• Nenhum resultado encontrado

Prática Educativa

2.3 As práticas avaliativas elaboradas e vivenciadas pelos professores: caminhos de profissionalidade e profissionalismo

2.3.1 Professores-estudantes: duplicidade de posições discursivas e de processos de profissionalização

A docência se configura enquanto um grupo diversificado não apenas devido aos aspectos culturais, sociais, regionais e políticos, mas também devido a aspectos pessoais e “profissionais”, mesmo estando estes a desempenhar uma mesma função. Mais especificamente nas diferenças “profissionais”, temos por exemplo, uma diversidade de perfis profissionais cumprindo a mesma função de professor, como pode ser observado no diagrama a seguir:

Diagrama 2: Diversidade de professores atuantes na docência.

DIVERSIDADE DE PROFESSORES ATUANTES NA DOCÊNCIA Professores com magistério. Professores com magistério que ingressaram em curso superior. Professores que iniciaram a partir do ingresso no ensino superior. Professores que concluíram o ensino superior. Professores com especialização. Professores com mestrado. Professores com doutorado.

Estas diferenças ligadas ao aspecto profissional, e que estão intimamente relacionadas ao nível de formação, nos fazem atentar para a diversidade de sujeitos responsáveis pelo ensino nas salas de aula das escolas brasileiras. Ao refletir sobre esta diversidade, relacionando-a ao processo de profissionalização da docência, percebemos, por exemplo, avanços neste processo, visto é perceptível um movimento de universitarização da docência que lhe permite uma formação longa e especializada. Por outro lado, esta diversidade formativa de sujeitos atuantes na docência, nos faz refletir o quanto temos a avançar neste processo que visa profissionalizar a ocupação, visto que em outras profissões que possuem um status consolidado, seria inadmissível, por exemplo, a atuação profissional de um estudante mesmo que do ensino superior.

Assim, pensando na multiplicidade de sentidos que esta heterogeneidade de sujeitos representa para o processo de profissionalização da docência, e considerando que atrelada às diferenças formativas estão as diferenças pessoais, ou seja, a particularidade de cada sujeito, objetivamos refletir sobre um perfil profissional dentre os vários que foram apresentados, na intenção, sobretudo, de analisar como este perfil em específico tem contribuído para o avanço do processo de profissionalização a partir de suas práticas avaliativas e de seus saberes-fazeres cotidianos.

Neste sentido, elencamos o perfil profissional de estudantes-professoras, na intenção de refletir sobre a vivência e desenvolvimento dos processos de profissionalidade e profissionalismo que se dão simultaneamente, no caso específico destes sujeitos, a partir do movimento entre a apreensão dos saberes profissionais e da vivência profissional no cotidiano da sala de aula. Assim, estando nossos sujeitos concomitantemente envoltos neste movimento de formação e atuação profissional, buscamos compreender, dentre outros elementos, os sentidos de avaliação que emergem de suas práticas, sabendo que “os sentidos são aqueles que a gente consegue produzir no confronto do poder das diferentes falas” (ORLANDI, 2012, p. 126). Estas diferentes falas são influenciadas por processos sociais, que envolvem, por exemplo, a formação profissional em um âmbito individual e a elevação de uma status profissional, em um âmbito coletivo (que também não deixa de ser individual).

Assim, salientamos que os discursos produzidos por nossos sujeitos estão ligados a outros discursos e outros processos, visto que o lugar que eles ocupam, ou seja, de estudantes- professoras, faz parte de um contexto histórico e social em que um sujeito que é professor e ao mesmo tempo estudante, está inserido em um duplo processo de profissionalização, o que torna, neste caso, o processo de consolidação profissional do professorado ainda mais complexo - visto que ele lida com uma diversidade de sujeitos e tipos de formação.

Assim, trataremos do processo de dupla profissionalização sob a ótica de uma dupla posição discursiva, o que faz com que por ocuparem ao mesmo tempo lugares discursivos diferentes, os sujeitos alterem seus discursos, isto porque “as palavras mudam de sentido segundo as posições daqueles que as empregam” (ORLANDI, 2012, p. 77). Deste modo, apresentamos esta duplicidade de processos que colocam os sujeitos em uma dupla posição, por entendermos que “a profissionalização encontra-se associada ao projeto ou processo político ou social (ou ainda individual) através do qual uma determinada ocupação (ou indivíduo) procura reconhecimento como profissão (ou como profissional); (FLORES, 2014, p. 855).

Frente a estas considerações, destacamos a profissionalização como um processo político, social e individual, estando estes indissociados entre si. Isto porque, ao buscarem um curso superior que os habilite a exercer a função de professores, os estudantes estão buscando se profissionalizar em determinada área, neste caso, a docência. Porém, enquanto adquirem este nível que os profissionaliza e os habilita como profissionais, os estudantes - diferentemente de outras profissões que já possuem um status elevado – se veem imersos em um outro processo de profissionalização que se dá em um nível macro e coletivo, e que busca legitimar o prestígio social da profissão frente às demais profissões e à sociedade.

Deste modo, já durante a formação inicial, os estudantes se profissionalizam enquanto indivíduos e ao mesmo tempo, inserem-se em um processo de luta pela profissionalização em uma esfera coletiva. Neste sentido, a formação promove o movimento entre as aspirações individuais e as aspirações coletivas, ao mesmo tempo em que unifica através deste movimento o caráter político, social e individual. Assim, como afirmou Flores, indivíduo e ocupação procuram ao mesmo tempo, a elevação de seu status ao de profissional, sendo isto, como já reportamos em outro momento, a realidade de profissões como a docência, que estão a galgar um espaço no rol das profissões. Monteiro (2015) clarifica esta compreensão acerca da profissionalização individual e coletiva afirmando que

Coletivamente, profissionalização é o processo através do qual uma profissão eleva o seu grau de profissionalidade. As suas principais variáveis são a natureza da ocupação, o progresso dos seus saberes, o dinamismo dos seus atores, o estatuto dos seus clientes e o interesse político. Individualmente, profissionalização é o processo de aprendizagem e de socialização profissionais, isto é, tanto de aquisição de saberes como de interiorização de valores e atitudes através da qual o candidato ao exercício da profissão aprende toda uma cultura e postura profissionais (p. 39).

Logo, pensar a formação de professores na atualidade consiste em levar em consideração estes dois tipos de profissionalização, sabendo que embora possuam características e objetivos específicos eles se complementam, visto que todo coletivo parte de

um fazer individual. Assim, a profissionalização coletiva é impulsionada pela profissionalização individual, pelos saberes apreendidos na formação e pelas práticas cotidianas que se desenvolvem nas salas de aula e que são muitas vezes invisibilizadas.

Do mesmo modo, o individual se ancora em uma construção coletiva, visto que ao profissionalizar-se através de um curso superior o estudante internaliza aprendizagens que foram construídas coletivamente entre alunos e professores, como também estão em um curso que desenvolve um currículo que foi pensado no coletivo, que por sua vez é fruto de uma política de formação que foi pensada, negociada e assimilada pelo contexto da prática através da unificação do trabalho e dos conhecimentos de inúmeros sujeitos. Frente a isto, salientamos que as profissionalizações pelas quais os estudantes passam a ter contato já na formação inicial não são independentes, mas complementam-se embora sejam específicas em seus objetivos.

Neste sentido, este duplo processo de profissionalização, que é coletivo e ao mesmo tempo individual, coloca os sujeitos em posições discursivas diferentes, que correspondem por sua vez, a diferentes formações discursivas que se configuram pelas relações que estabelecem com a ideologia. Frente a isto, tendo nossos sujeitos o perfil de estudantes-professoras, procuramos analisar nos efeitos ideológicos presentes nas formações discursivas em que seus discursos se inserem, os sentidos de avaliação e prática avaliativa.

Assim, partindo inicialmente da compreensão de que, em um plano discursivo, estas posições podem se chocar entre si em alguns momentos, ou ainda, que uma pode se sobressair mais que outra, ou, em outros momentos, que ambas parecerão estar em comum acordo, buscaremos nos discursos determinados pelas posições discursivas dos sujeitos aquilo que pode e deve ser dito por estudantes de um curso superior público.

Do mesmo modo, buscaremos encontrar estas marcas discursivas do que pode e deve ser dito na formação discursiva que engloba uma outra posição de sujeito, ou seja, o que pode e deve ser dito por um professor da rede pública municipal de Caruaru, considerando todos os contextos políticos, econômicos e ainda profissionais que se passam na cidade.

E, ainda: o que pode e deve ser dito por alguém que sendo estudante, também torna-se professor (ou do contrário, que sendo professor, torna-se estudante) em uma rede pública municipal de ensino. Estas questões, embora desafiadoras, se apresentam como importantes instrumentos para compreensão das práticas avaliativas que os professores desenvolvem, e das questões profissionais que estão presentes nas realizações destas práticas, que também são discursos.

Sendo assim, os discursos dos professores relacionam-se ao duplo processo de profissionalização em que estão inseridos e as profissionalizações, tanto a nível individual

quanto a nível coletivo, fundem-se, visando o desenvolvimento de competências profissionais, devendo assim “promover, em simultâneo, a apropriação de uma dada cultura profissional por parte dos formandos e favorecer a construção da sua identidade profissional, construção essa que irá prolongar-se ao longo da sua vida profissional” (MORGADO, 2011, p. 796).

Assim, sendo a identidade uma construção pessoal, que se relaciona com a história de vida dos sujeitos, refletimos através das palavras de Monteiro (2015) o quanto esta construção identitária pode favorecer não apenas no percurso e consolidação do processo individual de profissionalização, como também no coletivo. Neste sentido, ao conceituar a profissionalização, o autor lança mão desta relação entre a construção de si como profissional e do coletivo ocupacional. Para tanto, define a profissionalização como:

[...] um processo através do qual uma profissão é construída pelos que a exercem, coletivamente e como forma de realização pessoal. É uma construção que se realiza tanto através de relações interprofissionais e intraprofissionais, como das biografias profissionais, pois a profissão é uma das mais importantes componentes da identidade individual (p. 15).

Sendo a profissionalização do âmbito coletivo aqui entendida como processo o imbricamento entre as relações inter e intraprofissionais, ou seja, que abarcam características e contextos provenientes do grupo profissional e das experiências pessoais dos sujeitos, que não se resumem à “profissionalização” em seu sentido mais restrito, ou seja, o de alguém que está a se profissionalizar através de curso superior, compreendemos que mesmo num processo mais amplo de profissionalização, a subjetividade dos sujeitos, suas experiências e a identidade que constroem e reconstroem durante sua formação e percurso profissional, tornam-se instrumentos significativos de influência. Neste sentido é que ressaltamos na fala de Monteiro a importância das biografias profissionais, porém, não apenas elas, mas a biografia dos sujeitos enquanto seres sociais, que para constituírem-se profissionalmente passaram por experiências de vida que influenciaram ou até mesmo determinaram seus percursos e escolhas profissionais.

Frente a esta relação com o percurso de historicidade do sujeito, salientamos que “[...] em análise de discurso, se considera que o que define o sujeito é o lugar do qual ele fala em relação aos diferentes lugares de uma formação social (p. 146)”, sendo esta formação social determinante não apenas para designar o lugar dos sujeitos, mas também aquilo que ele diz e faz, restringindo a ação dos sujeitos a algo que já se espera que ele faça, dado o seu lugar discursivo. Deste modo, “as várias posições do sujeito podem representar diferentes formações discursivas” (ORLANDI, 2012, p. 76), que determinam o que pode e o que deve ser dito em dado momento. Isto indica que o sujeito constitui-se a partir de várias posições, que por sua

vez, orientam em que direção se encaminhará seus discursos. Neste sentido, Orlandi faz alusão aos pontos de entrada e de fuga que acompanham os sujeitos, e afirma que

Todo texto em relação à leitura teria, pois, vários pontos de entrada e vários pontos de fuga. Os pontos de entrada corresponderiam a múltiplas posições do sujeito. Os pontos de fuga são as diferentes perspectivas de atribuição de sentidos: ao relacionar-se com os vários pontos de entrada, o leitor pode produzir leituras que se encaminham em várias direções (ORLANDI, 2012, p. 153).

Embora a autora se refira aos “textos”, entendendo-os enquanto produções discursivas, achamos pertinente trazer para a discussão a compreensão de que os sujeitos, a depender dos seus pontos de entrada, que dizem respeito à posição que ocupam, encontram na produção de sentidos pontos de fuga que os encaminham a outras direções. Nesta lógica, entendemos que nossos sujeitos, ao adentrarem o discurso a partir de suas várias posições de discursivas (que não e resumem a de estudantes-professoras, embora sejam estas posições em que nos atemos nesta pesquisa), produzem, em meio a tantas perspectivas, sentidos sobre a docência, sobre as práticas cotidianas e mais especificamente as práticas avaliativas. Nesse interim, ao produzirem sentidos, os sujeitos encontram pontos de fuga, ou seja, que se relacionam ao percurso de suas historicidades (ORLANDI, 2012) e que apontam que a formação dos sujeitos é pessoal, institucional e profissional (NÓVOA, 2009).

Frente a isto, percebemos a necessidade de adentrar a estas histórias de vida dos sujeitos, conhecendo em suas biografias, ou seja, em seus pontos de entrada, experiências relacionadas à educação, considerando seus percursos escolar/familiar e os contextos de influência que direcionaram não apenas suas opções pela docência, mas principalmente a constituição de suas práticas cotidianas. Para tanto, estruturamos um caminho metodológico que nos auxiliou no entendimento das práticas avaliativas a partir dos contextos em que se inserem e são influenciadas.

3 CAMINHO METODOLÓGICO: CONSTRUINDO E DESCONTRUINDO-SE NA

Outline

Documentos relacionados