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2. COMPREENDENDO OS CONCEITOS INTEGRADORES DA EDUCAÇÃO

2.8 CORPO, CORPOREIDADE E SAÚDE

Durante anos, o corpo humano vem sendo estudado e retratado na história, seja ele por pinturas, desenhos, fotografias e agora, cada vez mais, com os adventos da medicina moderna, que passam a mapeá-lo através de suas estruturas, com máquinas de poderio inimaginável em séculos passados: hoje é possível tirar fotografias cada vez mais reveladoras do quão é complexo e instigante esse instrumento capaz de fascinar a todos.

Além disso, o corpo tem sido colocado e apontado como objeto da biologia e da medicina, disciplinas que atuam mais no sentido do conhecimento e da intervenção, que analisam as formas, estruturas, funções, funcionamentos e motricidades desse corpo, reforçando que a história da anatomia e das tecnologias de visualização médica do corpo testemunha a forte relação do visual com a verdade científica (ORTEGA, 2005). Do mesmo modo, esse mesmo corpo arrebata ainda o interesse das outras ciências, tais como a economia, educação, política, sociologia, psicologia e tantas outras.

Atualmente, emprega-se o corpo como ferramenta na observação social e no contexto no qual nos inserimos dentro de uma sociedade, a qual transcende os processos biopsicossociais dos seres humanos, florescendo o fluir natural da nossa existência e humanescência, através de algo tão pertinente e intuitivo dessa existência, agregados às vicissitudes e pulsações do Ser. Esse Ser que se relaciona com o outro, transformando-o e sendo transformado pelo o mundo em que está inserido.

Entretanto, Shimamoto (2004) ressalta a fragmentação desse corpo ainda presente, em dias atuais, distinguindo o corpo-biológico, o corpo-social, o corpo- psicológico, o corpo-cultural, dentre tantos outros, demonstrando assim uma disjunção, afetando os sistemas que por sua vez são interligados e, através dessa fragmentação, são dissolvidos em sujeito, objeto, corpo, alma, mente, físico, psicológico, biológico, fisiológico e cultural. Além disso, o autor enfatiza que o corpo é também esculpido pelas emoções, pela linguagem, pela cultura, pela sensibilidade, e aprisioná-lo numa perspectiva biológica é impedir sua expressividade.

Pereira (2008) elucida que viver não significa unicamente pulsação cardíaca, respiração e locomoção, e sim fazer-se presente e atuante no mundo em que se vive, inserindo-se, expressando-se, movimentando-se, compartilhando saberes. Entretanto, afirma ainda que, corporalmente, isso se manifesta por meio da mobilidade, da respiração ritmada e profunda e do fluxo da energia corporal. Sendo assim, concordamos quando afirma a importância perceptiva acerca da forma corporal, sendo essa a insígnia de nossa história e de seu significado através das vivências dessa história.

Há um consenso acerca do corpo e da sua importância e inserção no meio social, visto que a corporeidade agrega a singeleza do Ser e de sua forma de expressão no mundo que o cerca. Como afirma Ortega (2005, p. 242), “o corpo é a base de nosso ser-no-mundo”.

Para tanto, através da corporeidade, podemos perceber a existência das várias formas de estar inserido no mundo através dos Eu-em-mundo, Ser-com-Eu- mundo, Ser-Eu-mesmo, e Ser-com, podendo chegar a existir muitas corporeidades em um única pessoa (HERRERA, 2008). Os autores Jacoby e Carlos (2005) definem que:

A manifestação da identidade do Ser ocorre através do elemento decisivo do Ser visto e do voltar-se a si mesmo, ou, em outras palavras, minha identidade é dada pelo Outro, desde uma experiência corporal. Concomitantemente, esses são os parâmetros para fundar as significações do entorno, armadas desde a sua formação, pela condição posicional do Homem no mundo (JACOBY; CARLOS, 2005, p. 52).

É consensual a ideia da corporalização nos processos do ser e a grande máxima de que somos compostos por matéria sentimental, orgânica, biológica e casual, este último delimitado e limitado ao o que o mundo nos traz, tornando-os culturalmente susceptíveis às suas mudanças e necessidades.

Através da corporeidade, o homem tende a se comunicar no mundo, expressando-se e magnetizando tudo ao seu redor, fazendo-se compreender e ser compreendido. Este homem é constituído de matéria corpórea-espiritual, bem como de suas relações dialéticas sem serem isoladas, mas tornando-se cada vez mais integrativas perante as condições humanas e do Ser (SHIMAMOTO, 2004).

Nesse ínterim, podemos observar que, para a corporalização e a comunicação expressiva do corpo, faz-se necessário utilizar indumentárias metafóricas da racionalização, da espiritualidade, do próprio corpo, da ludicidade, de sentimentos e da imaginação, sendo essas ferramentas integrativas do ser (PEREIRA, 2008). Para tanto, o corpo não tende a desaparecer e sim a transformar- se, estando aberto para o mundo (ORTEGA, 2007).

Cada vez mais é notória a utilização da corporeidade nas práticas do cuidado humanescentes. O enfermeiro, por exemplo, é o profissional que, diferentemente das outras especialidades biomédicas, preocupa-se com o homem em seu contexto holístico, não só delimitando suas patologias, e sim vendo-o como um todo e procurando perceber algo mais que possa interferir na sua qualidade de vida. O enfermeiro é compreendido como um educador das “massas”, pessoa que educa através da sua própria corporeidade, tentando transmitir conhecimentos e passar sentimentos de amizade e segurança ao próximo, em detrimento das suas necessidades. “O ato de cuidar na enfermagem é caracterizada por uma relação muito próxima, de contato físico intenso e permeado por várias sensações e sentimentos” (SARI, 2009, p. 548).

Em seu artigo, Sari (2009) discorre sobre o corpo cuidado e o corpo do cuidador, rompendo com as técnicas do assistir, (re) descobrindo o significado de “corpo”, resgatadando sua sensibilidade, percepção, responsabilidade, estética, essência e, principalmente, a ética nas ações do assistir. Torna-se pertinente falar, ainda, que a corporeidade é uma forma de perceber o Outro, não com suas palavras, e sim com suas expressões subjetivas-corporais. Somos capazes de interagir no mundo usando nossa corporeidade agregada aos sentimentos do poder- ser e do poder-fazer, sem infringir nossa humanescência e a luz existente em cada ser humano.

Nosso corpo se comunica com o meio externo, e esse, por sua vez, passa a interferir em nossas condições corpóreas, modificando-nos e (re) orientando-nos para a nossa sobrevivência e existência no mundo. Sendo esse corpo o arcabouço de informações e expressões perante o mundo (PEREIRA, 2008).

Tudo que envolve a matéria corporal pulsante, consciente, o que pensa, sente, se movimenta, age conscientemente. É a relação complexa que envolve corpo-mente-espírito, a subjetividade expressa na objetividade corporal consciente, a energia vital do corpo que possibilita as sensações, os sentimentos, as emoções, os movimentos, as atitudes. Corpo sem corporeidade é matéria morta. A corporeidade é a vida do corpo. O corpo sem corporeidade não tem vida (SAMPAIO, 2009, p. 95).

Nessa perspectiva de uma corporeidade envolvente, pulsante, movida por um campo energético vibratório, destacamos sua importância fundamental como componente a ser trabalhado nos processos educativos. Não podemos pensar a educação descorporalizada, descontextualizada do cenário da aprendizagem vivencial, uma aprendizagem morta.

Estamos conscientes que se aprende pela via da nossa corporeidade, pelos nossos sentidos, pelas nossas potencialidades corporais viventes. A relação mãe e filho talvez seja a expressão mais profunda de uma relação de aprendizagem corporalizada. De uma dependência afetiva que se expressa pela interação de suas corporeidades. Possibilitar e estimular essas interações são pré-requisitos necessários nas práticas pedagógicas humanescentes, na organização e na operacionalização dos encontros de autoformação humana e autoformação maternal.