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3.3 ENTRELAÇANDO O RACIONAL E O EMPÍRICO, NA MANIPULAÇÃO DA LE

3.3.1 O Racional, o Empírico e a Especulação Como Elemento Articulador

3.3.1.2 Crítica a uma forma ingênua de empirismo

Antes de apresentarmos a sequência didática com o entrelaçamento entre a teorização e a experimentação, queremos destacar porque refutamos as práticas ingênuas indutivistas, que alicerçam uma impressão ingênua a respeito da ciência de que:

Conhecimento científico é conhecimento provado. As teorias científicas são derivadas de maneira rigorosa da obtenção dos dados da experiência adquiridos por observação e experimento. A ciência é baseada no que podemos ver, ouvir, tocar, etc. Opiniões ou preferências pessoais e suposições especulativas não têm lugar na ciência. A ciência é objetiva. O conhecimento científico é conhecimento confiável porque é conhecimento provado objetivamente. (CHALMERS, 1993, p.18).

Para o indutivismo ingênuo a ciência inicia com a observação, o observador utilizando dos órgãos do sentido da visão, da audição registra fielmente e de forma objetiva dados que pode ver e ouvir, de forma completamente neutra e totalmente desprovida de qualquer preconceito. Da base de dados obtidos, e das afirmações singulares do observador, que chamaremos de proposições de observação e, com derivações lógicas, afirmações gerais como leis e teorias podem ser descobertas ou inventadas. E então aparece uma característica importante da ciência de explicar e prever novos fenômenos a partir da dedução das leis e teorias. Conforme a representação:

Figura 9: esquema do indutivismo para previsão e explicação de novos fenômenos.

A questão é quando um observador bem treinado vai a campo para realizar suas observações livres de qualquer preconceito, as realiza com que propósito? Considerando que a observação é específica e, portanto, na maioria das vezes na ciência não é ao acaso, indica a intencionalidade de que a observação já está alicerçada em alguma formação de juízo, conceito ou teoria, mesmo que elementar e pouco elaborada.

O que um homem vê depende tanto daquilo que ele olha como daquilo que sua experiência visual-conceitual prévia o ensinou a ver. Na ausência de tal treino, somente pode haver o que William James chamou de “confusão atormentada e intensa”. (KUHN, 2013, p. 204).

Outro ponto é como uma lei ou teoria, uma afirmação geral e irrestrita, serem justificadas com uma base de evidência limitada, portanto contendo um número limitado de proposições de observação? Que eventualmente pode existir uma proposição de observação singular falsa, porém admitida como verdadeira, que por derivação lógica induzirá a uma afirmação universal também falsa.

Um problema no cerne da questão do indutivismo ingênuo, é que leis e teorias são descobertas a partir de uma base experimental, e são testadas cientificamente segundo e a luz das teorias obtidas indutivamente de proposições de observação singulares, que eventualmente podem ser falsas.

Figura 10: esquema representando teste experimental submetido aos parâmetros da lei ou teoria que o propôs.

Na tentativa de justificar o princípio da indução apela-se para a lógica. Mas é falha, pois as proposições de observação utilizados no indutivismo ingênuo não

Indução Dedução

Teste segundo parâmetro da própria lei ou/teoria.

equivalem as premissas da lógica em veracidade, por não permitirem o contraditório. Acaba que o problema da indução é o de utilizar da indução para justificar a própria indução. Sendo mais preciso na concepção de Hacking (2012):

Verdade e estilo de raciocínio formam uma espécie de círculo virtuoso, no qual “a verdade é o que nós descobrimos de um tal modo. Nós a reconhecemos como verdade por causa de como nós a descobrimos. E como nós sabemos que o método é bom? Porque ele obtém a verdade”. (Hacking, 2012, p. 16).

Parodiado por Hacking (2013, p. 26-27), no seu ensaio introdutório para o quinquagésimo aniversário da edição de “A Estrutura Das Revoluções Científicas” (KUHN, 2013):

Eis uma bela paródia da ideia: você não pode pretender que nós carecemos de livre- arbítrio (por exemplo), porque devemos aprender o uso da expressão “livre-arbítrio” a partir de exemplos, e eles são os paradigmas. Uma vez que aprendemos essa expressão a partir dos paradigmas, os quais existem, o livre-arbítrio existe. (HACKING, 2013, p. 26-27).

Outro aspecto problemático para a indução é com relação a base experimental: em determinar a quantidade que represente um número expressivo para a base experimental e, um número de variações, situações diferentes e não supérfluas. Para definir tais parâmetros deve-se apelar para algum conhecimento teórico, mas tal apelo vai contra o princípio indutivistas de que a teoria inicia da observação.

Em relação a base experimental podemos exemplificar com o exemplo clássico dos corvos pretos, ou seja, quantos corvos pretos devemos observar para com um número expressivo de proposições de observações singulares, então afirmar que todos os corvos são pretos. Conclusão não há como garantir que uma proposição é verdadeira, mas sim afirmar que é possivelmente verdadeira, o que implica para um recuo da indução para a probabilidade, o que não resolve o problema da indução, pois teremos ainda uma afirmação universal considerada possivelmente verdadeira.

É também falho parece-nos a referência entre a base experimental e a lei inferida, pois nunca tal referência poderá ser fixada a uma determinada lei, em outras palavras digamos que mesmo que estivéssemos de “acordo completamente quanto aos fatos a respeito do mundo – isto é, quanto às sentenças que pensamos serem verdadeiras -, mas, ainda assim, pode ser que jamais constatemos que, quando eu falo de gatos, você fala de cerejas”. (Hacking, 2012, p. 178). Pois como representamos imagens sobre os fatos, depende do sistema de crenças que possuímos e:

Além disso, o seu sistema de referência pode diferir do meu de uma forma tão sistemática que a diferença entre nós jamais apareça, independente da verdade a respeito dos gatos e das cerejas. (Hacking, 2012, p. 179).

Agora vamos ater-nos ao papel do observador no Indutivismo ingênuo, que deve ser preciso na observação, livre de qualquer preconceito e imparcial. Entretanto durante o experimentar, como decidir o que medir, para coletar dados específicos, é necessário algum juízo, ou teoria para definir o que observar? E o que medir? Destaca-se a importância do observador, pois a observação depende de quanto o observador possui de conhecimento, este define o que se procura durante o experimento de observação.

A afirmação de qualquer proposição de observação deve ser precedida de teoria é contundente em apontar que a ciência iniciada com a observação é falso, portanto derrubando o princípio do indutivismo ingênuo. Assim as proposições de observação não constituem uma base firme na qual o conhecimento científico deva ser alicerçado, simplesmente porque tais proposições estão sujeitas a falhas.

Os estudiosos da filosofia da ciência demonstraram repetidamente que mais de uma construção teórica pode ser aplicada a um conjunto de dados determinado, qualquer que seja o caso considerado. (KUHN, 2013, p. 158).

Entretanto as proposições de observação não devem ser completamente descartadas, apenas não devem assumir o papel fundamental defendido e utilizado pelos indutivistas para justificar leis e teorias da ciência, pois o papel assumido é incorreto.

Um historiador perspicaz, observando um caso clássico de reorientação da ciência por mudança de paradigma, descreveu-o recentemente como “tomar o reverso da medalha” (BUTTERFIELD, 1949, p. 1-7), processo que envolve “manipular o mesmo conjunto de dados que anteriormente, mas estabelecendo entre eles um novo sistema de relações, organizado a partir de um quadro de referência diferente”. (KUHN, 2013, p. 169).

Pois a mesma base de dados pode servir à uma estrutura teórica ou outra, conforme a história já mostrou. Escolhemos pontuar sobre esse entendimento do indutivismo ingênuo, por permear a forma de experimentação no ensino que temos argumentado falho, nos aspectos que coloca a teorização em segundo plano e impõe um empirismo ingênuo, simplificando a importância da experimentação como racional e empírica, na manipulação da lei fundamental dos movimentos. E a seguir pontuaremos alguns equívocos que acabaram por permear a forma de experimentação no ensino de física na escola básica.

3.3.1.3 Equívocos da experimentação no ensino de física, que reforçam obstáculos a