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Elizabeth Feldhaus Martinhago Entrevista citada 52 Maria Luiza Suiter Aquino Entrevista citada.

53 POLLAK, Michael. Memória, esquecimento, silêncio. In.: Estudos Históricos, Rio de Janeiro: CPDOC/ Fundação Getúlio Vargas, vol. 2, n° 3, 1989, p. 4.

Eles disseram que tiraram os alemães de casa para protegerem suas famílias, porque o povo podia se revoltar ou fazer alguma coisa contra os alemães. E assim, estando só as

mulheres e as crianças em casa, ninguém faria nada Quanto tempo eles ficaram detidos?

M eu pai [José Suiter] ficou 2 meses, mas é porque ele já tinha 60 anos. Ele já estava velho e eles ficaram detidos primeiro na delegacia, como presos comuns. Depois, não sei como é que fizeram um acordo, mas o diretor da estrada de rodagem dali, perguntou se eles não queriam trabalhar na construção da estrada que fica a 14 Km daqui, a estrada que ia para Florianópolis. Então eles foram para lá, para ajudar, mas ai o diretor disse: “Vocês vão para lá ficar sob o efeito de ordem de um feito r e se vocês quiserem trabalhar, vocês trabalham! M as não é trabalho! Pegam uma enxada, fazem uma coisinha ou outra, fazem alguma outra coisa. A í vocês ganham uma comida melhor. Agora se vocês não quiserem trabalhar, vocês ficam dentro da casinha. ” A casinha era de chão batido e rebocamos, era para eles todos. Como todos eles eram dispostos, disseram: “Não, nós vamos trabalhar. ” Ninguém ia fazer força demais. Então o meu pai roçava antes de fazer a estrada. Era tudo feito a mão. Então eles ganharam comida melhor e foram bem tratados lá e o feito r ainda disse: “Olha, eu vou tratar bem vocês, porque eu imo sei se amanhã ou depois, vocês não vão ser meus patrões.... Só peço para vocês não fugirem. ” Ninguém fugiu, todo mundo ficou lá, numa boa. Trabalhando. Mas assim não trabalhando muito. Eles faziam alguma coisa e daí a comida deles era melhor. E daíficaram .54

Assim como as memórias escritas, as memórias orais também articulam as lembranças de acordo com as motivações do presente. No entanto, uma das especificidades que a história oral traz consigo é que, dificilmente se consegue levantar experiências vividas para além da terceira geração. Ou seja, um neto vai falar de seus avós, porém, em raríssimos casos, falará dos seus bisavós. No entanto, não se pode negar que, às vezes, os

indivíduos e grupos apropriam-se de experiências vivenciadas não apenas por eles, ou por seus contemporâneos, mas também por antepassados, por gente que viveu antes deles, em outras épocas55 Graças a esta faculdade social da memória foi possível recuperar experiências vividas por alemães que foram presos e submetidos a um trabalho compulsório na construção da estrada que liga Lages a Florianópolis. Em sua fala Maria Luiza faz questão de citar nomes e as ocupações dos alemães que, como seu pai, viveram um exílio nas proximidades de Lages, durante a II Guerra Mundial:

Tinha esse Pulfrich, que estava lá

Tinha também o Oscar Nüsser, que era meu padrinho. Os dois eram compadres do meu pai.

O José Steffens, que por sinal era brasileiro. Ele gostava muito de política Ele faleceu fa z pouco tempo. Os filhos dele estão por aí.

Tinha o Walter Taggesell, que era agrimensor. Havia outros. Tinha um de Florianópolis, Frederico Haotmann, ele era escafandrista. Alguém perdeu dinheiro no rio e ele veio aqui para procurar esse dinheiro, mas no fim não acharam nada. Afundou com um cavalo e tudo. Ele fo i preso com a mulher.

Tinha o Walter Gilm, o Tup, como era chamado. Eram uns quantos, uns 15.

Tinha o Guilherme Kall, que era mecânico.

E que eu me lembro é só, mas eram uns 15 alemães, mas eles eram todos de p a z.56

As memórias de guerra são lembranças secretas que entraram em dissonância com a história oficial contida em discursos totalizantes que, por vezes, englobaram o federal, estadual e o local numa única matriz discursiva e ideológica. Recorrendo a Michael Poliak,

ss AMADO, Janaína. O grande mentiroso: tradição, veracidade e imaginação em história oral. Ia: História. São Paulo: Universidade Estadual Paulista, vol. 14,1995, p. 133

estas lembranças durante tanto tempo confinadas ao silêncio, foram transmitidas cuidadosamente nas redes familiares e de amigos, de uma geração a outra, através da oralidade. Elas permanecem vivas e, longe de serem esquecidas, representam a resistência de uma sociedade civil que se opõe aos discursos.57

As lembranças também passam por um processo de negociação entre o passado e o presente, o coletivo e o individual, a memória oficial e a memória das minorias.58 Associando, ao meu ver, lembranças de um tempo que lhe foi doloroso com a sua condição atual de senhora de boa posição social, Maria Luiza articula o passado com o presente de modo, por vezes, um tanto quanto estranho. Ela afirma que os alemães residentes em Lages f orean detidos e ficaram lá numa boa trabalhando em troca de boa comida 59 Segundo a entrevistada, o seu pai permaneceu menos tempo no acampamento da estrada em construção do que os seus patrícios, devido a um problema de saúde:

O meu pai ficou 2 meses, os outros ficaram mais. O meu pai gostava muito de trabalhar no serviço de terra e com isso ele adquiriu uma hérnia de tanto fazer força. Mas ele fez, porque ele quis. A í aquela hérnia começou a sair, então eles o mandaram para casa para repousar. Ele já tinha 60 anos. Então ele fo i um dos primeiros a sair.60

57 POLLAK, Michael. Memória, esquecimento, silêncio. In.: Estudos Históricos, Rio de Janeiro: CPDOC/ Fundação Getúlio Vargas, vol. 2, n° 3, 1989, p. 5.

58 Ibidem, p. 4.

59 Maria Luiza Suiter Aquino. Entrevista citada. 60 Maria Luiza Suiter Aquino. Entrevista citada.

A experiência vivenciada por uma outra alemã residente em Lages, Ruth Scholz Mendonça, mãe de Alice Mendonça, oferece uma outra perspectiva dos conflitos sociais ocorridos em Lages, durante a II Guerra Mundial. Sem ter sofrido nenhum tipo de agressão física ou moral propriamente dita, Ruth trocou o ofício de professora ginasial e secundarista pelo de costureira, em resposta às exigências políticas que se colocavam para os cidadãos de nacionalidade alemã residentes no Brasil naquele momento07

A escola, enquanto um espaço disciplinador de práticas e condutas, foi um lugar onde se exercitaram as relações de tensões e poder. Elizabeth Feldhaus Martinhago, bisneta, por parte de pai apenas, de um alemão que chegou em Santa Catarina na década de 1860, recorda sobre a comemoração do Dia 7 de Setembro de 1942. Na ocasião, líderes políticos locais compareceram a uma pequena escola da Bocaina do Sul, até então área rural de Lages, para proferirem discursos comemorativos ao referido feriado. Na ocasião, Elizabeth, com aproximadamente sete anos, não compreendeu o conteúdo das falas do orador já que naquele momento, ainda não tinha o domínio do português. No entanto, ela não esquece o que se passou naquele dia. Sem ter noção da complexidade do contexto político ideológico que convulsionava boa parte do mundo - e que tinha sua pior pústula na Alemanha, país de onde seus avós procediam - Elizabeth relembra:

Era um dia de sete de setembro, no tempo da guerra. Eles fizeram um mundo de discursos. Eu estava parada, quieta e... daí uma professora me empurrou na roda e disse: “Canta sua quinta coluna. ” Mas eu só pulava junto porque eu não sabia cantar. A gente tinha que pular junto porque a gente não