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O cotidiano dado aos professores e o cotidiano inventado pelos professores: as práticas avaliativas que se fazem nas táticas cotidianas

Prática Educativa

2.1.1 O cotidiano dado aos professores e o cotidiano inventado pelos professores: as práticas avaliativas que se fazem nas táticas cotidianas

Falar das práticas inerentes à docência implica em falar dos cotidianos das salas de aula, do dia a dia do trabalho do professor e das práticas que ele desenvolve, sendo estas práticas relacionadas ao currículo-ensino-avaliação. Para tanto, vale refletirmos sobre o que é o cotidiano, considerando não apenas o sentido etimológico da palavra, mas nos remetendo às concepções de Certeau (2014), que teoriza que “o cotidiano é aquilo que nos é dado cada dia (ou que nos cabe em partilha), nos pressiona dia após dia, nos oprime, pois existe uma opressão no presente [...]. O cotidiano é aquilo que nos prende intimamente, a partir do interior” (p. 118).

Nesta perspectiva, quando abordamos o termo cotidiano, recusamos, assim como Oliveira (2012), “a visão hegemônica segundo a qual o cotidiano é espaçotempo de repetição e mesmice” e, portanto, de acordo com esta visão, “pesquisas e reflexões nos/dos e com os cotidianos não criam nem podem criar conhecimentos” (p. 51). Pelo contrário, compreendemos o cotidiano como espaço-tempo de produção de conhecimento, onde as práticas e os saberes ali vivenciados são produzidos a partir de uma arena de conflitos e interesses, na qual os professores desenvolvem “maneiras de fazer”, e de modo astucioso, escapam silenciosamente a conformação que lhes é exigida.

Entendemos o cotidiano também como campo de embate e tensões, por nos filiarmos à perspectiva teórico-metodológica do Ciclo de Políticas de Ball (1991), que ao tratar do contexto da prática, e neste, o cotidiano, compreende este campo a partir da relação com o contexto de influências e com o contexto de produção do texto. Nesta perspectiva, pensar o cotidiano da sala de aula implica em considerar a complexidade que circunda este espaço-tempo e as práticas que nele são desenvolvidas. Assim, o cotidiano se apresenta como “realização do complexus,

onde tudo se entrecruza e se entrelaça, sem perda da variedade e da complexidade que o tecem” (OLIVEIRA, 2012, p. 53).

Neste “cruzamento” de contextos múltiplos que ocorre no cotidiano, se dá o desenvolvimento das práticas avaliativas, que apesar de serem desenvolvidas no contexto da prática, estão intimamente relacionadas a outros contextos mais amplos como o das políticas curriculares que ocupam um importante papel de influências (positivas e/ou negativas) nas práticas dos professores, visto que “as políticas curriculares tratam tanto de propostas como de práticas” (PAIVA; FRANGELLA; DIAS, 2006, p. 246).

No entanto, vale ressaltar que as influências por quais estas práticas passam não se resumem às influências das políticas curriculares e demais políticas que compõem o contexto macro, mas também correspondem às influências dos micro contextos que compõem o cotidiano das salas de aula e dos professores, isto porque no contexto da prática atuam de diversos sujeitos que, de uma maneira ou outra desenvolvem funções que se relacionam à função docente e, por conseguinte, influenciam direta ou indiretamente no trabalho dos professores. A exemplo disto, podemos citar a função dos coordenadores, gestores, a interação com os pares e a própria secretaria de educação, que podem ser entendidos enquanto produtores de influência que integram e coexistem no contexto da prática.

Assim, percebemos que o cotidiano torna-se palco de um imbricamento de contextos e sobretudo de influências, que, apesar de estarem fora do campo de controle dos professores, não determinam suas práticas mas a influenciam. Vale ressaltar ainda que às influências do contexto macro e micro são acrescentadas as influências dos próprios professores, que sendo sujeitos que passaram por outros contextos (pessoais, familiares, formativos, etc.), representam uma significativa influência.

É este imbricamento e toda a complexidade que o marca através da possibilidade de invenção, que torna o cotidiano da sala de aula um espaço-tempo de produção de influências, que podem ou não se associar ao que foi prescrito na formulação das políticas curriculares e de seus textos oficiais. Isto porque, embora consideremos que nem todas as políticas estão imbuídas de interesses dissociados dos avanços que a escola necessita, compreendemos também que as políticas não são “aplicadas” à prática tal qual foram pensadas nos contextos considerados “macro”.

Do mesmo modo, as influências compõem o contexto micro e que adentram à sala de aula não se dão de forma linear, visto que o professor, sendo também um sujeito de influências pode acatá-las ou rejeitá-las, mesmo que de modo “astuto e silencioso”. São estas adesões e rejeições, modificações anunciadas ou veladas, ou ainda processos de negociação que

caracterizam o cotidiano e que o tornam um complexo campo de desenvolvimento de práticas que revelam os professores em seus saberes, em sua intelectualidade, profissionalidade, profissionalismo e competência, tendo assim, o sentido de “movimento, de processo permanente”, embora, esta “negociação aqui mencionada, não busque necessariamente chegar a um consenso, a um acordo comum, a um ponto de conciliação (FERRAÇO; NUNES, 2012, p. 90). Frente a esta complexidade, entendemos que o cotidiano se apresenta como espaço- tempo de desenvolvimento e afirmação profissional.

Devido a isto, o desejo de “invenção do cotidiano” por parte dos professores denota também o resgate da função social do professorado, e atesta à classe a capacidade de gerir a partir de seus saberes a base profissional de sua profissão, agregando a isto o reconhecimento social (ou seja, um grupo que possui uma organização e saberes próprios, que não se submete a exigências infundadas, mas que sabe os rumos que sua profissão precisa tomar).

No entanto, como já destacamos, esta invenção não é escancarada, mas sutil, silenciosa e astuta, muitas vezes promovendo uma mescla entre o cotidiano que é dado (seja pelas secretarias e demais órgãos competentes, pelas diretrizes, pelas políticas curriculares e/ou de avaliação, pelos programas pedagógicos, pela gestão, pela coordenação da escola, pela história de vida dos professores, seu contexto formativo, e etc.), e o cotidiano que é inventado (pelos professores).

Esta astúcia e sutilidade que compõem a invenção do cotidiano por parte dos professores, se dá através da criação de táticas, que na teorização feita por Certeau (2014), compreendem “arte do fraco”, sendo assim, “uma ação calculada que é determinada pela ausência de um poder próprio”, não tendo, deste modo, “a possibilidade de dar a si mesma um projeto global nem de totalizar o adversário num espaço distinto, visível e objetivável” (p. 94). Assim, embora as táticas não possibilitem aos professores a modificação da relação de poder a qual estão sujeitos, contribuem para alterar em seu contexto “micro” a dinâmica de seu próprio cotidiano, sabendo que este contexto micro está associado a contextos mais amplos, e que as ações/mudanças nele desenvolvidas através das práticas, embora não sejam são capazes de promover mudanças estruturais nos contextos macro, são capazes de influenciá-lo.

Desta maneira, a “invenção do cotidiano” que os professores realizam através da construção de táticas, podem ser visualizadas em suas “artes de fazer”, ou seja, nas práticas que desenvolvem e que fogem à conformação daquilo que lhes foi dado. Frente a isto, por considerarmos o cotidiano um espaço-tempo de complexidade, entendemos do mesmo modo, as práticas que nele são forjadas, a partir do mesmo princípio de complexão.

Assim, entendendo as práticas dos professores, dentre elas, as práticas avaliativas, como complexas e constituídas por diversos saberes que apontam para a natureza profissional de sua função, apresentamos a seguir a discussão teórica que tem tratado das profissões e da profissionalização, visto que a invenção do cotidiano se dá a partir do desvelamento das intenções do cotidiano que é dado, sendo necessário para este desvelamento, saberes-fazeres que acompanhados de um poder-fazer autônomo e profissional, possam fugir à conformação daquilo que é dado e encontrar outras maneiras de fazer.

Para isso, achamos pertinente o aprofundamento das questões teóricas sobre as profissões, visto que os saberes profissionais dão base para as possibilidades de invenção cotidiana, que são vivenciadas através do desenvolvimento da profissionalidade e do profissionalismo docente.

2.2 A profissionalização da docência: dimensões e especificidades da prática profissional

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