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Os Tiros de guerra foram organizações paramiliíares que se formaram em cidades e vilas do país com o propósito de auxiliar o exército brasileiro, caso fosse necessário, em seu estado de guerra, contra a Alemanha

O Tiro de guerra de Lages ao ser incorporado à Confederação dos Tiros de guerra recebeu oficialmente o n° 433. Ia: COSTA. Op. cit. p. 721-2.

Posteriormente, alguns alemães residentes em Lages se organizaram formando o Grupo Lageano da Confederação Germânica para a América do Sul - Seção Brasileira. Segundo Licurgo Costa, eles eram partidários da nação dos seus antepassados e estavam certos de que a Alemanha venceria o conflito. Partindo desta convicção, eles estavam se preparando para tomarem o governo municipal no momento da suposta vitória. As autoridades lageanas montaram um inquérito para averiguar os relatos dos participantes da confederação, no entanto, o assunto acabou no esquecimento após ter sido enviado para a

Seeretaria-Geral do Governo, em Florianópolis.34

Em 1918, o Brasil enviou à Europa um corpo de aviadores, uma missão médica e uma esquadra para colaborarem com as nações aliadas (Rússia, França, Império Britânico, Itália, Estados Unidos e outros países). No mesmo ano, a guerra viria a terminar. A notícia de que a Alemanha teria solicitado o armistício e que os Aliados só aceitariam uma rendição incondicional chegou a Lages através de um telegrama. Novamente, as ruas de Lages foram palco de uma manifestação popular que tinha a I Guerra como tema. Este evento da história lageana foi descrito primorosamente em artigo do Jornal O Planalto, onde o articulista assume uma postura política declarada mediante o referido conflito:

A Alemanha estrebucha... A manifestação do povo lageano

Por telegrama recebido nesta cidade, segunda feira última, soube-se que os aliados recusaram conceder o armistício pedido pela Alemanha, declarando que só aceitariam a paz ou pela capitulação do país sinistro que

ateou a horrorosa fogueira universal da guerra ou pelo seu esmagamento completo pelas armas.

Essa noticia - que terminava dando conta da tomada de Ostende, Zeebrugge e Lille - fe z vibrar o povo lageano de intenso entusiasmo. E desse entusiasmo pela atitude inquebrantável dos aliados originou-se a extraordinária manifestação que tivemos ocasião de assistir, na segunda- feira à noite.

Puxada por uma banda musical, partiu a massa popular da frente do Armazém Cruzeiro, à rua Correia Pinto e, avolumando-se de instante a instante, dirigiu-se para a redação do Lageano, onde estacou.

Ali, falou o Sr. José Luiz de Castro, que num ligeiro improviso teceu a apologia aos aliados e evocou o símbolo da paz que se apaixonava, não a paz sonhada pela Alemanha e pelo Kaiser imperialista, mas a paz que será ditada pelos aliados sobre as cinzas ainda fumegantes de Liége Louvain e tantas outras cidades, outras barbaramente bombardeadas pelo inimigo da civilização.

O orador fo i muito aplaudido; e a massa popular, de baixo de delirantes vivas ao Brasil, á Inglaterra, a França, aos Estados Unidos e aos demais países aliados - dirigiu-se em seguida para a sede da S. D. Particular Amadores da Arte, onde o Sr. José Gomes leu discurso em que pôs a n u os sentidos dos retovados.

De uma das janelas de nossa redação, em cuja frente o povo veio logo depois estacionar, falou o nosso companheiro Paulino de Athayde; de uma das janelas do prédio, residência do Cel. José Maria D. de Arruda - o

Bacharel Vidal Ramos Neto.

Depois o povo dirigiu-se para a Rua Quinze de novembro - onde o jovem João de Deus Carvalho, primeiramente, e depois o nosso ilustre colaborador Major

Otacílio Costa - este é um grande arroubo de admiração pela Inglaterra, rainha dos mares, estóica e teimosa, garantia de

paz satisfatória - fizeram-se ouvirem discursos

entusiasmados.

Da frente do palacete Costa, continuando a marcha, o povo fo i estacionar nas proximidades do Club I o de Junho, de onde falou o Sr. Gentil Viera Borges, que terminou dando morra à Alemanha e vivas ao Brasil!

E assim Lages deu mostras do seu regozijo pelos triunfos que vão sendo alcançados pelos aliados e da sua fé na vitória fin a l da civilização.35

O jornalista informa que a manifestação popular iniciou em enfrente ao Armazém Cruzeiro. Os armazéns não se prestavam apenas a função de compra e venda de mercadorias. Por vezes, eles também funcionavam como pontos de encontros entre pessoas que iam e vinham, que circulavam dentro e fora dos arredores da cidade. Nestes espaços, histórias de vida eram relembradas, reinventadas e recontadas, através de um processo dialético entre o passado e o presente, onde a própria existência destes sujeitos era produzida. Simultaneamente, os armazéns, por vezes, sediavam fóruns de debates a respeito de questões econômicas, sociais e políticas. Neste sentido, é significativo que a manifestação popular acima citada tenha iniciado em frente ao Armazém Cruzeiro, lugar onde os mais diferentes segmentos da sociedade poderiam ter acesso às informações publicadas pela imprensa local e, simultaneamente, debate-la.

O final da I Guerra Mundial, ocorrido em 11 de novembro de 1918, foi divulgado pela imprensa lageana com três dias de atraso. A repercussão da notícia ascendeu à empolgação do povo que promoveu uma nova manifestação popular, a qual tinha o propósito de comemorar o fim do conflito internacional.36

Até onde se pode averiguar, salvo o conflito mencionado, os alemães e teuto- brasileiros residentes em Lages não enfrentaram maiores problemas durante a I Guerra Mundial. Diferentemente, a II Guerra Mundial (1939-1945) assumiu um caráter bem

35 A Alemanha estrebucha... O Planalto, Lages, n° 71, 24 de outubro de 1918. 36 O Lageano, Lages, 08 de dezembro de 1917. In.: COSTA. Op. cit. p. 718.

diverso da primeira, na medida em que representou uma ruptura num sentimento de identidade alemã que alguns indivíduos que possuíam tal origem alimentavam. Até 1942, ano em que o Brasil entrou na Guerra, filhos, netos e bisnetos de alemães que viviam em Lages se identificavam como alemães, independentemente de terem nascido no Brasil.37

O Padre Andréas Wiggers, bisneto de alemães, recorda que, entre seus familiares, o casamento com pessoas que não fossem de origem alemã não era bem visto porque, segundo ele, não faziam parte da mesma estirpe, ou seja, não partilhavam da mesma identidade etno-cultural, defendida com base na memória dos seus antepassados:

Para os alemães era natural que o rapaz casasse com uma moça da mesma estirpe, então havia este fechamento. Hoje é diferente, mas na época era fundam ental3

Independente de serem aceitos ou não, tais casamentos aconteceram, como se observará nos capítulos seguintes. O que interessa no momento é perceber uma mudança no sentimento de identificação étnica entre os descendentes de alemães que viviam na sociedade lageana, o qual ocorreu como resposta às tensões que se deram entre estes sujeitos e os que se identificavam como brasileiros. Em Lages este conflito foi particularmente significativo após a implementação da política de nacionalização durante o Estado Novo. Esta política defendia a idéia de homogeneidade etno-cultural-religiosa entre

37 Elizabeth Feldhaus Martinhago. Nascida em Rio Fortuna, em 1935. Entrevista realizada em Lages, em 12