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2.5.a) A discussão de eficiência nas cortes é válida?

Dois grandes motivos da resistência dos advogados e juristas contra a incursão de economistas no estudo das instituições legais é a tendências destes últimos a (i) avaliar tudo, inclusive a “Justiça”, com os critérios de eficiência; (ii) enxergar as cortes e demais organizações judiciais como “mais uma firma”, ou “mais um mercado”. Para os juristas isso é um sacrilégio, pois afinal de contas, as cortes têm a função de garantir a Justiça, a Igualdade e a Dignidade para todos os cidadãos, principalmente os mais oprimidos. Com tal nobre missão, como se pode enxergá-las como uma simples firma, produtoras de bens e serviços ordinários, preocupadas com custos, produtividade e outros fatores “vis”? Certamente Posner, um dos primeiros que abriu as portas da economia para os juristas, bem sabia da dificuldade desta tarefa. Ele conhecia e já previa as críticas que os juristas fariam (e que de fato fizeram mais tarde). Já em 1973 escreveu:

Economic analysis of law has aroused considerable antagonism, and not only among academic lawyers who dislike the thought that the logic of law might be economics [...] [A] criticism is that the normative underpinnings of the economic approach are so repulsive that it is inconceivable that the legal system would embrace them [...] (2003, p. 26)

Entretanto, Posner estava bastante determinado a mostrar o outro lado da análise econômica. Suas obras no Law and Economics, apesar dos “altos e baixos”27, têm tido como

objetivo justamente mostrar aos juristas que aplicar a teoria econômica ao Direito não é tão ilógico assim. Na verdade, segundo o autor, o conceito de eficiência econômica já seria usado em grande parte das cortes, pela ausência de alternativas efetivas:

[Provided that the efficiency concept] is a component, though not necessarily the only or the most important one, of our ethical system, it may be the one that dominates the law as administered by the courts because of the courts' inability to promote other goals effectively [...] Moreover economic analysis of law should not be rejected merely because one is unconvinced by the most aggressive version of its analysis (1973, p. 26). Do lado do economista, a análise parte do pressuposto que não importa a natureza do bem ou serviço produzido pela organização em questão. Pode ser um bem essencial ou de luxo, material ou intangível, com mercado definido ou sem qualquer precificação. Gary Becker mostrou que a análise econômica pode ser empregada em assuntos o mais diversos possível, de crime (1968) à formação e dissolução de famílias (1973, 1974a), de educação (1962) a interações sociais (1974b), passando por altruísmo vs. egoísmo (1976) e vícios (1988). Cortes produzindo serviços judiciais podem ser analisados pela teoria econômica assim como mercados de trigo são analisados; não há porque ser diferente.

Mas qual é a dimensão da diferença entre a análise de um economista e a de um jurista quando ambos estão deparados com o estudo das cortes? Nestes casos, o que os economistas objetivam é aumentar a utilidade dos usuários das cortes, é fazer com eles se sintam satisfeitos com os serviços judiciais recebidos. Ou seja, o interesse maior é maximizar o bem-estar destes usuários, e para isso é necessário o enforcement da lei. Se colocado simplesmente nestes termos, dificilmente um jurista colocar-se-ia contra este propósito. Poder-se-ia argumentar, assim, que ambos os grupos acreditam que as cortes têm um papel a cumprir no aumento do bem-estar dos indivíduos servidos. A maior diferença entre as duas análises, talvez, deve ser em como as cortes podem melhorar o serviço oferecido. Juristas não hesitarão em colocar como prioridade a qualidade das decisões judiciais feitas pelos magistrados. Mais, uma decisão de boa qualidade quer dizer uma decisão justa. Ou seja, o jurista quer garantir que as decisões tomadas nas cortes sejam as mais justas possíveis. O economista por sua vez, enfatizará a eficiência das cortes. Eficiência pode ser definida de

27 Exemplo clássico é sua defesa da eficiência econômica como sendo o principal objetivo do Direito. Esta posição foi a que se originou com o Economic Analysis of Law, de 1973. Entretanto, por causa das inúmeras críticas recebidas e da polêmica criada em torno desta tese, Posner reverteu a posição anos mais tarde.

diversas formas, mesmo dentro da teoria econômica, mas de forma geral, entende-se por “o máximo de benefícios com o mínimo de custos”. E especificamente no caso das cortes judiciais, isto quer dizer, o máximo de decisões judiciais tomadas, com o mínimo de mão de obra, recursos financeiros e, principalmente, tempo. Esta também será a perspectiva adotada nesta tese, na maior parte do tempo. Mas a pergunta é: como justificar este objetivo economicista e deixar em segundo plano a preocupação com a qualidade das decisões judiciais, que é a maior preocupação dos juristas? A pergunta poderia ser traduzida em: qual é o tamanho do tradeoff que estamos aceitando entre eficiência e qualidade das cortes judiciais? Muitos responderiam que nenhum, pois quando se abre mão da qualidade judicial em nome da eficiência o que se tem é uma negação do devido processo legal: os indivíduos não obtêm mais decisões justas (ou de boa qualidade), pois elas não foram tomadas de forma adequada, através do devido processo legal. Entretanto, alguns juristas e órgãos judiciais contestam a idéia do simples tradeoff entre eficiência e qualidade dentro das cortes. O Centro Nacional para Cortes Estaduais dos EUA, por exemplo, realizou um trabalho de investigação sobre a qualidade do serviço judicial em nove cortes criminais durante os anos 90. A conclusão que se chegou é que celeridade e qualidade judicial não são mutuamente excludentes28. Mais especificamente, uma corte eficiente é aquela em que existe alta qualidade e alta celeridade nos processos. Ou seja, se as cortes garantem o devido processo legal, mas o fazem de maneira morosa, não se pode dizer que a Justiça está sendo efetivamente garantida, nem que a qualidade do serviço seja efetivamente alta (OSTROM, HANSON & NATIONAL CENTER FOR STATE COURTS, 1999). Isso não deixa de ser diferente para o Brasil. Seria bastante questionável o argumento de que a morosidade no Judiciário brasileiro não é preocupante, pois ela é a forma pelo qual se garante o devido processo legal, e que este último é a única prioridade do sistema judicial. Ao contrário, não se preocupar com a eficiência seria justamente deixar de garantir os direitos básicos dos cidadãos. Tavares (2005), por exemplo, ressalta que:

o Judiciário representa a última instância para que o cidadão possa valer seus direitos. Fracassando, fracassam os próprios direitos fundamentais [...] Por este prisma de análise, fica nítida a vinculação entre eficiência e qualidade do Judiciário, de um lado, e efetividade dos direitos fundamentais, de outro (p. 27).

28 Em vários momentos, passaremos a entender a morosidade (ou a falta de celeridade) como sinônimo da falta de eficiência, pois, usando a definição acima, uma corte eficiente decide o maior número de casos com o menor custo possível. Neste caso, ela seria capaz de resolver um caso judicial da forma mais rápida possível. É verdade que pode acontecer de uma corte ser eficiente, resolver o máximo com o mínimo possível, mas mesmo assim, em termos absolutos, ainda ter um processo moroso.

Entretanto, existem objeções à aplicação da visão eficientista às cortes, que não seja pelo fato dela ser uma negação da qualidade dos serviços judiciais. Hammergren, com sua experiência internacional em reformas judiciais – normalmente com objetivos eficientistas – alerta para os limites práticos deste enfoque. Segundo ela, as medidas que visam o aumento da eficiência judicial muito dificilmente referem-se a questões mais profundas da pirâmide estratégica das reformas judiciais. Os pontos estratégicos do sistema judicial de um país devem, por exemplo, estar relacionados ao papel que as cortes têm no aumento do bem-estar da sociedade como um todo (2007, p. 81). E este tipo de questão dificilmente será alcançado com medidas que meramente objetivem o aumento da eficiência judicial. A autora acredita que ainda é difícil concluir que as cortes mais eficientes têm maiores vantagens comparativas para levar a sociedade ao alcance de seus objetivos, entre eles, o de maximização de bem- estar. Ou seja, é preciso lembrar que a busca pela eficiência é um objetivo a ser seguido pelas cortes e, portanto, faz sentido falar em cortes eficientes e justas, mas que ela não é a solução para todos os problemas do Judiciário e nem da sociedade como um todo.

2.5.b) Possíveis contribuições da Teoria da Firma e da Nova Economia Institucional.

Mesmo que se aceite discutir eficiência nas cortes, isso não necessariamente implica que estas sejam vistas como firmas. Para iniciar a discussão, talvez seja preciso perguntar novamente o que se entende por “firma”. Vale lembrar a discussão já feita no começo deste capítulo sobre o clássico artigo de Coase, The Nature of the Firm (1937). Este trabalho mostra que as firmas existem para minimizar o custo de certos tipos de transações, para o qual o mercado não conseguiria minimizar de forma igualmente eficaz. Se pensarmos que as cortes judiciais existem para pacificar conflitos que de outra forma não seriam resolvidos de forma espontânea pelas partes, e se lembrarmos que as cortes são procuradas somente nos casos em que a negociação voluntária falha e os mecanismos informais não conseguem mais atuar, torna-se possível enxergar as cortes como organizações que reduzem os custos de transação, tal qual as firmas.

Além disso, dado o serviço que elas prestam aos cidadãos, dada a utilização de recursos sociais escassos (mão de obra qualificada, instalações, capital, etc.) e dada a necessidade de transparência e responsabilidade com os recursos públicos que lhes são alocados pelo Estado e pela população, não é inadequado demandar que as cortes também tomem decisões de forma racional, no sentido econômico da palavra, ou seja, maximizando o bem-estar da sociedade (pela quantidade de serviços prestados), e respeitando as restrições de recursos materiais e humanos existentes. Isso seria o mesmo que enxergar as cortes como

firmas ou organizações que também devem se preocupar com a eficiência.

O mais curioso é que os praticantes estão chegando à conclusão de que grande parte dos problemas do Judiciário está relacionada a deficiências na administração organizacional da “firma”. Sherwood (2004) mostra que muitas das reformas judiciais almejadas para se aumentar o crescimento econômico dos países poderiam ser alcançadas por uma melhoria na governança interna. O trabalho do Centro Nacional para Cortes Estaduais dos EUA, mencionado acima (OSTROM, HANSON & NATIONAL CENTER FOR STATE COURTS, 1999), também indicou como um de seus achados a existência de uma íntima relação entre a estrutura, a organização, e as decisões de alocação de recursos com o bom funcionamento das cortes. No Brasil, o próprio Conselho Nacional da Justiça tem realizado seminários para membros da cortes brasileiras para melhoria na capacidade administrativa. Já existem casos de Tribunais Estaduais de Justiça que têm enviado seus líderes para outros estados a fim de aprenderem “boas práticas” para melhorar a gestão de suas próprias “unidades”29. Em outras palavras, parece que muitas vezes, a falta de eficiência está ligada à

falta de uma visão de que as cortes podem ser geridas como firmas, principalmente se se objetiva o alcance de melhores resultados em termos de desempenho30.

A partir do próximo capítulo iniciaremos uma análise mais aprofundada sobre a natureza do Judiciário brasileiro e as características de sua tão comentada ineficiência. No capítulo 3 analisaremos a formação do Judiciário brasileiro até os dias de hoje. Abordaremos seus principais problemas, segundo as tradicionais interpretações dos estudiosos. Também apresentaremos algumas novas interpretações, muitas das quais relacionadas à nossa visão das cortes judiciais como similares a firmas ou organizações passíveis de serem avaliadas com relação à sua eficiência. Os dois capítulos seguintes (4 e 5) irão além da discussão qualitativa e descritiva. Neles, apresentaremos medidas da eficiência das cortes, baseados em estatísticas e dados oficiais. Diferentemente dos trabalhos já apresentados na literatura, resultados objetivos serão apresentados para se avaliar o quão ineficiente de fato são estas firmas-cortes.

29 Caso do Tribunal de Justiça do Estado do Acre, cujo presidente visitou o Tribunal do Rio de Janeiro, que tem o certificado de qualidade isso 9001, conforme notícia do dia 26 de Fevereiro de 2009, divulgada no site do Tribunal acreano: www.tjac.jus.br .

30 Entretanto, uma importante ressalva é feita por Williamson (2000). Para ele, os órgãos públicos e os burocratas que os operam atuam com uma lógica diferente das demais formas de organização. A falta de incentivos, a falta de pressão por resultados e o excesso de burocracia – tão contra a eficiência organizacional – são características inerentes dos órgãos públicos: “The public bureau [...] can be thought of as the organization form of last resort [...] Note that the common practice of condemning public bureaus because they have lower-powered incentives, more rules and regulations, and greater job security than a counterpart firm completely misses the point. These features have been deliberately crafted into public bureau, thereby to make it better suited to govern some (especially difficult) transactions (WILLIAMSON, 2000, p.603, ênfase do autor).