobre o método de trabalho está subordinada às necessidades, aptidões e objetivos do trabalhador e deve tomar prioritariamente suas capacidades e interesses como critério primário para construir o método de trabalho. Diferentemente de uma empresa convencional, onde primeiro se pensa o processo e competências necessárias, e depois se contrata alguém com o perfil “adequado”.

Portanto, a característica de “aproveitar as capacidades dos associados” sugere que nesse tipo de empreendimento as condições laborais das pessoas precedem a organização produtiva, ou seja, segundo o estatuto, a organização deve

ser pensada de forma a incluir as pessoas, e não o contrário, que é tradicional das empresas, onde primeiro se pensam os processos e sua eficiência e depois se verifica quais habilidades são necessárias. Essa constatação está em linha com a proposta de Coraggio (2006, apud CHIARIELLO; EID 2010) já que um dos objetivos da cooperativa é a adequação dos elementos da cooperativa às vontades dos cooperados.

Contudo há duas situações que precisam ser analisadas sobre esse assunto de existir uma precedência do bem estar do cooperado à eficiência operacional.

No primeiro caso, há de se notar que a estrutura produtiva e a definição dos processos, máquinas e funções foram entregues prontas para as cooperativas, e seus membros não tiveram alternativas a não ser aceitar tal organização imposta. Dessa situação nasce uma segunda, que mesmo herdando tal tecnologia e leiaute, propôs uma evolução organizacional que, em busca de um modo de produção igualitário, limitado pela tecnologia instalada, os cooperados criaram uma rotação no uso dos equipamentos, de modo que todos os cooperados de uma função tivessem a mesma oportunidade de produzir, com menor influência da tecnologia sobre os resultados individuais. Isso se observou em dois casos: o primeiro com a rotação no uso das prensas, uma vez que cada prensa tem uma eficiência diferenciada; a segunda, na organização da esteira, onde embora não haja a rotação da função, os cooperados alternam diariamente o material a ser coletado e, a cada dia, cada cooperado tem a função de coletar três tipos distintos de materiais, igualando assim as oportunidades de produção de materiais com maior ou menor valor.

Dessa situação de organização identificada há de se notar uma terceira hipótese de situação distintiva em relação à organização do trabalho em organizações convencionais. O método de trabalho, ao empregar tecnologias com diferentes rendimentos e que influenciem no resultado do trabalho dos cooperados, deve ser democrático no uso das tecnologias, obedecendo a uma organização que, por exemplo, faça o intercâmbio das máquinas entre os cooperados, implantando assim um método democrático de produção.

Essa situação não é necessária numa empresa padrão uma vez que nesta não há alteração no resultado final, com o intercâmbio de equipamentos entre funcionários, pois nela se busca maximizar a saída e minimizar o uso de recursos. Ao contrário, principalmente se a rotação no uso dos equipamentos acarretar em

diminuição da eficiência e da destreza do trabalhador, essa situação será evitada ao máximo.

Já na empresa cooperativa, que adote métodos de remuneração diferenciada por cooperado, as condições de trabalho e o acesso aos equipamentos e insumos devem ser igualitários.