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A corrupção como risco à República

2. O DESVIO DE RECURSOS E SUA RELAÇÃO COM O FEDERALISMO

2.4 Corrupção

2.4.2 A corrupção como risco à República

Um ponto importante a ser discutido diz respeito ao momento em que a corrupção

pode representar uma verdadeira ameaça ao princípio republicano.

De acordo com Renato Janine Ribeiro, dos três regimes de governo mencionados

por Montesquieu (monarquia, república e despotismo

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), a corrupção somente poderia

verbas ou valores do patrimônio de qualquer das entidades mencionadas no art. 1º desta lei, sem observância das formalidades legais e regulamentares aplicáveis à espécie; IV - permitir ou facilitar a alienação, permuta ou locação de bem integrante do patrimônio de qualquer das entidades referidas no art. 1º desta lei, ou ainda a prestação de serviço por parte delas, por preço inferior ao de mercado; V - permitir ou facilitar a aquisição, permuta ou locação de bem ou serviço por preço superior ao de mercado; VI - realizar operação financeira sem observância das normas legais e regulamentares ou aceitar garantia insuficiente ou inidônea; VII - conceder benefício administrativo ou fiscal sem a observância das formalidades legais ou regulamentares aplicáveis à espécie; VIII - frustrar a licitude de processo licitatório ou dispensá-lo indevidamente; IX - ordenar ou permitir a realização de despesas não autorizadas em lei ou regulamento; X - agir negligentemente na arrecadação de tributo ou renda, bem como no que diz respeito à conservação do patrimônio público; XI - liberar verba pública sem a estrita observância das normas pertinentes ou influir de qualquer forma para a sua aplicação irregular; XII - permitir, facilitar ou concorrer para que terceiro se enriqueça ilicitamente; XIII - permitir que se utilize, em obra ou serviço particular, veículos, máquinas, equipamentos ou material de qualquer natureza, de propriedade ou à disposição de qualquer das entidades mencionadas no art. 1° desta lei, bem como o trabalho de servidor público, empregados ou terceiros contratados por essas entidades; XIV – celebrar contrato ou outro instrumento que tenha por objeto a prestação de serviços públicos por meio da gestão associada sem observar as formalidades previstas na lei; XV – celebrar contrato de rateio de consórcio público sem suficiente e prévia dotação orçamentária, ou sem observar as formalidades previstas na lei”.

169 “Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração

pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente: I - praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto, na regra de competência; II - retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício; III - revelar fato ou circunstância de que tem ciência em razão das atribuições e que deva permanecer em segredo; IV - negar publicidade aos atos oficiais; V - frustrar a licitude de concurso público; VI - deixar de prestar contas quando esteja obrigado a fazê-lo; VII - revelar ou permitir que chegue ao conhecimento de terceiro, antes da respectiva divulgação oficial, teor de medida política ou econômica capaz de afetar o preço de mercadoria, bem ou serviço”.

170 A propósito, estas são as definições de cada um dos regimes elaboradas pelo próprio Montesquieu

(Charles-Louis de Secondant, Barão de La Brède e de Montesquieu), na obra Do Espírito das Leis (primeira parte, livro segundo, capítulo I): “Existem três espécies de governo: o Republicano, o

representar uma ameaça à república. Sendo o cerne do despotismo o próprio aviltamento

do ser humano, não teria sentido afirmar que a corrupção lhe geraria algum risco. Quanto à

monarquia, a corrupção já seria inerente ao seu sistema, o qual defende a desigualdade

entre os homens, partindo do pressuposto de que somente alguns possuem a honra (o

nobre, por exemplo), tendo como resultado a existência de privilégios e a apropriação do

bem público para finalidades particulares do soberano. Já a República encontraria na

corrupção a sua antítese. De fato, no regime republicano prevalece o respeito à coisa

pública

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, em que “o bem pessoal é requisito para produzir o bem social”, representando a

corrupção uma ameaça a esse princípio. Em outras palavras, “a república é o regime da

ética na política”

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.

Na república antiga, em Roma, a corrupção também estava presente, mas era

encarada em relação aos costumes. Prezava-se a supremacia do bem comum em detrimento

do interesse pessoal, motivo pelo qual se exigia que os cidadãos fossem decentes, ou seja,

abrissem mão da liberdade íntima (propugnava-se, inclusive, a contenção sexual). Vale

dizer, buscava-se a realização da coletividade e não a realização pessoal, devendo o

indivíduo se sacrificar pela coletividade. A virtude era o princípio da república; a

corrupção, seu oposto

173

.

Quanto à virtude, Montesquieu a considerava em relação à pátria, à igualdade, e

não exatamente em relação à moral. Propugnava a virtude política, em que o bem coletivo

era a tônica. Ao estabelecer um paralelo com os demais regimes, esclarece que

(...) O temor dos governos despóticos nasce de si mesmo, entre as ameaças e castigos; a

honra das monarquias é favorecida pelas paixões e favorece-as por sua vez. Mas a virtude

política é uma renúncia a si próprio, que é sempre algo muito penoso.

Monárquico e o Despótico. Para descobrir-lhes a natureza, é suficiente a idéia que deles têm os homens menos instruídos. Suponho três definições, ou antes, três fatos: um que o ‘governo republicano é aquele em que o povo, como um todo, ou somente uma parcela do povo, possui o poder soberano; a monarquia é aquele em que um só governa, mas de acordo com leis fixas e estabelecidas, enquanto, no governo despótico, uma só pessoa, sem obedecer a leis e regras, realiza tudo por sua vontade e seus caprichos’” (In: Os Pensadores. Trad. Editora Bertrand Brasil. Rio de Janeiro. São Paulo: Nova Cultural, 1997, v. 1, p. 45. Título original: De l’Esprit des lois, ou du rapport que les lois doivent avoir avec la constitution de chaque gouvernement, les mouers, le climat, la religion, le commerce, etc. – 1ª edição, 1748). Complementa, ainda, Montesquieu: “Quando, numa república, o povo como um todo possui o poder soberano, trata-se de uma Democracia. Quando o poder soberano está nas mãos de uma parte do povo, trata-se de uma Aristocracia” (Op. cit., p. 45).

171 É de se lembrar que o termo república vem do latim republica, que se origina dos termos res publica e

que significa coisa pública.

172 A República. 2ª ed. São Paulo: Publifolha, 2008, pp. 43-45.

Podemos definir esta virtude como o amor pelas leis e pela pátria. Este amor, exigindo

sempre a supremacia do interesse público sobre o interesse particular, produz todas as

virtudes individuais; elas nada mais são do que esta supremacia.

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Renato Janine Ribeiro afirma que, modernamente, o princípio da república deixa de

ser o da virtude e passa a ser o do interesse, elemento voltado para a realização pessoal.

Esse interesse, no entanto, deve ser orientado para se apresentar de forma equilibrada, com

o fim último de alcançar a estabilidade do cidadão, mas respeitando o patrimônio social

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.

Bem por isso, a corrupção ganha outro sentido nos dias atuais, representando a

utilização da coisa pública para se alcançar fins privados. Essa é a situação em que o

interesse, ou seja, a busca pela realização pessoal ultrapassa os limites ideais e acaba por

atingir o bem comum. A ocorrência generalizada dessa situação põe em risco a existência

da própria república.