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CAPÍTULO 3. IMPLICAÇÕES METODOLÓGICAS: PROCEDIMENTOS E GERAÇÃO DE DADOS

3.3. O CORPUS E O TRATAMENTO DOS DADOS

O primeiro procedimento de seleção do corpus a ser estudado foi a leitura dos documentos que formularam e desenvolveram a Escola Cabana: Projeto Político-Pedagógico da Escola Cabana (SEMEC, 1996); Política Pública da Escola Cabana (SEMEC, 1999); Reorientação da Organização do Trabalho Escolar (SEMEC, 2002) e o Relatório de Avaliação da Escola Cabana (2004).

O segundo procedimento foi a leitura e organização das observações das práticas educativas das professoras alfabetizadoras do Ciclo Básico I registradas em três diários de campo. O acompanhamento das práticas de sala de aula foi feito em três salas do Ciclo Básico I da escola SN, no decorrer do segundo semestre do ano letivo de 2005, em 21 dias letivos, totalizando 63 aulas.

Em seguida, selecionei três narrativas escritas das professoras alfabetizadoras cujas ações foram observadas em sala de aula, entre os 08 textos produzidos durante a oficina de 2005 e transcrevi 12 horas de entrevistas com oito professoras sobre seus processos de formação na leitura, das quais trabalho somente com os dados das mesmas três professoras do Ciclo Básico I.

Esses dados formam três conjuntos: a) o primeiro inclui os documentos oficiais da SEMEC, sobre o Projeto Político da Escola Cabana; b) o segundo, as ações docentes desenvolvidas em sala de aula que envolvem letramentos escolares; c) o terceiro, as narrativas escritas sobre escolarização e iniciação nas práticas de letramento: as entrevistas em que as professoras alfabetizadoras falam sobre alfabetização, ensino, Escola Cabana, Tema Gerador, alunos, pais dos alunos, métodos de ensino e fazem uma autoavaliação do seu trabalho; e as narrativas orais geradas também em entrevistas com as professoras sobre seus processos de formação de leitura.

Este três conjuntos, por sua vez, estão imbricados, já que as ações dos professores que hoje observamos mostram muitos aspectos históricos das suas formações na leitura em práticas que incidem sobre os letramentos de seus alunos.

Quanto ao tratamento que os dados receberam, é necessário esclarecer que a tese foi desenvolvida em estágios complementares: a pesquisa teórica foi sendo construída e reconstruída ao longo do trabalho tendo em vista os Estudos de Letramento, em correlação com as teorias sócio discursivas bakhtinianas, associadas, por sua vez, a uma teoria da prática - em que as teorias bourdieusianas de habitus e campos sociais foram revisitadas por Lahire (1998) e Hanks (2008). No início do processo de pesquisa, para tentar entender as ações das professoras em sala de aula que envolveram práticas sociais de letramento e analisar e interpretar o que elas próprias narraram sobre as suas histórias de formação profissional e de leitura, recorri ao marco inicial dos Estudos de Letramento no Brasil, a publicação de Os significados do letramento (KLEIMAN, 1995). Nesse contexto, a abordagem dos Estudos de Letramento sobre os usos da leitura e da escrita é determinante dos

desenhos e abordagens metodológicos desta pesquisa, como elementos norteadores para focar os gestos enunciativos das professoras enquanto eventos de letramento em ação, nas séries iniciais, relacionados à compreensão dos esquemas sociais de disposições incorporados por elas.

Aliados a essa compreensão, os estudos pós-estruturalistas franceses que refletem sobre o capitalismo do impresso e a mediação cultural pela escrita, ampliaram as reflexões sobre as ações e os esquemas utilizados pelas professoras em situação de ensino. Essas ampliações levam em consideração as sistematizações de autores como Bourdieu e Certeau, que, segundo Collins e Blot (2003), vêm contribuindo para pensarmos as dinâmicas simbólicas de pertencimento e os modos de dominação em mudança de ordens sociais contemporâneas baseadas no Estado.

Bourdieu, mais especificamente, contribui na medida em que defende que a escola funciona para perpetuar privilégios de classe e divisões de classe, quando reflete sobre o papel do conhecimento e da cultura na dominação simbólica. Dessa forma, o letramento escolar tem se configurado mais como uma diferenciação e hierarquização do que inclusão.

A perspectiva de Bourdieu aplicada aos estudos sociológicos da educação feitos por Lahire (1998) me permitiu perceber que a questão da formação de leitura das professoras de minha pesquisa está entre a problemática que envolve língua, letramento e identidade, cujas bases residem em dinâmicas sociais fundamentais. Nessas dinâmicas sociais, os conceitos de habitus e de campos sociais (de Bourdieu) serão exploradas na análise e interpretação da ação docente, segundo a expansão de Lahire (2002, 2006) de que os habitus concretizam-se em pluralidades de esquemas e disposições para a ação, no caso específico das salas do Ciclo Básico I da escola SN, que envolvem múltiplos letramentos.

Os questionamentos que passei a fazer sobre a história de leitura das professoras orientaram a geração das narrativas em eventos de letramento, como já mencionei, e a enfocá-las como uma enunciações discursivas segundo uma sistematização que associa a “poética sociológica” de Bakhtin à teoria da prática de habitus e os campos sociais bourdieusianos, sistematizados por Williams Hanks (2008), segundo explicitei no Capítulo 2 desta tese.

As narrativas como eventos de letramento foram examinadas de forma a possibilitar perceber os percursos de desenvolvimento individuais e de configuração

singular das experiências de formação de leitura das professoras a partir das projeções no campo educacional que envolvam as suas formações de leitura: nos sub-campos sociais da escola, família e academia, em que a formação de leitura se constituiu historicamente, segundo a pluralidade dos esquemas disposicionais de ações, habitus, incorporados.