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CAPÍTULO 5 – ALÉM DAS EVIDÊNCIAS ANEDÓTICAS: MEDINDO QUANTITATIVAMENTE O VIÉS DO JUDICIÁRIO BRASILEIRO

5.2 As Hipóteses e os Fundamentos Teóricos

Para responder às duas perguntas inicialmente propostas de forma empírica derivamos algumas hipóteses que deverão ser testadas.

H1: Os magistrados brasileiros favorecem mais o devedor.

H2: Os magistrados brasileiros favorecem mais o hipossuficiente (a parte mais fraca da relação contratual).

H3: Ministros do STJ nomeados por governos cuja base política tem viés distributivista (e.g., Governo Lula) tendem a favorecer mais os devedores e os hipossuficientes.

H4: OS Ministros do STJ tendem a reformar as decisões feitas pelos tribunais inferiores. O que explicaria o viés, de qualquer natureza, das decisões judiciais? A fundamentação teórica por trás da existência do viés pró-devedor é o fenômeno conhecido por “ativismo judicial” que, aparentemente, é muito disseminado entre os magistrados brasileiros. A explicação pode estar no grave problema da desigualdade de renda do país: muitas vezes, os juízes sentem-se na responsabilidade profissional de usar seus poderes judiciais para fazer redistribuição da renda, e assim, aumentar a igualdade social (afinal, seu trabalho é o de “fazer justiça”). Como colocado por ABL:

The debtor is viewed on a socially positive form, as an entity that generates jobs and wealth or appeals o the bank to cope with adverse life conditions. This bias [in favor of debtors] may be observed more or less everywhere, but it is particularly acute in Brazil, probably because of the deep social differences and the high levels of income concentration in the country. Cultural and historical factors could also have facilitated the dissemination of this anti-creditor bias (2005, p.270).

Certamente, uma das evidências mais concretas do viés pró-devedor do Judiciário brasileiro é o movimento chamado Associação dos Juízes para a Democracia. Ballard (1999) explica:

Within [the] context of inequality … judges in the southern part of the country formed the Association of Judges for Democracy, known as the “movement of alternative judges” This group, created in the second half of the 1980s, coalesced around the principle of “alternative use of law”, which advocated interpreting laws to serve the interests of oppressed classes. The movement became more well-known in the early 1990s, and adherents attributed a range of different meanings to the practice. A shared fundamental principle of the movement was to regard judicial impartiality and neutrality as a myth. A mild interpretation suggests that alternative law advises judges to consider the social and historical context in which they are applying the law … A more dogmatic interpretation posits that judicial power ought to be rallied to the service of the poor masses in their struggles (pp. 244-5).

A própria teoria econômica apresenta fundamentos que explicam o suposto viés pró-devedor e pró-hipossuficiente. A lição vem da teoria dos contratos, que traz o conceito de “tomador de riscos eficiente” (efficient risk bearer) (COOTER & ULEN, 2004). Em casos de quebra de contratos e subseqüente necessidade de resolução do conflito derivado, um juiz preocupado com a eficiência econômica – ou minimização de custos globais – deve alocar a responsabilidade dos danos causados ao tomador de riscos eficiente, pois este agente teria ex

ante, os menores custos para se evitar a quebra contratual. A teoria econômica dos contratos

vai adiante e mostra que, em uma típica relação contratual comercial, ou entre um consumidor e uma firma, na maioria absoluta das vezes a firma é o tomador de risco mais eficiente. O motivo é simples: ela é uma especialista no negócio envolvido, a sua atividade econômica baseia-se na atuação no setor, e ela tem todas as informações relevantes sobre os fatos e as incertezas deste mercado. Ou seja, a relação comercial contratual é, quase por definição, uma relação onde existe assimetria de informação em favor da firma. Vale enfatizar que, mesmo que a firma não tenha todas as informações necessárias para evitar riscos previamente, ela é a parte que teria menos custos para consegui-las. A aplicação desta teoria para uma relação entre credores e devedores comerciais pode ser bastante direta. Os credores – empresas ou instituições financeiras – normalmente atuam profissionalmente no mercado de crédito. Eles têm muito mais informações sobre a forma de operacionalização deste mercado, são mais capazes de prever os riscos, os ganhos e as perdas potenciais. Quando eles não têm essas informações, dificilmente os clientes poderiam obtê-las de forma menos custosa. É por isso que se poderia justificar o viés pró-devedor e pró-hipossuficiente numa quebra de contrato ou situação de conflito judicial, dado que ele é a parte desfavorecida ou mais vulnerável nesta relação, devido à assimetria de informação.

Juridicamente também seria possível justificar o suposto viés pró-devedor e pró- hipossuficiente, bastando identificar o agente como sendo a parte mais vulnerável na relação comercial. Por exemplo, o Direito do Consumidor brasileiro denomina de hipossuficiente o agente que é “economicamente mais fraco”. Numa situação de dívida comercial, um tomador de empréstimo, por não atuar profissionalmente na área de crédito e não dispor de meios baratos para obter as informações necessárias, deve considerado o agente hipossuficiente perante a instituição financeira ou comercial que lhe garante o crédito. Ainda se poderia justificar o viés pró-hipossuficiente, pois, normalmente, é a outra parte quem cria e redige o contrato de forma unilateral. As detalhadas condições do crédito são muitas vezes “impostas”

pela instituição credora. Por isso, os magistrados teriam fortes justificativas para atribuir mais responsabilidades pela quebra do contrato aos credores.

A justificativa da terceira hipótese deriva da discussão acima: governos cuja base política tem viés distributivista, em tese, deveriam se preocupar mais com questões de “justiça social”, desigualdade de renda e desfavorecimento das classes “mais pobres e oprimidas”. Portanto, os Ministros dos tribunais superiores indicados por Presidentes da República de partidos de esquerda deveriam também favorecer as partes mais desfavorecidas das relações contratuais, ou seja, os devedores e hipossuficientes.

Portanto, dadas as justificativas teóricas acima, pergunta-se: é possível observar empiricamente o viés pró-devedor e/ou pró-hipossuficiente dos magistrados brasileiros?