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2 MERLEAU-PONTY E O FILME: NATUREZA E

2.2 CORPO, VISÃO E SENTIDO

O pensamento merleaupontiano a respeito da noção de corpo, de filme e de percepção toma como base a experiência particular, adaptando-se à maneira de olhar para a experiência cinematográfica fundada na mecânica corpo-olho-câmera. Esse fato é importante, já que o corpo não pode ser tomado apenas como um mero recipiente ou até mesmo como uma marca de presença. O corpo não pode ser objetivado, pois, para isso acontecer, teríamos que separá-lo da mente, nem pode ser classificado como um mero invólucro.

Por esse viés, o olho da câmera e o corpo do filme são igualmente a pré-condição situada para o fazer cinematográfico, uma presença perceptual imperceptível provocando uma visão do mundo. Além disso, como parte da experiência intencional dentro da obra estética, o olho da câmera serve para criar imagens que posteriormente tornarão habitação temporária do espectador como corpo virtual. Pela concentração sobre a significância do corpo como uma sensibilidade unificada de consciência encarnada, Merleau-Ponty argumenta que a experiência mental, que parece ser interna e hermeticamente selada, é sempre expressa externamente em comportamento corporal e por vias dirigidas. Percepções internas imediatamente tornam-se expressões exteriores como uma realização do corpo.

O campo de sentido é um plano, um patamar no qual qualquer coisa dentro dele é uma vontade diferente que entra em destaque, chamando a atenção para si mesmo. Em um modo semelhante à noção de encontro de Husserl, Merleau-Ponty esclareceu os processos no mundo da vida, em termos de reciprocidade do corpo dentro desse mundo. Assim diz ele: “Nem o corpo 'nem a existência' podem passar pelo original do ser humano, já que cada um pressupõe o outro e já que

o corpo é a existência imobilizada ou generalizada, e a existência uma encarnação perpétua”48 (MERLEAU-PONTY, 2006, p. 229-230).

A fenomenologia de Merleau-Ponty prevê uma modalidade sinestésica de personificação incluindo o tempo e a profundidade espacial. Mudando o foco da percepção, a partir do visível, da visão, do sentir e do sensível, adquirimos uma ideia totalmente nova de subjetividade que desperta a consciência de sensibilidade. É relevante dizer que, para esse autor, a descrição tradicional de profundidade resultou na abstração artificial. Ao fazer o sentido de profundidade, mesmo uma projeção plana ou um ato subjetivo de sintetizar as multiplicidades, espessura e dimensionalidade são transformadas em uma visão lateral alongada ou em um nivelamento abreviado (MERLEAU-PONTY, 2009a, p. 239-241).

Todavia as coisas do mundo envolvendo corporeidade não devem ser vistas sem profundidade ou dimensão. Elas perduram em um estado de coexistência, dando origem à interconectividade e à confiança mútua e às relações indissolúveis. Profundidade espacial é a dimensão fundadora do mundo da vida. Nas palavras do filósofo francês: “Mais diretamente do que as outras dimensões do espaço, a profundidade nos obriga a rejeitar o prejuízo do mundo e a reencontrar a experiência primordial onde ele brota; entre todas as dimensões, ela é, por assim dizer, a mais 'existencial' [...]”49 (MERLEAU-PONTY, 2006, p. 345).

A descrição do espaço em termos de interconexão e profundidade é fundamental para a experiência do mundo da vida como a presença fundada invisível que perpassa todas as coisas. A transposição única do filme da realidade concreta cria seu próprio estilo estético que inclui a sensação de autoexpresssão da profundidade através da figura e fundo internos. Por meio do movimento filmado, a dimensão fundamental da profundidade emerge de uma estrutura de figura-fundo constantemente variável. Figuras mudam a forma de acordo com cenários que são campos de força fluidos. O cinema possui uma fluidez imbutida por meio de sua capacidade inerente para mostrar o movimento. Por essa razão, não se podia descrever o processo de gravação como um órgão do

48 Na versão original: Ni le corps 'ni l'existence' ne peuvent passer pour l'original de

l'être humain, puisque chacun présuppose l'autre et que le corps est l'existence figée ou généralisée et l'existence une incarnation perpétuelle (MERLEAU-PONTY, 1945, p. 194).

49

Na versão original: Plus directement que les autres dimensions de l'espace, la profondeur nous oblige à rejeter le préjugé du monde et à retrouver l'expérience primordiale où il jaillit; elle est, pour ainsi dire, de toutes les dimensions, la plus 'existentielle' [...] (MERLEAU-PONTY, 1945, p. 296).

sentido bombardeado por uma série de sensações atomísticas ou como, por exemplo, o mecanismo sintético, que está faltando, para decodificar átomos irredutíveis.

Em vez disso, o filme em movimento explora a qualidade quimérica do campo fenomenal e mostra uma remodelação do ambiente através da criação de um sistema combinado de matrizes e contextos. Temas da percepção são indeterminados, parte do constantemente reinventado momento no qual o significado somente toma forma dentro de um renovado e disseminado contexto. A completude é impossibilitada pela própria natureza das perspectivas que têm de estar inter-relacionadas para outras perspectivas, e assim por diante, indefinidamente. É de dentro da profundidade primordial que a visão integrada emerge para compreender o significado (MERLEAU-PONTY, 2006, p. 443).

No mundo da vida pré-dado, estamos juntos espacializados em nosso meio e, no mundo do cinema, é o poder de autoprojeção dentro do movimento que dá essa mesma sensação de inclusão, colocando o espectador no meio das coisas. O movimento no espaço cria a sensação de profundidade real. O cinema se fixa na primordialidade da profundidade como uma abertura de significado e, ao fazer isso, traz consigo uma grande variedade de técnicas para dar impressões tridimensionais. O objetivo é ter sempre em mente que a profundidade é uma sensação vivida e total não baseada em padrões fixos. É uma expressão da maneira como o campo fenomenal global se abre à consciência. O ser-do-mundo não é uma construção imposta, mas uma configuração e um pano de fundo a partir do qual nossos fenômenos perceptivos surgem.

No âmbito da experiência de profundidade, experimentamos o mundo como incorporado e dimensional em uma forma de operar, sem recuar para criar conscientemente uma terceira dimensão. Não podemos ver a profundidade dimensional, mas a habitamos, e isso abrange nossa pequena espacialidade. Cada movimento da câmera de cinema é também um ajuste de profundidade e a correlação figura-fundo, um reajuste do visto e do ato de ver, uma alteração simultânea de perspectiva criando abertura para o significado. Se realinhamentos fossem experimentados como fragmentos, eles resultariam em experiências dissonantes, porém, com a mobilidade fílmica, deslocamentos espaciais ocorrem fornecendo a mesma experiência da vida real, entrelaçados no campo fenomenal.

Consequentemente, a relação entre tema e horizonte e a maneira como essas formas significam são o princípio de uma organização independente, uma autofiguração fluida dinamicamente desdobrando no

tempo. Essa dinâmica significa que figuras não são coisas a priori, contudo elas emergem da trajetória corporal, criando ativamente configurações em um vívido campo de atividade. Antes, a percepção pode ser embasada ou feita um objeto de consciência, sendo que ele próprio fornece o horizonte e o fundo sobre os quais o embasamento é possível (MERLEAU-PONTY, 2006, p. 443-444).

Como a articulação emerge de horizontes indeterminados e ainda não formados, a correlação figura-fundo é vista como reversível e irredutível, o que, ao mesmo tempo, constitui um alicerce para figuração de outro tempo que emerge para se tornar um ponto de origem para que, em seguida, desapareça. O próprio corpo perceptivo é indicativo desse fato, tanto quanto um ponto de origem, como um fundo, uma vez que emerge conscientemente em relevo ou desaparece na pré-reflexão.

A profundidade subsiste não intencionada pela consciência reflexiva, invisível, porque, novamente, não intencionada. O filme corrige essa invisibilidade no seu próprio senso de profundidade, que é visceralmente comunicado como um modo de ser-no-mundo. Com a capacidade do filme de gravar o movimento pelo movimento, de mover- se pela remoção, temos não só um novo objetivo tomado na realidade, mas mudando as relações de figura e fundo que originam novos significados. No cinema, essa estrutura pode ser expressa como o acerto do foco de acordo com o que é pedido ou requerido no contexto cinematográfico. A atividade de regular o foco é parte da consciência direta, que inclui o primeiro plano do imediatamente visual, bem como o reconhecimento direto para a posição subjetiva, uma espécie de consciência anestésica ou realização existencial. Em ambos os casos, o papel da visão é duplo, pois é passivamente reflexiva e ativamente inflexiva.

A análise de Merleau-Ponty acerca da profundidade e da percepção espacial é parte de uma preocupação concernente ao significado da visão em todas as artes. É uma aproximação que nos ajuda a dar sentido ao filme como uma consciência automatizada, uma sensibilidade perceptiva e receptiva não autoconscientemente participando, como veremos melhor, posteriormente, da chamada carne do mundo. Como diz o autor: “A carne do mundo não é 'sentir-se' como carne minha ‒ é sensível e não sentiente [...]''50 (MERLEAU-PONTY,

2009a, p. 227).

50 Na versão original: La chair du monde n'est pas se sentir comme ma chair ‒ Elle est

Essa é uma sensibilidade que joga para trás uma imagem ativa do comportamento de superfície e capta no invisível a maneira de tornar-se ativada, não por meio da autorrealização, mas pela posição dentro do circuito da carne. Logo, a percepção atinge o seu objeto porque ela é o toque da carne e o ver a si própria. Assim, não há representação ao nível da percepção, há somente a carne no toque com ela mesma. O ser de uma árvore, por exemplo, é uma quase-percepção de um indivíduo, o ser dela testemunha o fato de que ele é visível do ponto de vista da árvore, como ambos são carne do mundo como uma experiência visual imediata.

A partir dessa perspectiva, a consciência fílmica, assim como a intuição, é ampliada, é a visão também ampliada, incluindo pontos de vista e o invisível. Ela toma forma e se realiza na áspera e desordenada exterioridade visível, no reino perceptivo de texturas e de expressão, pois há um círculo do visível e do vidente, o vidente não existe sem existência visível. Então, a experiência fílmica se materializa pela conjugação de diferentes níveis de posições do sujeito em um circuito de carne. O sujeito vendo o filme, ao mesmo tempo, está vendo uma cena representada em que existem temas da visão sendo sujeitos-objetos visíveis um para o outro (MERLEAU-PONTY, 2009a, p. 139).

A maneira como o espectador está incluído nesse circuito cinematográfico de visão é comparável à imersão dos seres sentientes no campo fenomenal. O campo no qual o entendimento ocorre é aquele da difusão, da descoberta e da ligação, tudo aberto para a exploração na obra de arte. Sua base é da opacidade mais do que da transparência, tanto que expressões criativas nunca são totalmente apreensíveis, apenas parcialmente realizáveis. Isso significa que a experiência fílmica é caracterizada menos pela permanência de um objeto dado à visão do que pela experiência na qual o processo da visão implica. Ultrapassamos o quadro encarnado específico da referência para incluir novas perspectivas em um campo fenomenal cada vez maior. A recepção de dados visuais é determinada dentro desse campo fenomenal pela interação de horizontes que compõem disputados níveis de presença e de ausência.

O visível é em si uma correlação, não um objeto fixo, e isso o torna uma teia, unindo os horizontes interiores e exteriores. Por sua vez, os horizontes não permanecem fixos, mas são bem mais do que horizontes de possibilidade, tanto que cada visível é impedido de ser um objeto e de adquirir a positividade autoidêntica que define o objeto. A intencionalidade está trabalhando aqui, mas sem fundamentar a identidade consistente (MERLEAU-PONTY, 2009a, p. 129).

Quando vemos um filme, nós também trazemos horizontes latentes que estão relacionados com a profundidade do nosso corpo, a densidade corporal que não é removida simplesmente porque nós aparecemos imóveis em uma situação de visualização. Na experiência fílmica, a intencionalidade está ligada a uma noção de corpo que é visualmente flexível, articulada em torno do visível e invisível e do observador e observado. Merleau-Ponty sustenta suas observações sobre o substrato invisível em termos de um mistério, em que os objetos adquirem presença não como identidade invariável, mas através de uma relativa indefinição.

Nas palavras do filósofo:

Bem entendido, a ipseidade nunca é 'atingida': cada aspecto da coisa que cai sob nossa percepção é novamente apenas um convite a perceber para além e uma parada momentânea no processo perceptivo. Se a coisa mesma fosse atingida, doravante ela estaria exposta diante de nós e sem mistério. Ela deixaria de existir como coisa no momento mesmo em que acreditaríamos possuí- la. Portanto, o que faz a 'realidade' da coisa é justamente aquilo que a subtrai à nossa posse51 (MERLEAU-PONTY, 2006, p. 313).

Neste sentido, cada imagem fílmica é recebida em um movimento que desaloja estados estáveis e que se relaciona a uma corporalidade móvel baseada em perspectivas sucessivas. O invisível é transcendente na medida em que ele ultrapassa o visível, mas não é inacessível ou inatingível, e sim uma tarefa constante a ser realizada. O visível tem o que é próprio para isso como uma superfície, mas uma superfície com uma profundidade inesgotável, abrindo visões diferentes da nossa. O invisível, portanto, fornece as bases para o visível e não é apenas uma condição, mas também um conteúdo do ato de ver. Capturamos o impensado e o não dito, extrapolados de sua posição no mundo da vida, trazendo para a luz como se eletricamente carregados (SOBCHACK, 1991, p. 86).

51

Na versão original: L'ipséité n'est, bien entendu, jamais 'atteinte': chaque aspect de la chose qui tombe sous notre perception n'est encore qu'une invitation à percevoir au delà et qu'un arrêt momentané dans le processus perceptif. Si la chose même était atteinte, elle serait désormais étalée devant nous et sans mystère. Elle cesserait d'exister comme chose au moment même où nous croirions la poseéder. Ce qui fait la 'réalité' de la chose est donc justement ce qui la dérobe à notre possession (MERLEAU-PONTY, 1945, p. 269-270).

Dessa forma, a duplicação fílmica não torna a reprodução, mas a indução invisível, dando início a uma expressão do mundo através do invisível. Acena-se uma intencionalidade mecânica como se sente e faz todo o sentido do mundo. Da indução obtemos a possibilidade de notar o potencial que se manifesta como uma visibilidade em potencial. Como uma revelação do seu ser, a visão será a força ontológica do filme. Merleau-Ponty descreveu a forte fé na visão como algo semelhante a uma imediata e inquestionável condição de saber com certeza. A experiência da nossa presença perceptiva deixa óbvia a necessidade de escolher ou mesmo de distinguir entre a garantia de ver e a garantia de ver a verdade, porque, em princípio, elas são uma mesma coisa (MERLEAU-PONTY, 2009a, p. 38).

A fenomenologia de Merleau-Ponty é uma mudança para uma intencionalidade operativa que é, ao mesmo tempo, experimental e não reflexiva. O estudioso complementa noções de visão, de profundidade e do corpo dentro da dimensão pré-dada e nos ajuda a entender como o cinema reflexivamente mostra a condição pré-predicativa irrefletida e a presença de material do corpo como atividade concreta. O corpo não é apenas o domínio em que faculdades perceptivas são localizadas, é também o campo no qual poderes são vistos para serem exercidos e expressados por outros.

Por essa razão, a estética poderosa do cinema encarna mecanicamente todo o conjunto de esquema perceptivo em que se envolveu no campo fenomenológico. Ela apresenta e simboliza, assemelha-se e se reconstrói, ou seja, é, ao mesmo tempo, uma visão do mundo e a visualização do mundo. Como um corpo colocado mecanicamente entre outras materialidades, o olho fílmico apresenta a perspectiva sobre as perspectivas de visualização como uma visão-em- ação. Contudo, enquanto os seres humanos usam a comunicação corporal como parte do sentido primordial do ser-no-mundo, uma significação imediatamente expressiva-perceptiva, com uma afinidade para interesses semelhantes dos indivíduos, o filme, por sua vez, não tem essa casca exterior para direcionar a intencionalidade, já que ele mantém a sua invisibilidade corporal para criar a visualização.

Junto a esses aspectos, é indispensável dizer que Merleau-Ponty (2006, p. 18) deixou claro que, com a percepção encarnada, há sempre já um sentido, um significado, “porque estamos no mundo, estamos 'condenados ao sentido', e não podemos fazer nada nem dizer nada que

não adquira um nome na história''.52 A partir desse ponto básico inicial,

o cinema é corporalmente posicionado em um mundo para ver as coisas e trazê-las à vida.

Nas explicações do filósofo:

Não temos outra maneira de saber o que é um quadro ou uma coisa senão olhá-los, e a 'significação' deles só se revela se nós os olhamos de um certo ponto de vista, de uma certa distância e em um certo 'sentido'; em uma palavra, se colocamos nossa conivência com o mundo a serviço do espetáculo.53 (MERLEAU-PONTY, 2006, p. 575).

Essa é, no entanto, uma visão que, por necessidade, torna-se liberada no tempo e na transcendência, “[...] assim sempre somos levados à concepção do sujeito como ek-stase e a uma relação de transcendência ativa entre o sujeito e o mundo.”54 (MERLEAU-

PONTY, 2006, p. 576). Em termos fílmicos, isso é naturalmente ajudado pelo fato de que o filme se comunica visualmente em uma forma extremamente direta. Embora presente, a palavra falada no cinema não é necessária para explicar as imagens. O ato de filmar responde à comensurabilidade do corpo fílmico e à corporeidade humana, compartilhando um compromisso encarnado no mundo, que é imediatamente expressivo.

A imagem em movimento também percebe e se expressa de modo selvagem e incisivo antes de articular seus significados, como um tropo ou figura cinematográfica significativa, um conjunto específico de configurações genéricas, uma convenção sintática específica. Um filme faz sentido em virtude de sua própria ontologia. O mundo prematuramente significa e a corporalidade do filme reflete esse fato. Temos, então, atos de percepção e trabalho de expressão corporal por

52 Na versão original: Parce que nous sommes au monde, nous sommes condamnés au

sens, et nous ne pouvons rien faire ni rien dire que ne prenne un nom dans l'histoire (MERLEAU-PONTY, 1945, p. XIV-XV).

53 Na versão original: Nous n'avons pas d'autre manière de savoir ce que c'est qu'un

tableau ou une chose que de les regarder et leur 'signification' ne se révèle que si nous les regardons d'un certain point de vue, d'une certaine distance et dans un certain 'sens', en un mot si nous mettons au service du spectacle notre connivence avec le monde (MERLEAU-PONTY, 1945, p. 491).

54 Na versão original: [...] nous sommes ainsi toujours amenés à une conception du sujet

comme ek-tase et à un rapport de transcendence active entre le sujet et le monde (MERLEAU-PONTY, 1945, p. 491).

meio de uma significativa existência encarnada (SOBCHACK, 1991, p. 12).

A falta de deliberação autoconsciente permite uma equivalência a ser estabelecida entre a condição primordial da percepção humana e a mecanicamente funcional, raiz inconsciente do cinema. Filmar é colocar um comparável pedestal consciente pela virtude de ter uma comparável plataforma de consciência, ou seja, o corpo-no-mundo como expressão perceptiva. Essa plataforma de visão existencial tem a capacidade de localizar, de unificar, ou de centralizar o invisível, comutação intrasubjetiva de percepção e expressão e torná-lo visível e intersubjetivamente disponível para os outros (SOBCHACK, 1991, p. 21).

Originário comércio com o mundo, um natural ser-no-mundo precisa sempre ser redescoberto. Para entendermos o comportamento no mundo concreto, olhamos para as expressões daquele comportamento. Em termos existenciais, uma obra cinematográfica acomoda a expressão de sentimentos e de emoções internas precisamente porque são comportamentalmente observáveis. Para os estados internos serem percebidos, na verdade, para significativamente exisirem, eles podem ser expressos por meio de comportamentos e de padrões observáveis através do corpo.

Emoções e atitudes tomam forma como manifestações físicas. Elas não estão trancadas nos recessos psíquicos da mente, mas se tornam significativas quando manifestadas no mundo da vida. Os imagéticos movimentos do filme captam o imediatismo da expressão por meio da ação corporal. A expressão de emoção em manifesto comportamento e gesto é parte da estrutura que define os indivíduos em geral como um estilo de ser-no-mundo.

Esse aspecto pode ser visto, como já trabalhado anteriormente, quando Merleau-Ponty relaciona diretamente o filme ao que ele chamou de “nova psicologia”, referindo-se ao papel de padronização da percepção gestáltica. Dados visuais não são vistos como um mosaico de sensações que necessitam de raciocínio subjetivo para fazer-se inteligível. Na gestalt, a relação do organismo com seus pares não é explicada pela ação causal de estímulos externos sobre o organismo,