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Crítica de Marx e Engels ao Filósofo Neo-hegeliano Bruno Bauer

DE MARX E ENGELS

1.5 Crítica de Marx e Engels ao Filósofo Neo-hegeliano Bruno Bauer

Marx tinha relações amistosas com Bruno Bauer durante o período da Gazeta Renana. Esta era um jornal, de orientação ideológica neo-hegeliana, que representava os interesses da burguesia liberal renana contra o absolutismo prussiano. Marx escreve neste jornal entre abril de 1842 e março de 1843, quando o jornal é proscrito por exigência tzarista. Marx até então desenvolvia seu pensamento dentro dos marcos teóricos da filosofia neo-hegeliana. Marx, assim como Hegel e os neo-hegelianos, acreditava que a emancipação política correspondia ao último degrau da emancipação humana. Marx, assim como Hegel e os neo-hegelianos, concebia o Estado moderno como fundado na razão, enquanto Estado racional.

54 Em meados de 1843, Marx se torna materialista e comunista. Passa a elaborar a sua crítica ontológica da religião em geral e, em particular, faz a crítica da crítica da religião efetuada por Bruno Bauer. Marx passa também a criticar o caráter parcial da emancipação política do homem, glorificada por Bruno Bauer. Marx estabelece a contraposição entre emancipação política (parcial) e emancipação humana (universal). Estabelece, portanto, a contraposição entre a emancipação política da religião e a emancipação humana da religião. Discuto esses pontos nos parágrafos abaixo, a partir não apenas da obra A Ideologia Alemã, mas também das obras A Questão Judaica e A Sagrada Família, obras estas onde Marx (sozinho ou com Engels) toma Bruno Bauer como objeto especial de crítica. A crítica de Marx e Engels a Bruno Bauer, na obra A Ideologia Alemã, é sintética, pois este neo-hegeliano já havia sido criticado nas referidas obras anteriores.

Bruno Bauer, segundo Marx e Engels, concebe o homem de modo abstrato, distanciado da vida real, como um ser espiritualista. Bruno Bauer não leva em conta os homens reais, a sua ação e as suas condições materiais de vida, que estão na base da história humana real. Bruno Bauer não considera os homens como os criadores da sua história. Considera as massas populares como uma matéria inerte e afirma que ele próprio, Bauer, o Crítico Crítico Absoluto, é o criador da história. Segundo as palavras de Marx e Engels:

De um lado, existe a Massa, elemento material da história, elemento passivo, sem espírito, sem história; de outro lado, existe o Espírito, a Crítica, o Sr. Bruno e seus seguidores, elemento ativo de onde parte toda ação histórica. O ato de transformação da sociedade se traduz à atividade cerebral da Crítica crítica. (1987, p. 87).

Marx e Engels, nas três obras referidas nesta seção, fazem a crítica do homem abstrato de Bruno Bauer, do homem como um ser espiritualista. Marx e Engels insistem na importância da ação prática dos homens na vida real. Criticam a concepção de Bauer de que o mundo é regido pelas ideias. Criticam a concepção de Bauer que vê as ideias como autônomas em relação ao real. Marx e Engels, dessa maneira, constroem a concepção materialista da história.

Bauer, assim como os demais jovens hegelianos, é um filósofo idealista, ou seja, que concebe que as ideias fundam a realidade. Marx e Engels comentam: “Hegel dá uma expressão abstracta e deformada dos conflitos reais situando-os no céu, e este cérebro ‘crítico’ [Bauer] toma-a pelo conflito real” (1976a, v. I, p. 105). Os Autores acrescentam:

Para ele [Bauer], a frase, a formulação filosófica do problema real, é o próprio problema real. Assim, por um lado, em vez dos homens reais e da consciência real que têm das suas relações sociais que lhes parecem existir perante si de forma autônoma, resta-lhe apenas a fórmula abstracta: a consciência de si (do mesmo modo, em vez da produção real, em vez da produção real, admite a actividade hipostasiada dessa consciência de si); e, por outro lado, em vez da natureza real e

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das relações sociais realmente existentes, resta-lhe apenas o resumo filosófico de todas as categorias ou denominações filosóficas dessas relações dado pela frase oca

‘a substância’, pois que, tal como todos os filósofos e ideólogos, Bauer toma os

pensamentos, as idéias, a expressão ideal hipostasiada do mundo existente pelo fundamento desse próprio mundo. (1976a, v. I, p. 106).

Em suma: Bauer, sendo idealista, resume seu trabalho na crítica das ideias, das representações. Não chega a crítica da realidade existente em si. Bauer tem a visão dos filósofos alemães que acreditam “que uma modificação da consciência e uma orientação nova na interpretação das relações existentes poderia dar origem a uma situação revolucionária do

mundo inteiro como jamais existiu até aqui” (MARX e ENGELS, 1976a, v. I, p. 108).

Segundo as palavras de Marx e Engels:

A Crítica absoluta [Bruno Bauer] apreendeu da Fenomenologia de Hegel a arte de transformar as cadeias reais objetivas, existentes fora de mim, em cadeias puramente ideais, puramente subjetivas, existentes puramente em mim e, por conseqüência, todas as lutas exteriores e concretas em simples lutas de idéias. (1987, p. 83-84).

Marx e Engels reafirmam que as cadeias objetivas devem ser revolucionadas praticamente, na sua realidade exterior, objetiva. Escrevem:

como estas auto-alienações práticas da Massa existem de modo extrínseco no mundo real, ela é obrigada a combatê-los igualmente de modo extrínseco. Não lhe é permitido de modo algum considerar esses produtos de sua alienação como fantasmagorias ideais, de tê-las como simples alienações da consciência de si, e de querer abolir o despojamento material através de uma ação puramente interior, de natureza espiritualista. (1987, p. 83)

Bruno Bauer é um pensador inconsequente, pois se limita a criticar as representações do mundo, em especial as representações religiosas do mundo. Como todos os neo- hegelianos, Bauer é um crítico da religião.

Marx e Engels, como referi anteriormente, em diferentes obras, salientam os méritos da crítica neo-hegeliana da religião. Esta, ao revelar que Deus é uma criação dos homens, revela que o erro não está no céu, mas na terra, isto é, na vida material dos homens e nas relações sociais que estes travam entre si na produção da sua própria vida. Porém, segundo Marx e Engels, a crítica neo-hegeliana da religião é insuficiente. Isto porque os neo- hegelianos não passam da crítica do céu para a crítica da terra. Limitam-se criticar o céu e, portanto, não compreendem as contradições reais da realidade, que, segundo Marx e Engels, devem ser conhecidas para poderem ser revolucionadas.

Marx e Engels reclamam da concepção de Bruno Bauer que afirma que o judeu, na Alemanha, para alcançar a emancipação política, a emancipação cidadã, a emancipação civil, deve prescindir da sua religião, isto é, deixar de ser judeu. Bruno Bauer afirma que o judeu solicita que o Estado deixe de ser cristão, então ele (o judeu) deve deixar de ser judeu, para alcançar a igualdade civil. Marx e Engels contestam Bauer, afirmando que esse confunde a emancipação política com a emancipação humana.

56 Marx e Engels reclamam que Bauer concebe a emancipação política da religião como a superação efetiva da religião, isto é, com a emancipação humana da religião. Marx afirma que Bauer confunde a emancipação política com a emancipação humana. Bauer não compreende que a emancipação política significa tão somente a transferência de todas as diferenças para o plano da sociedade civil. As diferenças de nascimento, de religião, de propriedade, de ocupação, de status social são abolidas apenas na vida política, mas sobrevivem no plano da sociedade civil e, ademais, alcançam o seu desenvolvimento máximo em toda a história humana. Bauer, devido a sua posição idealista, compartilha – com Hegel e os neo-hegelianos – a crença na emancipação política como movimento de autolibertação efetivo da humanidade. Bauer concebe, tal como Hegel, o Estado moderno como representante dos interesses universais da humanidade e, dessa forma, assume o papel de ideólogo da burguesia.

Enquanto ideólogo da burguesia, visto que enxerga a emancipação meramente política como a emancipação humana real, Bauer não consegue enxergar os limites da formação humana no capitalismo. Considera mesmo que os homens possam superar todos os entraves a um desenvolvimento integral das suas capacidades e necessidades, apenas a partir da crítica da religião. Bauer não compreende que, após efetivada a crítica da religião, o principal encontra-se ainda por fazer, ou seja, a compreensão das contradições reais da vida humana e a revolução prática destas condições.

Bruno Bauer é um crítico da religião, mas um crítico que não enxerga as bases materiais da religião na vida real. Por este motivo, Marx o apelida, de maneira hilariante, de São Bruno. Marx e Engels afirmam:

Assim o primeiro elemento que encontramos em São Bruno é a sua constante dependência de Hegel. Não nos ocuparemos detalhadamente das suas considerações copiadas de Hegel, limitando-nos apenas a reunir algumas frases que mostram a confiança inabalável que deposita na virtude dos filósofos e que ponto partilha da sua crença ilusória em que uma modificação da consciência e uma orientação nova na interpretação das relações existentes poderia dar origem a uma agitação revolucionária do mundo inteiro como jamais existiu até aqui. (1976a, v. I, p. 108).

Segundo Marx e Engels, Bruno Bauer vê no problema da religião um problema puramente religioso. Considera que a questão judaica é uma questão religiosa. Ele critica e combate a consciência religiosa enquanto essência autônoma. Considera, portanto, que os fenômenos ideológicos da vida social são autônomos em relação à vida real. Para ele, a religião é a razão da subjugação dos homens, o entrave da formação humana.

Marx e Engels argumentam que o problema da emancipação dos judeus não é um problema puramente religioso, mas social. Primeiro, afirmam que a emancipação política da religião não é a emancipação de fato da religião, mas tão somente a sua transferência para o

57 plano da sociedade civil. Demais, Marx e Engels salientam o caráter terreno do judaísmo, manifesto na existência do dinheiro e do mercado mundial, os verdadeiros fundadores do agrilhoamento do homem, da sua subjugação, da sua falta de liberdade. Marx e Engels, portanto, clamam pela emancipação da sociedade do judaísmo, pela emancipação prática do judaísmo, ou seja, pela superação do sistema monetário e do mercado mundial.

1.6 Concepção de Marx e Engels acerca da Relação entre Ideologia e Formação Humana