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2. COMPREENDENDO OS CONCEITOS INTEGRADORES DA EDUCAÇÃO

2.1 DA EDUCAÇÃO TRANSDISCIPLINAR

Conforme nos mostra Morin (2006), para que se torne possível o desenvolvimento da educação – aquela que trabalha o indivíduo por inteiro, isto é, considerando as interações do sujeito com o mundo, como sistema autopoiético –, faz-se necessário reformar o pensamento.

Durante nosso percurso educacional, nos foi dificultada a articulação dos saberes, minimizando assim nossa capacidade de pensar de maneira reflexiva. Dessa forma, precisamos vivenciar o processo de transformação do pensamento para que possamos vivenciar verdadeiramente as mudanças, mudanças estas que nos encaminhem para uma “cabeça bem feita” (MORIN, 2006).

Moraes (2004) denomina o pensamento ecossistêmico como a organização do pensamento para a contextualização e capacidade de exercer movimentos integralizadores e complexos. Este configura uma dos aspectos mais necessários para a corporalização do novo, para vivência plena da Transdisciplinaridade. Contextualizador, este pensamento promove a união do sujeito e do objeto como aprendentes em desenvolvimento.

Apesar de se constituir como uma proposta de beleza e encantamento, ela exige desprendimento, compromisso, coragem, o enfrentamento dos medos, a expansão da mente, o agir na incerteza, o cooperar consigo mesmo e, principalmente, com o outro.

Buscando essa forma de perceber o conhecimento, revivemos situações, estabelecemos redes de aprendizado, despertamos para o sonho, desvendamos talentos, reconhecendo o profano e o sagrado de cada ser que compõe a trajetória do saber.

Nesse ínterim, a transdisciplinaridade surge, em meados do século XX, com o objetivo de harmonizar as mentalidades e saberes em um contexto caracterizado pelo crescimento sem precedentes destes e, ao mesmo tempo, em uma era de intensa especialização (NICOLESCU, 2008). Mas, a atitude transdisciplinar é antiga e remete à época da origem do homem (SANTOS, 2009).

O pesquisador e fundador do Centro Internacional de Pesquisas Transdisciplinar (CIRET), Basarab Nicolescu, relaciona o surgimento do termo transdisciplinaridade a um produto dos trabalhos científicos de intelectuais como

Edgar Morin, Eric Jantsch e Jean Piaget, os quais acreditavam que a transgressão dos limites conferidos às disciplinas acadêmicas era viável (SILVA, 2007).

Por se tratar de um termo atual, muitos são os questionamentos e relação com outras terminologias, desencadeando confusões e conceitos errôneos, sendo uma condição sine quo num fazer as definições entre a pluridisciplinaridade, interdisciplinaridade e transdisciplinaridade.

A pluridisciplinaridade é o estudo do objetivo de uma única disciplina na perspectiva de várias disciplinas simultaneamente. Ela possibilita trazer algo a mais, no entanto é limitada a uma única disciplina, apenas esta é aprofundada teoricamente e pauta as suas atividades na pesquisa disciplinar.

Por exemplo: a análise do quadro de Giotto (importante pintor italiano) pode ser efetuada no âmbito das áreas da arte, da geometria, da física, da química, da história europeia e da história da religião (NICOLESCU, 2008).

No que refere à interdisciplinaridade, observa-se que os trabalhos são desenvolvidos de forma a transferir métodos de uma disciplina para a outra, podendo ser categorizados em três graus, a saber: 1) grau de aplicação; 2) grau epistemológico; e 3) grau de geração de novas disciplinas (NICOLESCU, 2008).

O prefixo “trans” denota aquilo que está entre, através e além das disciplinas, objetivando compreender o mundo através do conhecimento (NICOLESCU, 2008). A transdisciplinaridade é um conceito que emerge do paradigma ecossistêmico, sendo corporalizado após a reforma de pensamento, abrindo-se para o desenvolvimento humano a partir da vida. Confirmando, assim, o que dizem La Torre, Pujol e Moraes (2008, p.52): “a transdisciplinaridade fala daquilo que está entre as disciplinas, através delas e além delas”.

Sendo o entre e o além, a transdisciplinaridade possibilita o intercâmbio entre os aspectos subjetivos e objetivos da educação. Ela nos autoriza a investir nas relações, estimulando-nos a olhar o espaço em que habitamos como pessoas e como profissionais; o tempo de nossas ações e nossa história; e os sujeitos com os quais compartilhamos as experiências que marcam nossos corpos e nossas vidas.

Pensar e corporalizar a transdisciplinaridade implica refletir sobre a integralidade do homem. Significa conceber os aprendentes como seres em desenvolvimento, que buscam a evolução das diferentes dimensões que os

compõem – corpo, espírito, história – e pesquisar estratégias que os encaminhem para a concretização de seus desejos. Esclarecem:

Pensar em uma nova educação nos remete a planejar a necessidade de projetar, utilizar e avaliar os recursos que a tornariam possível. Implica apostar na inovação sem renunciar à própria bagagem cultural. Buscar estratégias que comportem diferentes linguagens (arte, música, poesia, teatro cinema...) para conectar a mente, a emoção e o corpo (LA TORRE; MORAES; PUNJOL, 2008, p. 47). Como se pode observar, a transdisciplinaridade é um modo de compreender não o ensino, mas a educação, como vida. É uma forma de conhecer que interliga sujeito e objeto, pensamento e experiência, transgredindo as dualidades marcadas pelo positivismo e investindo no sagrado, na essência, e na luz que dinamiza o caminho das pessoas.

Trata-se de uma arte de aprender, na qual o homem experiencia o saber que o constrói, tornando-se ser de especificidades, de temporalidade, historicidade, materialidade e espiritualidade.

É, por fim, uma atitude, uma postura que traz em seus fundamentos o conhecimento de si mesmo e que, pela maneira como lida com o saber e com a vida, se torna um campo para a realização da humanidade. Com essa educação, tornamo-nos aprendentes, descobrindo como cuidar, o que ouvir, como falar, como fazer, aprender, conviver e ser.

Reconhecida por estudiosos como o físico Bohr, o biólogo Maturana, o químico Prigogine, a doutora em educação Cândida Moraes, a transdisciplinaridade surge como uma alternativa de religação dos saberes, corporalizando uma perspectiva libertadora e um novo pensar, na construção do conhecimento

Nesse contexto, a transdisciplinaridade possibilita à humanidade o aprendizado contínuo e que perpassa o aprender a ser, a fazer, a cuidar, a amar, a contar, a ouvir, a aprender e o aprender a deixar que o outro participe da usa vida (MORIN, 2005).

O sujeito constrói saberes para a vida. Articuladas a isso, com o advento dessa educação, várias discussões estão ocorrendo em todo mundo, as quais propõem três exigências. São elas:

1) Considerar vários níveis de realidade;

2) Trabalhar na proposta da lógica do Terceiro Termo Incluído; 3) Abarcar a visão da complexidade dos fenômenos (SANTOS,2008). Nesse contexto, considerar os vários níveis de realidade enfatiza a relação inseparável da vida e da afirmativa de que o ser humano constitui-se pelos reflexos das várias realidades (SANTOS, 2009).

A sugestão de trabalhar na proposta da lógica do Terceiro Termo Incluído diz respeito à fuga das lógicas do “falso” e do “verdadeiro”, do “não” e do “sim”.

A transdisciplinaridade não determina o fim desses opostos, mas revela a presença de um terceiro, denominado de Terceiro Termo Incluído, permitindo a intercepção de diversos olhares, fomentando um sistema aberto e coerente com as realidades sociais.

Assim, pode-se assegurar, com essa exigência, que existem os termos “entre”, “através” e “além” (SANTOS, 2008).

E, por último, a visão da complexidade dos fenômenos referencia o pensamento complexo. Trata da compreensão humana da vida como as diversas manifestações, as quais são, inevitavelmente, avaliadas separadamente (SANTOS, 2009).

Portanto, evidencia-se que o pensamento complexo proposto pelo pensador Edgar Morin é uma aliada dessa nova modalidade de educação. Evidenciando assim que o autor trabalha a complexidade humana a partir de diferentes constituintes, mas não sobrepondo uma às demais. O homem, sob o olhar complexo, é considerado um ser único, mas ao mesmo tempo como parte do coletivo, onde se fundem os princípios de cultura, mente, emoção, razão, afeto, espécies, entre outros, em que unidade e diversidade estão entrelaçadas. Nas palavras de Morin:

A complexidade humana não poderia ser compreendida dissociada dos elementos que a constituem: todo desenvolvimento verdadeiramente humano significa o desenvolvimento conjunto das autonomias individuais, das participações comunitárias e do sentimento de pertencer à espécie humana (MORIN, 2002, p. 55). Sobre a complexidade, trata-se de um pensamento que discorda dos princípios cartesianos, ou seja, a fragmentação, a simplificação, o objetivismo, o dualismo e a redução. Trata-se, portanto, de um olhar que desconsidera a dimensão

da vida e da continuidade, representada pela emoção, intuição, sentimento, sensibilidade e a corporeidade (SANTOS, 2008).

O pensamento complexo ou teoria da complexidade surgiu como estratégia para questionar a fragmentação do conhecimento, com a supremacia do desenvolvimento especializado, o que se contrapõe às características atuais da globalização. Esse foi um dos legados do século XVI (SILVA; CAMILLO, 2007).

Dessa forma, a palavra complexidade é latina, vem de complectere, da raiz

plectere, e significa enlaçar, trançar. A sua epistemologia é o produto das teorias da

informação, da cibernética e da teoria dos sistemas. Assim, a primeira está intimamente relacionada à transmissão de sinais no ato da comunicação; a segunda é a ciência que aborda as comunicações e, por último, a teoria dos sistemas disserta que o todo é a soma a mais das partes (SILVA; CAMILLO, 2007).

No tocante a essa teoria, existem sete princípios que fornecem o subsídio teórico para a sua compreensão e, por conseguinte, sua aplicação, são eles: o princípio sistêmico ou organizacional; o princípio holográfico; princípio do circuito retroativo; o princípio do circuito recursivo; o princípio da autonomia/dependência (auto-organização); o princípio dialógico; e o princípio da reintrodução do conhecimento, como demonstrado na figura 1 (SILVA; CAMILLO, 2007).

Nessa conjuntura, Edgar Morin elabora a visão planetária da educação, segundo a qual o educador deve apresentar as seguintes características: humanistas, responsável, compreensiva, afetiva e criativa (MORIN, 1999), contribuindo grandemente com o desenvolvimento do indivíduo e transformando as “cabeças cheias” em “cabeças bem feitas” (MORIN, 2004).

Esse é o principal presente que a complexidade e, de forma geral, a transdisciplinaridade proporciona.

Assim, é perceptível que o entendimento da transdisciplinaridade demanda uma visão ampla, holística das situações e dos indivíduos. Por conseguinte, os laços entre esta forma de pensamento educacional e a complexidade do pensamento são dependentes e mútuos.

Seguindo assim os princípios que compõem as teorias da complexidade, a transdisciplinaridade vem para possibilitar a correspondência hologramática entre o ser humano e a natureza: o homem influencia o meio assim como o meio influencia o homem, o que é homem também é meio e o que é meio também é homem. “A partir do olhar transdisciplinar, o ser humano e o meio natural em que se desenvolve e complementa, se enriquece e necessitam um do outro” (LA TORRE; MORAES; PUNJOL, 2008, p.29).

Diante do exposto, é notório que a compreensão e o fazer educativo pautado na transdisciplinaridade e no pensamento complexo e na ludicidade, mediante a ludopoiese, constitui-se em uma prática que permitirá a formação harmoniosa, adequada, condizente com as realidades de cada indivíduo e da comunidade, bem como a edificação de saberes para a vida, aspecto ímpar desse novo paradigma da educação.

Por muitos anos, a educação se consolidou em instituições de ensino e em outros ambientes de construção de saberes de forma fragmentada, unilateral,

unifatorial, desarticulada, desprezando as inter-relações entre os conhecimentos das diversas áreas.

De tal modo, essas características refletiram e refletem na formação do profissional de enfermagem, por exemplo, e nas atividades assistenciais e educativas que os mesmos desenvolvem no seu ambiente de trabalho em momentos posteriores. Assim, a maioria das suas práticas enxerga apenas o horizonte do indivíduo, esquecendo-se da avaliação dos seus contextos de vida.

Contudo, com a compreensão de uma educação mais coerente com a realidade atual e que contemple a articulação dos saberes, melhorias significativas já são vivenciadas.

Nesse sentido, tendo em vista essas melhorias, consideramos como uma referência essencial o Relatório da Comissão Internacional sobre a Educação para o Século XXI da Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (UNESCO, 1998), mais conhecido como Relatório Jacques Delors, apresentando- nos os quatro pilares para a educação: aprender a fazer, aprender a conhecer, aprender a ser e aprender a viver junto – pilares que nos sugerem a necessidade de novas práticas que promovam um repensar sobre a vida.

Diante do exposto, defendemos, nesta pesquisa, o desenvolvimento de uma prática educacional transdisciplinar compreendendo que podemos transitar, unir e reunir diferentes áreas, fazendo uso da criatividade e ousadia. Acreditamos sim na transdisciplinaridade e apostamos neste olhar de construção dos valores humanos e sua complementariedade por estreitar as relações entre sujeito e objeto – tendo em vista que todos somos aprendentes –, por priorizar as vivências, a escuta sensível, a observação, a imaginação e a ludicidade, suscitando em nós o reconhecimento da identidade humana.