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Correspondência de Rio Bonito O Planalto, Lages, n° 77, 12 de dezembro de 1918.

Tensões e conflitos

81 Correspondência de Rio Bonito O Planalto, Lages, n° 77, 12 de dezembro de 1918.

leitor, o que nisso enxergo, é a tendência instintiva dum povo ainda sadio de defender o mie a nossa santa religião lhe é objeto mais caro - a família. 2

Na segunda parte do artigo o tom da escrita se torna menos gentil e passa a ser mais repressiva sobre os defeitos que, em seu ponto de vista, assolam a sociedade lageana:

Sim, bem haja esta gente que apesar das defeiturias correntes modernas sabe manter a autoridade paterna na fam ília; pois salva a família, salvo está seu próprio futuro.

[...].

Dizem que onde há muita luz não fa lta sombra se quanto a serra devo confirmar o dito, posso logo acrescentar que a sombra parece projeção de defeitos recentes. Um fa to é que a, oração noturna, realizada com a presença de todos os membros da fam ília parece estar caindo em desuso. Seria pena. Pois além de também neste caso se tratar dum digno costume brasileiro, traz consigo a desvantagem de os pequenos aprenderem mais dificilmente as belas orações

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costumeiras.

Por fim, o padre Geraldo José Pauwels S. J., chega ao ponto que de fato lhe interessa. Convictos de suas certezas, ele condena de modo contundente a comemoração do carnaval que se estendeu até a manhã da Quarta-feira de Cinzas:

Depois há outro fa to ainda que julgaria pura impossibilidade, se não me tivesse assegurado sua veracidade pessoas incapazes de faltar com a verdade: E que no carnaval passado, os bailes teriam sido prolongados até o clarear da 4a feira de Cinzas. M as isso constituiria não só uma fa lta imperdoável contra os antigos costumes do Brasil, senão também e, sobretudo contra o Espírito da nossa Santa

82 Tradições Serranas. Correio de Lages. Lages, n° 81, 20 de fevereiro de 1926. 83 Tradições Serranas. Correio de Lages. Lages, n° 81, 20 de fevereiro de 1926.

Religião! Quero crer que tenha sido uma exceção engendrada por quem não sabe ou não quer guardas os limites do

conveniente. Parece-me que neste particular uma

combinação amigável dos presidentes dos diferentes clubes seja suficiente, para acabar com uma praxe tão ofensiva aos sentimentos religiosos do povo lageano.84

A relação dos alemães, integrantes do clero ou não, com a sociedade lageana era heterogênea, marcada por avanços e recuos e, sobretudo, mediada pelas estratégias que cada indivíduo articulava particularmente sendo que, são inegáveis as vivências e experiências que produziram naquela sociedade.

Em 1929, Lages recebeu a visita do Cônsul da Alemanha, Dr. Dittmar, o qual estava avaliando se a região oferecia condições, ou não, para a implantação de projetos de colonização alemã.85 Segundo o cônsul:

...o alemão goza de boa aceitação e os poucos alemães aí residentes desempenham um papel importante, o que não deve ser tributado em último lugar aos franciscanos alemães e às irmãs alemãs na escola e Igreja.86

Concordo que o trabalho dos franciscanos, bem como o trabalho das Irmãs da Divina Providência, foi significativo e imprimiu marcas na cidade e na sociedade lageana. Contudo, os alemães e/ou seus descendentes laicos também participaram efetivamente da história daquela sociedade como esta dissertação vem apontando.

84 Tradições Serranas. Correio de Lages. Lages, n° 81, 20 de fevereiro de 1926. 85 Correio de Lages. Lages, n° 234,13 de junho de 1929.

86 Dienstreire des Konsuls Dr. Dittmar in Florianópolisüber das Hoc hl and des Staats Santa Catarina in das tal Rio do Peixe (1929) Bundesarchiv Berlin, R.57/474-29. Tradução do Prof. Dr. Valberto Dirksen.

O cónsul Dittmar afirma que:

Numericamente a germanidade na cidade é fraca (8 fam ilias alemãs e 12 fam ílias de origem alemã). Inclusive no restante

o n do município vivem poucos de fa la alemã.

No entanto, também afirma que, segundo estimativas, são 200 [alemães] sobre uma população de 50.000 habitantes88 e abre uma nova consideração:

Contudo encontram-se muitos nomes de fam ílias alemãs cujos portadores sucumbiram na brasilidade e não entendem mais

uma palavra sequer em alemão.89

As falas do cônsul não deixam dúvidas de que para ele a germanidade está vinculada à manutenção do idioma alemão. Seu ponto de vista desconsiderou os valores que alemães carregaram por gerações e que continuaram se fazendo presentes em suas vidas, mesmo quando estes abandonaram as práticas lingüísticas dos seus antepassados.

Deve-se considerar que o componente lingüístico é um elemento forte na noção de nacionalismo próprio da cultura alemã.90 Esta convicção levou muitos a crerem que o abandono do idioma alemão representava a perda da germanidade. No entanto, a cultura de um povo pode ir bem além das suas práticas lingüísticas.

87 Ibidem. 88 Ibidem. 89 Ibidem.

90 CAMPOS, Cynthia Machado. A política da língua na era Vargas: proibição do falar alemão e resistências

Entendo que muitas pessoas com nomes alemães, que o cônsul Dittmar afirma terem caído na brasilidade, carregavam consigo valores, especificidades que devem ser averiguadas. Afinal, o ingresso de estrangeiros no Centro-Sul do Brasil mudou a paisagem social com sua presença nas atividades econômicas, seus hábitos alimentares e seus costumes?1 Com certeza em Lages não foi muito diferente. O estudo das suas trajetórias de vida aponta para tensões e conflitos, mas também aponta para alianças e negociações, através das quais participaram da construção da cidade de Lages e da formação cultural daquela sociedade.

O estudo dos. processos dinâmicos e instáveis da trajetória de vida destes alemães e seus descendentes apontam especificidades na memória da sociedade lageana, como se observará no ultimo capítulo desta dissertação.

91FAUSTO, Boris. História do Brasil. 5. E 4 São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo: Fundação do Desenvolvimento da Educação, 1997, p. 281.