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3.1 DEMANDA HISTÓRICA, SOCIAL E ECONÔMICA: E O MUNDO MECÂNICO

3.1.3 Pressupostos da Teologia e da Alquimia que Influenciaram as Representações

Na produção acadêmica de Newton não é incomum encontrarmos referências teológicas, mesmo no “Principia” estão lá. E tantos outros textos encontramos referências sobre alquimia, claro que não intencionamos levantar

hipóteses que deponham contra a contribuição de Newton para a física, mas quanto desse envolvimento com uma metafísica pode ter colaborado com o Newton especulador, modelando certos aspectos da natureza, e provocando um diálogo entre o racional e o empírico, e de como Newton elaborou sua filosofia experimental?

Certamente foi observando, experimentando e calculando. Mas também recorrendo a múltiplas especulações. Já há muito tempo os historiadores da ciência assinalaram o papel das ideias religiosas no pensamento de Newton. Por diversas vezes, ele afirmou que o espaço era sensorium Dei: em outras palavras, Deus está presente em toda parte na natureza e pode agir sobre ela à sua vontade. Mas Newton não foi apenas um cristão. Como Lord Keynes escreveu em 1947, é bem possível que tenha sido também “o último dos magos”. Ele deixou, de fato, um número considerável de manuscritos sobre alquimia, e foi como um adepto que fez experiências. Embora alguns historiadores sejam reticentes, pesquisas empreendidas nos últimos vinte anos sugerem fortemente que Newton deve muito aos autores herméticos e até mesmo os utilizou em benefício da sua ciência. (Thuillier, 1994, p. 147).

Interessa-nos apenas do pensamento teológico ou alquimista, como pressupostos que podem ter contribuído na ciência de Newton, portanto descartaremos aspectos negativos que poderiam representar de forma pictórica um Newton que não aparece na sua produção no campo da Física. “Concretamente, isso significa que existem armadilhas a serem evitadas: seria lastimável substituir um mito “racionalista” por um mito “alquimista”, (Thuillier, 1994, p. 151). Mas tais pressupostos epistemológicos não podem ser negados, e não sejamos ingênuos que Newton alienava-se ao mundo que o cercava, este que se alicerçava na escolástica da Escola Peripatética e nas intuições animistas destacados pela alquimia e sua crença na força vital. “Ele escreveu 1.200.000 palavras sobre esta pseudociência! É muito. Mesmo sobre temas religiosos que o apaixonavam, foi menos copioso”, (Thuillier, 1994, p. 151).

Inclusive tal abordagem reforça o quanto Newton foi virtuoso no seu esforço de exorcizar suas intuições primeiras e seus primeiros empirismos, normalmente equivocados e aperfeiçoar seu perfil epistemológico, de uma quantidade considerável de tipos teóricos no campo da Física. O próprio Newton parecia ter consciência dos obstáculos que teve que superar e o cuidado de não voltar a cometê-los por tentação animista, de origem teológica ou alquímica, Thuillier chama- nos a atenção para essa clareza do pensamento newtoniano:

No “Scholium generale” do livro III dos Principia, ele escreveu com efeito esta fórmula que se tornou célebre: “Hypotheses non fingo” (“Eu não finjo hipóteses”). Significa que, de um ponto de vista científico escrito, só contam

as relações descobertas matematicamente graças a observação rigorosa dos fenômenos. Sobre isso, Newton foi bastante claro: “tudo que não é deduzido dos fenômenos deve ser chamado de hipótese; e as hipóteses, seja, metafísicas ou físicas, digam respeito às qualidades ocultas ou às mecânicas, não têm lugar na filosofia experimental. ” Abstenhamo-nos, portanto, de especular arbitrariamente sobre as causas ...; contentemo-nos em descobrir as leis matemáticas que exprimem o funcionamento da natureza e permitem fazer previsões exatas. (Thuillier, 1994, p. 169).

Delimitado nosso interesse em investigar os pressupostos que contribuíram para o racionalismo de Newton, vamos apontar possíveis indícios desses na sua ciência, e lembrando que estamos especulando a fim de ilustrar que a formação do espírito científico é um processo de aperfeiçoamento de perfis epistemológicos de vários tipos teóricos e em diferentes graus de aperfeiçoamento:

Não estamos aqui perante um caso geral; inquéritos psicológicos precisos, levados a cabo ao nível de noções particulares, provariam a existência de curiosas desarmonias mesmo entre os espíritos mais bem formados. Não é certo que todas as noções logicamente claras sejam, do ponto de vista psicológico, igualmente claras. O estudo sistemático dos perfis epistemológicos evidenciaria muitas oscilações. (Bachelard, 2009, p. 43). E como o entendimento desse processo, ajudar-nos-á na elaboração de uma metodologia de ensino de física que considere e admita o conhecimento prévio dos estudantes e o quanto é difícil aperfeiçoar o perfil epistemológico desses estudantes. Consideramos importante citar algumas realizações de Newton que podem corroborar da representação de uma imagem de Newton, diferente daquela de endeusamento de um Newton gênio, que ao nosso ver não contribui para o chamamento dos estudantes para o campo físico-matemático da ciência que nos interessa, vamos mais longe diria que tal imagem de Newton genial cria um obstáculo aos estudantes para estudar a mecânica.

Vamos iniciar por um tipo teórico do nosso interesse, a força que Newton esmiuçou no “Principia”, em particular a força de interação à distância entre massas, cujo valor das leis matemáticas engendradas por Newton, apesar da resistência foi reconhecido. “Mas Leibniz, para citar um caso típico, censurou-o por ter reintroduzido, no bojo da atração universal, as qualidades ocultas”, (Thuillier, 1994, p. 154). Duas massas atraindo-se à distância? Quanto mistério, e Newton foi acusado de ocultismo. “A acusação era grave: recorrer a uma força oculta era, aos olhos dos partidários de Descartes, uma monstruosidade epistemológica”, (Thuillier, 1994, p. 154). Que os acusadores de Newton, afirmam tratar-se de um recurso da velha metafísica ou da magia.

Entretanto com o engendramento de Newton a respeito do tipo teórico força, ele encerrou em relação a queda dos corpos, o que Galileu tinha iniciado. “Em outras palavras, para que a cinemática de Galileu se tornasse uma teoria mecânica de pleno direito era preciso acrescentar-lhe uma dinâmica”, (Ben – Dov, 1996, p. 35). O livro do “Principia” continha uma teoria mecânica completa:

Permitindo em princípio calcular exatamente o movimento de qualquer corpo submetido a uma força. Essa teoria trazia também uma resposta a importantes questões deixadas pendentes por Galileu. Por exemplo, Aristóteles explicava a queda dos corpos na Terra invocando a tendência de eles alcançarem seu lugar natural, a saber, o centro do universo, centro aliás que coincidia com o da Terra. (Ben – Dov, 1996, p. 35).

O sistema de crenças que Newton escolheu para entender a realidade do mundo mecânico e as verdades que escolheu para explicar esse mundo, mostra que as vezes o físico deixa a manipulação das suas entidades teóricas e observáveis experimentais e vai para a filosofia, com a “epistemologia (racionalidade) ou à metafísica (verdade e realidade) ”, (Hacking, 2012, p. 192). De qualquer forma como o Newton representa imagens do seu mundo contribui para realizar o fechamento do problema de queda dos corpos iniciado por Galileu.

Ainda tratando sobre a força na física de Newton, e pensar na atração universal como uma atração de massas à distância, a crença nessa interação “foi em parte por acreditar nos princípios ativos dos alquimistas”, (Thuillier, 1994, p. 157). Em parte de um texto destinado ao Principia:

Newton escreve: “Existe um espírito infinito e onipresente, no qual a matéria é movida segundo leis matemáticas. ” Uma vez que se tenha em mente esta epistemologia, torna-se mais fácil compreender a atitude de Newton para com a alquimia. (Thuillier, 1994, p. 157).

Com a retificação de Newton ás primeiras noções de movimento completamente livres de forças imprimidas, corrigindo Galileu que admitia o movimento circular dos planetas como livres de forças, além dos movimentos retilíneos e uniformes, únicos admitidos por Newton. “Newton propôs-se então a construir uma mecânica que fornecesse as mesmas leis que Kepler havia deduzido das observações”, (Ben – Dov, 1996, p. 37):

Como os planetas não descrevem linhas retas, havia necessariamente uma força responsável por seus movimentos elípticos. Newton demonstrou então que essa força está orientada para o sol e sua intensidade é inversamente proporcional ao quadrado da distância ao Sol. Assim, ele explicou ao mesmo tempo a forma elíptica das órbitas planetárias e a relação entre seus eixos e seus períodos de revolução. (Ben – Dov, 1996, p. 37).

Orientados por Bachelard (2013) não nos surpreendemos com as crenças de Newton, permeando seus trabalhos, “na época mesmo em que compunha suas

grandes obras, tinha uma concepção muito mais “mágica” e muito mais “animista” da natureza que a dos nossos químicos”, (Thuillier, 1994, p. 162). Muitos daqueles que negam essa imagem de Newton, pois não concebem o Newton que sintetizou a física da sua época e que resolveu uma quantidade imensa de problemas com rigorosa linguagem físico-matemático, e que ao mesmo tempo possa também apresentar sinais de obstáculos animistas, como as que reconhecemos em expressões como: “o antimônio é digerido”, “a alma do ferro tornou-se totalmente volátil”, “o ouro começa a se purificar”, (Thuillier, 1994, p. 162). Sinais de obstáculos epistemológicos de um espírito pré-científico.

Quando o conhecimento empírico se racionaliza, nunca se pode garantir que valores sensíveis primitivos não interfiram nos argumentos. De modo visível, pode-se reconhecer que a ideia científica muito usual fica carregada de um concreto psicológico pesado demais, que ela reúne inúmeras analogias, imagens, metáforas, e perde aos poucos, seu vetor de abstração, sua afiada ponta abstrata. (Bachelard, 2013, p. 19).

“De fato, não é absolutamente garantido que a filosofia mecanicista tenha expulsado de imediato as tradições alquimistas”, (Thuillier, 1994, p. 163). Aqui destacamos o quanto o espírito de Newton foi forte e rigoroso, ao transpor tais obstáculos epistemológicos e reconhecida evolução do perfil epistemológico dos tipos teóricos da física, que se propôs a manipular no “Principia”. E no sentido que desejamos para a nossa metodologia de ensino, que:

É no eixo experiência – razão e no sentido da racionalização que se encontram ao mesmo tempo o risco e o êxito. Só a razão dinamiza a pesquisa, porque é a única que sugere, para além da experiência comum (imediata e sedutora), a experiência científica (indireta e fecunda). Portanto, é o esforço da racionalidade e de construção que deve reter a atenção do epistemólogo. (Bachelard, 2013, p. 22).

Portando pela ótica epistemológica, a imagem de Newton é virtuosa de certa forma como modelo de físico e como idealização do método: “ela nos lembra que Newton tinha uma consciência aguda da diferença entre enunciados puramente especulativos e enunciados bem confirmados pela experimentação”, (Thuillier, 1994, p. 169).

Agora que chamamos a atenção para a lei fundamental dos movimentos e uma aposta de como ela foi pensada por Newton, podemos retomar nosso mote de pesquisa e de como interessa-nos conhecer o senso comum dos estudantes, para que então possamos propor uma experimentação que objetive a desconstrução de juízos equivocados a respeito de tipos da física.

Colocamo-nos a construir um questionário para investigar esse senso comum dos estudantes, através de problematizações envolvendo contextos cotidianos para os estudantes, como estes buscam respostas alicerçadas em seu senso comum, impregnado de intuições animistas que formam seu perfil epistemológico e que os afastam do raciocínio científico. Nosso interesse nessas representações de imagens dos estudantes em relação ao ensino de ciências e, das entidades relacionadas com a lei fundamental dos movimentos que apresentamos nas situações problema, é que nos ajudarão na elaboração de uma sequência didática utilizando o entrelaçamento do racional e empírico em atividades experimentais no ensino de Física para o nono ano do ensino fundamental. E que o ponto de partida começa no conhecimento prévio e no empirismo que os estudantes já possuem antes de entrar no nosso laboratório. Na próxima seção embasaremos a construção do questionário e com que intencionalidade.

3.2 ESTUDANTES DO NONO ANO REPRESENTANDO A RESPEITO DO ENSINO