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Conforme explicitamos nas considerações teóricas expostas na seção 3.2 do capítulo 3, sobre o Funcionalismo Linguístico, utilizamos a proposta de Hopper e

5.3. Correlação forma-função: análise variacionista

Na etapa de mapeamento funcional, verificamos que o pretérito imperfeito do indicativo e as perífrases imperfectivas de passado codificam, nos contos analisados, as funções descritiva, habitual, desiderativa e narrativa. Considerando-se que as perífrases imperfectivas de passado e o pretérito imperfeito do indicativo, com base no conceito de regra variável proposto por Labov (1978)55, estão em variação, decidimos analisar a competição entre essas formas no corpus selecionado para esta pesquisa. Nesse sentido, além de explicitar a regra variável, objetivamos identificar os condicionamentos que favorecem a ocorrência de uma ou outra forma. Em perspectiva Sociofuncionalista, utilizaremos os princípios e métodos da Sociolinguística laboviana atrelados a interpretações funcionalistas dos resultados quantitativos, para verificar as tendências de uso como reflexo da organização do processo comunicativo.

Para alcançarmos tal intento, recorremos à análise estatística e utilizamos o programa GOLDVARB (2005), do pacote computacional denominado VARBRUL. Por meio desse aparato da estatística, obtivemos os cálculos de frequência das formas sob análise, os pesos relativos e a identificação da ordem de significância dos grupos de fatores testados para cada função. Nas rodadas estatísticas, consideramos o pretérito imperfeito do indicativo como aplicação da regra para as funções descritiva e narrativa, ou seja, como a forma esperada para a codificação da função analisada, e a perífrase imperfectiva para as funções habitual e desiderativa, pois, nas duas primeiras funções,

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De acordo com Labov (1978), duas ou mais formas que, necessariamente, têm o mesmo valor de verdade no mesmo contexto, ou seja, portam o mesmo significado referencial, constituem uma regra variável.

197 as formas de pretérito imperfeito foram mais recorrentes, assim como nas duas últimas, obtivemos mais a forma perifrástica. Além disso, como temos muitos grupos de fatores em todas as funções analisadas, resolvemos codificar cada conto por autor, pois essa codificação resultou, em todos os casos, mais significativa nos testes de qui-quadrado56. Ademais, excluímos o grupo zona linguística por apresentar sobreposição com os autores dos contos literários, já que cada autor pertence a uma zona específica. Com esses procedimentos, buscamos, também, satisfazer a exigência da navalha de Occam (filósofo medieval Guilherme de Occam), que apregoa que devemos restringir ao mínimo o número de entidades para explicarmos alguma coisa.

Para cada função, foram controlados os seguintes grupos de fatores para evidenciar quais favorecem ou desfavorecem o uso de uma ou outra forma imperfectiva de passado: parâmetros de transitividade, conforme Hopper e Thompson (1980); tipos de verbos, conforme Vendler (1957, 1967); relação figura e fundo (relevo discursivo); unidades da narrativa (Labov, 1972b) e os autores dos contos.

É importante salientar que, nos parâmetros de transitividades, excluímos o Aspecto, já que todas as formas em análise apresentaram o Aspecto imperfectivo. Ademais, para a função habitual, incluímos o grupo de fator denominado modificador aspectual, pois este resultou significativo para a codificação da habitualidade. Passemos, agora, para a análise da variação em cada função analisada.

5.3.1. Variação entre o pretérito imperfeito e a perífrase imperfectiva de passado na função descritiva

A função descritiva, geralmente, está associada ao fundo da narrativa, ou seja, as formas imperfectivas são utilizadas, para descrever, comentar e apontar detalhes. Por meio desta função, o narrador dá sustentação à narrativa, utilizando as formas imperfectivas, neste contexto, como fundo para os acontecimentos que serão narrados.

Na codificação da função descritiva, tivemos de excluir o grupo de fator unidade da narrativa, pois só encontramos as duas formas na complicação da ação. Além disso, houve sobreposição entre os parâmetros de transitividade pontualidade e volitividade, pois apresentaram os mesmos valores e a mesma distribuição para as

198 formas sob análise. Logo, realizamos duas rodadas separadas: uma excluindo a pontualidade e a outra sem a volitividade. Nesta função, obtivemos, nas duas rodadas, 676 formas de pretérito imperfeito e 32 formas de perífrases imperfectivas de passado. Vejamos dois exemplos que ilustram a variação entre as formas imperfectivas de passado, na codificação da função descritiva:

(235) Entonces entró en su casa, que era verdaderamente hermosa./ Então, entrou em sua casa, que era verdadeiramente bonita. (Bruja – Julio Cortázar)

(236) ... se llamaba Esteban, jamás quería salir de la casa./ ... se chamava Esteban, jamais queria sair da casa. (Bruja – Julio Cortázar)

De todos os grupos testados, o programa selecionou, nessa ordem, como significativos os seguintes: número de argumentos, tipos de verbos, figura e fundo (relevo discursivo), afetamento do objeto, autores dos contos e volitividade. Passemos, agora, às considerações sobre cada grupo. Vejamos o primeiro grupo selecionado:

Tabela 10 – Atuação do número de argumentos no uso do pret. imperfeito versus a perífrase imperfectiva na codificação da função descritiva.

Fatores Aplicação/Total Percentual Peso Relativo + de 1 Argumento 31/40 77,5 1.000 1 Argumento 645/668 96,6 0.352

A partir dos pesos relativos obtidos, podemos verificar que, com apenas um argumento na oração, há uma menor incidência de formas do pretérito imperfeito do indicativo 0.352, fato que não se repete com a presença de mais de um argumento, pois o peso relativo é 1.000. De modo geral, as formas imperfectivas apresentaram baixos percentuais para este parâmetro, conforme vimos na seção 5.2. deste capítulo, já que, na

199 narrativa, as formas imperfectivas, geralmente, apresentam apenas um argumento. Quanto maior o número de argumentos, maior será a possibilidade de transferência da ação de um participante para outro e, em geral, são as formas perfectivas que tendem a atuar na transferência de uma ação, no texto narrativo. Hopper e Thompson (1980) atribuem baixos valores de transitividade para as formas imperfectivas de passado e altos valores para as formas perfectivas, como os pretéritos perfeito simples e composto do Espanhol.

Vejamos, agora, os resultados fornecidos para os tipos de verbo, conforme a proposta de Vendler (1957, 1967).

Tabela 11 – Atuação do tipo de verbo no uso do pret. imperfeito versus a perífrase imperfectiva na codificação da função descritiva.

Fatores Aplicação/Total Percentual Peso Relativo

Atividade 60/68 88,2 0.997 Culminação 31/33 93,9 0.066 Proc. Culminado 4/7 57,1 0.897 Estado 581/600 96,8 0.368

A correlação entre tipo de verbo e pretérito imperfeito do indicativo é mais significativa com os verbos de atividade, seguida pelos verbos de processo culminado. Se considerarmos a escala de (im)perfectividade, proposta por Givón (2001), verificamos que os verbos de atividade se encaixam na distribuição em relação às formas do pretérito imperfeito, pois estes verbos estão atrelados às formas imperfectivas. De acordo com Givón (2001, p. 287 e 288), a (im)perfectividade pode ser aferida em uma escala gradual, a partir de dois traços: fronteira temporal (nítida vs. difusa) e duração (curta vs. longa):

200 (1) Verbos compactos (culminação): em um extremo da escala de perfectividade, estão os verbos que codificam situações cujas fronteiras inicial e final são definidas e coincidentes.

(2) Verbos de processo culminado: codificam a completude de uma situação. É uma situação com a fronteira final nítida, cuja duração é maior do que a dos verbos de culminação.

(3) Verbos de atividade: a situação codificada por esse tipo de verbo pode ter as fronteiras inicial e final definidas, mas o foco está na duração.

(4) Verbos de estado: no outro extremo da escala de (im)perfectividade, verbos de estado focam a duração do evento, sem delimitação das fronteiras.

Vejamos a escala de (Im)perfectividade e marcação proposta por Givón (2001, p.287 e 288):

Compacto57 Processo Culminado Atividade Estado Fronteira + + +/- - Duração - +/- +/- +

+ Imperfectividade

Com relação à significância de cada tipo de verbo, pudemos verificar que os verbos de atividades favorecem a ocorrência de formas do pretérito imperfeito do indicativo com peso relativo (0.997), seguidos pelos verbos de processo culminado que apresentam peso relativo (0.897). Logo, podemos inferir que as formas do pretérito imperfeito do indicativo tendem a ocorrer, principalmente, em contextos em que os verbos apresentam dinamicidade e cuja duração da situação é maior .

57 Givón (2001) refere-se a verbos de curta duração, o que corresponderia, na classificação de Vendler