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D (coordenadora de equipe) Após a entrada dos alunos e a acomodação dos mesmos em suas salas,

volto-me às atividades que me aguardam para as próximas horas: responder à um relatório do Centro de Formação que deseja conhecer em que momentos do cotidiano proporciona-se atividades de Linguagem Oral e Escrita. São três páginas de perguntas que são respondidas reflexivamente e roubam algum tempo meu e de minha companheira de coordenação. Terminado, dei uma volta pela escola para acompanhar a movimentação dos alunos, que a esta altura saíam para lavar as mãos – se preparavam para a merenda.

Outro ponto a ser comentado refere-se à percepção quanto a organização dos tempos pedagógicos, especificamente ao controle do tempo destinado as atividades de linguagem oral e escrita nas instituições de Educação Infantil, o que revela um descompasso entre aquilo que temos como parâmetro nacional para o trabalho na Educação Infantil (BRASIL, 2006) e aquilo que se propõe como currículo dessa instituição de Educação Infantil. Tal descompasso revela uma concepção de Educação Infantil atrelada a uma visão preparatória para o Ensino Fundamental, sendo complementada com uma concepção de gestão pautada no controle e que reforça a tendência à hierarquização e não participação da equipe dentro das unidades educacionais.

Como parte da Educação Nacional, a Educação Infantil passa a ser regulamentada e constituindo sua identidade burocrática como uma instituição educacional com características próprias, sendo a organização proposta para essa instituição pautada em diretrizes nacionais de funcionamento.

Conforme Oliveira (2010),

As creches e pré-escolas, como parte do sistema de ensino, conforme determina a LDB (Lei nº 9.394/96), necessitam de Diretrizes Curriculares Nacionais para orientar suas propostas pedagógicas e suas práticas cotidianas junto às crianças. Essas Diretrizes estabelecem parâmetros básicos que articulam o processo peculiar de ensino-aprendizagem na educação infantil com as diferentes etapas da Escola Básica, vencendo a longa tradição assistencialista e escolarizante que tem marcado as creches

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e pré-escolas. [...] As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil – DCNEIs (Resolução CNE/CEB nº 05/09) destacam a necessidade de estruturar e organizar ações educativas com qualidade, articulada com a valorização do papel dos professores que atuam junto às crianças de 0 a 5 anos e 11 meses de idade. Estes são desafiados a construir propostas pedagógicas que, no cotidiano de creches e pré- escolas, permitam a escuta e a participação das crianças, acolham a forma delas significarem o mundo e a si mesmas, e promovam diversificadas situações em que elas são cuidadas e educadas. Seus primeiros artigos definem a estrutura legal e institucional da Educação Infantil, consolidando a presença das creches e pré-escolas no sistema de ensino: número mínimo de horas de funcionamento, atendimento no período diurno, oferta de vagas próxima à residência das crianças, acompanhamento do trabalho pelo órgão de supervisão do sistema, idade de corte para efetivação da matrícula, número mínimo de horas diárias do atendimento e alguns pontos para sua articulação com o Ensino Fundamental. Além disso, nesses artigos, também há a definição de currículo assim como de criança alinhada com a concepção de criança como sujeito de direitos.

Disponível em: < http://www.gestrado.org/pdf/150.pdf> Acesso em julho de 2014.

Por outro lado, o relato 18 D desabafa que o preenchimento do relatório, embora feito reflexivamente “rouba algum tempo” acaba por nos dar indício de que não há participação da equipe gestora dentro de um projeto maior – um projeto de rede – indicando um não pertencimento a proposta implementada em termos de elaboração. A não participação a nível macro fortalece a tendência a não criar espaços participativos na escola, reproduzindo as práticas hierarquizadas em seu interior, pedagógica e burocraticamente.

Ao entrar em contato com os relatos dos gestores focando o olhar para sua percepção de trabalho e a forma como se percebem na profissão vemos o quanto é fundamental a ação conjunta da dimensão administrativa e pedagógica presentes em seu trabalho para a dinamização dos processos educativos que acontecem na escola e o quanto essa articulação representa um desafio.

Os trechos dos relatos destacados até o momento apontam para um cotidiano da gestão escolar onde o trabalho voltado para o administrativo muitas vezes se sobrepõe ao trabalho pedagógico, pondo em evidência o funcionamento de uma burocracia normativa presente na instituição. No entanto, a dimensão burocrática/administrativa interfere na dimensão pedagógica do trabalho realizado no cotidiano escolar, evidenciando as concepções postas como relevantes dentro de um projeto de trabalho.

Outro ponto que podemos destacar com base nesses relatos é a tendência a separar o trabalho burocrático do trabalho pedagógico, como se cada dimensão fizesse parte da ação

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de um ator específico, ou seja, de um gestor “especialista” responsável ou pelo pedagógico (coordenadores e orientadores, por exemplo) ou pelo administrativo (diretores, vices, gerentes e supervisores), pontuando a fragilidade do trabalho coletivo e de articulação no processo de construção do Projeto Político Pedagógico das unidades escolares.

Enfim, os relatos aqui pontuados nos levam a pensar na forma como a gestão escolar tem sido vivenciada nas creches e pré-escolas municipais: como tem promovido a participação da comunidade e da equipe escolar em seu cotidiano; como tem acontecido a articulação entre as diferentes dimensões que constituem o trabalho do gestor e como tem superado os modelos de gestão voltados a outras esferas educacionais. Tais questionamentos nos indicam os caminhos percorridos pelas Instituições de Educação Infantil e os desafios postos para sua gestão, compreendendo-a em suas especificidades, mas ainda em processo de organização.

4.2 - Participação e tomada de decisão

“Mesmo quando tudo parece desabar, cabe a mim decidir entre rir ou chorar, ir ou ficar, desistir ou lutar; porque descobri, no caminho incerto da vida, que o mais importante é o de cidir.”

Cora Coralina

Ao falarmos em participação na gestão escolar e nos processos de tomada de decisão é necessário visualizarmos as condições materiais que as escolas possuem para efetivar essa participação, os espaços constituídos, como são as relações e práticas no interior dessas unidades educacionais.

Com esse objetivo apresentamos neste momento alguns fragmentos de relatos que nos possibilitam dialogar sobre os espaços participativos, como são compreendidos, quando a participação acontece e com qual teor e se envolvem tomadas de decisão firmadas em posturas centralizadas ou movidas pelos interesses coletivos via participação.

O olhar focado na participação e nas formas de se conduzir as tomadas de decisão aflora para o sentimento de democracia no sentido de ser parte atuante nos processos decisórios, possíveis via espaços como Conselhos de escola 51, Associação de Pais e

51 A histórica separação entre a escola e a família, a herança autoritária do período militar, o fechamento das

instituições, a recusa de qualquer forma de participação, e outras tantas coisas, ainda se constituem obstáculos importantes para a construção de uma sociedade nova e de uma nova escola. Há ainda o desafio da superação de práticas que parecem democráticas: as novas estratégias de “maquiar” a coletivização das decisões através

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Mestres, Conselhos Fiscais, entre outros, mas que, no entanto podem ser apenas figurativos de uma democracia maquiada, quando mantém a centralização das práticas de gestão e cristalização das ações na figura do gestor.

Riscal (2010) ao olhar para as Associações de Pais e Mestres (APMs) resgata seu histórico indicando que em sua origem tinham o objetivo de integrar a escola à comunidade, possuindo no entanto, um caráter facultativo. Um de seus grandes incentivadores foi Lourenço Filho que, em 1931, baseado nas experiências do Rotary Club e do exército dos Estados Unidos, criou a Associação dos Amigos da Escola, subordinadas à diretoria de Ensino de São Paulo.

Em seu modelo inicial as APMs visavam à união entre pais e mestres, ao bem-estar da criança e ao bom funcionamento escolar. Dedicavam-se à organização de bibliotecas as escolas, à instalação de gabinetes dentários, assistência médica e à premiação de alunos. As APMs foram incorporadas, como sugestão às escolas, na primeira Lei de Diretrizes e Bases, Lei nº 4.024 (BRASIL, 1961) em seu artigo 115. Na década de 1970, a Lei nº 5.692, de 11 de agosto de 1971 (BRASIL, 1971), no artigo 62 determina a obrigatoriedade da constituição de APMs nas unidades escolares e estabelecia que cada sistema de ensino compreenderia obrigatoriamente, além de serviços de assistência educacional que assegurassem aos alunos necessitados condições de eficiência escolar, entidades que congregassem professores e pais de alunos, com o objetivo de colaborar para o eficiente funcionamento dos estabelecimentos de ensino. [...] Acostumados a participar como arrecadadores de recursos necessários para suplementar o orçamento da escola, a perspectiva de atuar como gestores da política da escola parece aos pais algo fora do espectro de suas funções (RISCAL, 2010, p. 34-35).

Vale lembrar que a participação envolve compromisso, desejo e responsabilidades e como pontua Cury (2007) muitas vezes a não participação acontece pela falta de apetite político em participar de instâncias decisórias revelando um afastamento ao qual Carvalho (2002) denomina de “estadania” (p.57), ou seja, a cultura de esperar do Estado uma decisão, contrastando com a ideia de cidadania onde pela participação busca-se consolidar a democracia.

de artimanhas discursivas que insistem em afirmar que já alcançamos nosso ideal, ocultando talvez o desejo daqueles que, a todo custo, buscam impedir o processo de democratização. [...] Em diversas escolas públicas esse fenômeno se apresenta sob a forma de práticas discursivas que convocam a gestão democrática na criação dos CEs tendo por base uma participação pífia de pais e familiares. Outra questão importante a examinar quanto à atuação dos CEs é relativa à pauta de decisões que se lhe apresenta. Quais são as questões que são efetivamente colocadas na mesa de discussão com possibilidades de tomada coletiva de decisão? Quais são as decisões que, tomadas em instância superior à escola, chegam no formato de comunicação para ser acatada pela escola sem possibilidade de discussão? (CONTI; SILVA, 2010, p.59).

187 Cruz (2012) explicita que,

A ausência da participação dos sujeitos educativos nas decisões, na formulação dos objetivos da escola, na sua realização, avaliação e deliberação, contribui para a cristalização deste autoritarismo, ora em trajes démodé, ora transvestido de roupagem moderna, de discurso de qualidade total, de aparência democrática (CRUZ, 2012, p.156).

Assim, a participação se contrasta com a gestão hierárquica e paternalista, onde não há espaço para o diálogo, para a partilha do cotidiano e para a busca coletiva de soluções para os problemas que emergem no dia-a-dia, espaço esse possível via gestão democrática da educação.

Pelo trecho do relato 10 A, vemos o registro reflexivo de uma reunião pedagógica no interior de uma creche (com professores e monitores) que nos mostra mais que uma condução de reunião, mas a percepção deste momento como uma possibilidade para a socialização do trabalho realizado e para a exposição das angústias, dificuldades, pensamentos da equipe.

Relato 10 A (vice-diretora) - A Reunião Pedagógica teve