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A (vice-diretora) Será preciso identificar todas essas falhas para evitar que a situação se repita A primeira

a ser identificada por mim é a dificuldade de lidar com o comodismo dos profissionais efetivos que atuam a muito tempo na escola e parecem estar cristalizados na sua função, acabam ficando no parque batendo papo com os colegas e deixando as crianças soltas pela escola. As vezes tenho a impressão que a cozinheira não quer cozinhar, as monitoras não querem cuidar das crianças, as faxineiras não querem limpar e se não estiver ninguém na escola empurrando toda esta estrutura a coisa não vai. Esta situação é tão complexa que quando a direção age com autoridade paga em seguida o preço do boicote da equipe, que resiste a mudança ou entram em intermináveis licenças médicas, para nos mostrar o quanto a equipe pode contribuir ou emperrar o processo.

A organização do trabalho na escola é destacada pela gestora dentro de um viés que focaliza as relações construídas nesse ambiente de trabalho.

Nesse contexto, Cândido (1971) ao pesquisar a estrutura da escola retoma que sua forma de operar não pauta-se apenas em sua estrutura administrativa, de ordem racional, mas também nas relações estabelecidas em seu interior, que por sua vez revelam os costumes, as rotinas e os valores que são vivenciados por seus atores como grupo social.

A estrutura administrativa de uma escola exprime a sua organização no plano consciente, e corresponde a uma ordenação racional, deliberada pelo Poder Público. A estrutura total de uma escola é todavia algo mais

amplo, compreendendo não apenas as relações ordenadas

conscientemente mas, ainda, todas as que derivam da sua existência enquanto grupo social (CÂNDIDO, 1971, p. 107).

O comodismo, ou a cristalização das ações segundo compreende Heller (1985) é um processo adiantado da consciência, alienada ou não-alienada. Contudo, o problema está em saber a profundidade com que essas formas conseguem penetrar na personalidade, determinando as ações.

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A necessidade de mudança e de rompimento com modelos cristalizados se revelam no fragmento do Relato 09 A, incitando a reflexão sobre as relações estabelecidas na escola, junto ao seu grupo social.

Vale destacar aqui a contribuição de Heller (1985) ao frisar que,

Assim como não existe nenhuma relação social inteiramente alienada, tampouco há comportamentos humanos que se tenham cristalizado absolutamente em papéis. [...] as funções de tipo “papel” são condicionadas [...] (p.106).

As atitudes de boicote, como aponta a gestora, pode estar revelando uma ação consciente de resistência de um grupo que se coordena e que interage entre si, e que “recusam um papel” na busca de indicar para a necessidade de participação, de diálogo, para além de propostas prontas e determinadas. A construção da identidade profissional acontece nestes contextos, tanto para aqueles que ocupam o papel de regulador, os gestores, quanto para aqueles que são o foco da regulação, ou seja, para os demais sujeitos presentes na equipe de trabalho, sejam professores, monitores, cozinheiros ou faxineiros.

Segundo Piolli (2010) a organização do trabalho, assim como a trajetória profissional estão impregnadas por elementos simbólicos que remetem o indivíduo a projetar uma identidade possível, portanto, favorecem em sua constituição.

No próximo fragmento vemos uma outra situação e a auto-avaliação por parte da gestora sobre a visão que as crianças construíram de si. Me senti uma bruxa indica sua percepção sobre a reação das crianças diante de sua presença, revelando um sentimento que traz imerso relações estabelecidas e que a criança traz a tona. Quem é essa pessoa que chega para interromper: uma brincadeira, uma conversa, um combinado?

Relato 02 B (vice-diretora)- As crianças pequenas (AG1 e AG2) estão se preparando para o almoço, os grandes (AG3) estão no parque, a professora chama-os eu noto que alguns estão escondidinhos chego bem devagar e pego 4 pequeninos jogando bem quietinhos. Estraguei tudo, “é a diretora !” , falam (me senti uma bruxa).

A criança transmite uma mensagem que traz em si percepções que são também percepções de outras pessoas com as quais se relacionam, sejam elas profissionais que atuam na creche ou os familiares. Os juízos que se constroem sobre o outro são fruto de

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relações, ações e mediações estabelecidas originando aquilo que o outro entende como parte de nossa identidade.

Dentro do universo infantil, quem é a bruxa?

Dentre os elementos unificados para definir a bruxa, podemos destacar: a constante disposição para o mal; a esconjuração, no sentido de amaldiçoamento, de necromancia; o pacto diabólico e a capacidade de voar. Tudo isso se acha fundamentalmente associado à mulher (CALADO, 2003, p.3).

Remetendo-nos aos contos de fada e pensando em João e Maria, por exemplo, quando a velhinha (bruxa) abre a porta e vê as crianças não as ameaça, ao contrário, procura seduzi-las com doces para que entrassem em sua casa.

(...) A velha, porém, apenas fingira ser boa. Na verdade era uma perversa feiticeira, que fizera aquela casa de pão doce, bolos e açúcar-cande com a intenção de atrair crianças. (...) As bruxas têm os olhos vermelhos e enxergam muito mal, mas, por outro lado, têm um faro igual ao de certos animais e, mesmo sem vê-lo, percebem quando um ser humano se aproxima (GRIMM, 2010, p. 284 apud CALADO, 2003, p.5).

Nossa visão sobre o outro se constrói a partir de contextos inclusive lúdicos, onde nos apropriamos de imagens construídas ao longo de nossas vivências e que nos dão referenciais acerca de nossa identidade e da identidade do outro. Podemos não ser bruxos ou bruxas, mas podemos em alguns momentos lançar mãos de características que nos façam percebê-las com esses referenciais constitutivos.

A construção identitária profissional perpassa por diferentes caminhos sofrendo influência de contextos sociais, de contextos lúdicos como o exposto anteriormente e por contextos onde o sujeito é visto pelo seu cargo sendo-lhes atribuídos expectativas à partir

deste lugar.

Observem os relatos a seguir:

Relato 15 B (orientadora pedagógica) - Além de