• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO 3. IMPLICAÇÕES METODOLÓGICAS: PROCEDIMENTOS E GERAÇÃO DE DADOS

3.2. A NARRATIVA COMO REFLEXÃO DA PRÁTICA

que envolveram eventos de letramento que contribuíram para as suas formações de leitura.

Considero, assim, que tanto o que foi textualizado nas narrativas escritas quanto o que foi oralizado nas narrativas orais assumiram a perspectiva de complementação da observação de tipo etnográfica, desta feita, assumindo com maior clareza o caráter colaborativo, como reflexão da prática.

Para fundamentar a condução dessa perspetiva no trabalho, tomei como parâmetro algumas breves considerações de Bruner (1997), Brockmeier e Harré (2003) e Bamberg (2003), que explicitarei a seguir.

3.2. A NARRATIVA COMO REFLEXÃO DA PRÁTICA

A narrativa, segundo Brockmeier e Harré (2003), em pouco mais de uma década, tornou-se objeto de interesse de um grande número de novas investigações. Muitas delas estão de acordo com a visão segundo a qual o gênero em questão não é apenas de um novo objeto de investigação, como as histórias que as crianças contam, discussões em festas e jantares em diferentes ambientes sociais, relatos de doença e de viagens ao exterior, autobiografias, retóricas da ciência. Trata-se, antes, de uma nova abordagem teórica, de um novo gênero de filosofia da ciência29. Para estes autores:

A origem do interesse pela narrativa nas ciências humanas parece ser a descoberta, na década de 1980, de que a forma de estória, tanto oral quanto escrita, constitui um parâmetro lingüístico, psicológico, cultural e filosófico fundamental para nossa tentativa de explicar a natureza e as condições de nossa existência [...]. É justamente a integração íntima desses posicionamentos relativos à

29

Os autores citam, nas décadas de 1980 e 1990, autores como MacIntyre (1981), Sarbin (1986), Bourdieu (2002), Bruner (1986, 1990, 1993, 1999), Car (1986), Polkinghorne (1988), Ochs e Capps (2001), Riessman (1990), Linde (1993), Davies e Harré (1999), Holstein e Gurium (2000), Holland, Lachicote, Skinner e Cain (1998), Crossley (2000), Bamberg (2000b), Brockmeier e Carbaugh (2001), Mishler (1999, 2001), os quais têm aprofundado a idéia de que a identidade e self são narrativamente configurados (BAMBERG, 2002, p. 150). Além desses autores, Larrosa (2000), Josso (2002), Pineau (2004), Hess (2006), Pineau (2004) e Prado e Damasceno (2007) vêm trabalhando com as narrativas autobiográficas como instrumento de reflexão sobre a ação pedagógica.

interpretação que oferece o entendimento e a criação dos significados que encontramos em nossas formas de vida. Em particular, com relação a questões referentes à vida humana, é, sobretudo, através da narrativa que compreendemos os textos e contextos mais amplos, diferenciados e mais complexos de nossa experiência. (BROCKMEIER; HARRÉ, 2003, p. 525).

Esse discurso pode simultaneamente representar o self e posicionar o narrador interacionalmente, já que contém tipos de construções linguísticas que carregam sistematicamente a informação sobre os posicionamentos interacionais do narrador e das audiências.

Isso quer dizer que a participação ativa daquele que narra e daquele que ouve e as trocas estabelecidas nesse processo de comunicação levam a reconhecer que as narrativas devem ser interpretadas não somente como resultado de um processo de construção de significado pelo sujeito (de uma imagem de si mesmo, de sua família, de suas experiências com livros e leituras, etc.), fruto de suas inúmeras experiências sociais, mas também do tipo de interação estabelecida com o entrevistador, que influenciará até mesmo na qualidade das informações que o sujeito entrevistado julga como importante de serem abordadas no contexto da

interação30. Assim, a pesquisa com narrativas encaixa, na interação, também o

ouvinte, que é consultado constantemente quando os autores falam sobre suas vidas, seus papéis após algumas horas ou sobre sua participação.

Para reforçar essa ideia, Bruner (1997) considera que o estudo de narrativas pode significar um recurso metodológico valioso para investigações no caminho da psicologia social. Segundo o autor, o exame de narrativas sobre processos individuais (as visões sobre si mesmo) pode ser extremamente interessante por expressar um conjunto de significados construídos culturalmente pelo sujeito, que traz as marcas dos traços históricos e culturais internalizados pela pessoa numa determinada época e sociedade.

Na prática, para obtermos uma noção geral de um “si-mesmo” particular, devemos mostrar seus usos em uma variedade de contextos culturalmente

30

No campo da Psicologia Social, ao considerar as narrativas como forma de resistência e atribuição de sentido, Bamberg e Andrews (2004) deslocam constantemente as etapas daquilo que é específico do que se quer investigar - ou seja, em que uma narração é situada - para uma situação interacional, em que narradores e ouvintes são submetidos a um processo de transformação – e não somente uma representação de duas categorias, a do pesquisador (ouvinte) e a do pesquisado (narrador) muitas vezes colocadas mais em oposição do que em cooperação.

especificáveis. Em busca dessa meta, obviamente, não podemos acompanhar as pessoas ao longo de toda a sua vida, observando-as ou interrogando-as a cada passo do caminho. Mesmo que existisse essa possibilidade, empregá-la transformaria o significado pretendido da ação. E, de qualquer modo, no fim da pesquisa não saberíamos como unir os pedaços. Há, obviamente, uma alternativa viável, fazer uma investigação retrospectiva através de relatos: “(...) Refiro-me simplesmente a um relato do que se pensa que se fez, em que cenário, de que modo, por que razão. Ela será inevitavelmente uma narrativa (...), sua forma será tão reveladora quanto a sua substância” (BRUNER, 1997, p. 103).

Brockmeier e Harré (2003, p. 530) ressaltam que as narrativas operam, então, como mediadoras entre nossas realidades individuais e a realidade cultural e social mais ampla na qual estamos inseridos, sendo, portanto, por meio dessa forma discursiva que ”nos construímos como parte do mundo no qual vivemos”. Nossos diversos posicionamentos nessa construção também são re-estabelecidos no decorrer do processo narrativo.

Esses posicionamentos possibilitam a compreensão dos significados das relações estabelecidas por nós cotidianamente. Nesse contexto, está implícita a natureza interpretativista para entender os fatos sociais, a partir da análise dos discursos que os constroem. A noção de posicionamento é central na interpretação da interação narrativa também em termos de discurso narrativo.

Nesta pesquisa esse posicionamento em relação às práticas de letramento das professoras será de grande utilidade para a reconstituição dos processos de formação das professoras.