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A Ideologia Socialista de Mar

A CONCEPÇÃO DE MÉSZÁROS ACERCA DO PODER DA IDEOLOGIA NA VIDA SOCIAL E NA FORMAÇÃO DOS HOMENS

3.2 A Ideologia Socialista de Mar

Meu objetivo, nesta segunda seção, é explicitar a leitura de Mészáros acerca da ideologia socialista de Marx, em particular das suas das expectativas de realização do socialismo ainda em sua época – ou seja, durante o século XIX.

Antes de tudo, cabe lembrar que Marx concebe a sociedade capitalista da sua época como fundada nas inter-relações recíprocas entre sociedade civil e Estado político. Marx concebe a sociedade civil como fundada na divisão do trabalho. Por outro lado, concebe o Estado político, o Estado moderno que emerge da Revolução Francesa de 1789, como o poder organizado da burguesia contra a classe trabalhadora.

Marx, - desde os anos 1840, que marca a explicitação da luta de classes entre capital e trabalho, luta esta que anteriormente se conservava em estado latente, pois o proletariado ainda não almejava realizar seus interesses de classe e, desse modo, abolir as classes -, concebe a revolução socialista, em direção a um futuro modo de produção comunista, como uma revolução social, que deve principiar por uma revolução política através da qual o proletariado tome o poder político do capital. A revolução social é compreendida como processo de transformação radical da estrutura da vida social, em suma, como processo de superação da divisão social hierárquica do trabalho que caracteriza o modo de produção capitalista. Marx concebe que, com a superação da divisão hierárquica do trabalho, o Estado político deve definhar até desaparecer, quando os homens, no novo modo de produção comunista esperado, os produtores associados deverão regular conscientemente sua produção

142 social de acordo com as autênticas necessidades humanas, tanto dos indivíduos, quanto da humanidade em geral. Em suma: o propósito da revolução socialista, aguardada por Marx e acionada por ele através das suas ideias, deve ser a emancipação econômica da classe trabalhadora, com a consequente superação da exploração do homem pelo homem e do poder político organizado de uma classe contra outra. Marx fala também da necessidade de um Estado de transição, em direção ao definhamento do Estado. Este Estado de transição é denominado de ditadura do proletariado.

Marx, sempre segundo Mészáros, aponta duas condições vitais para uma transformação socialista genuína. Primeiro, a maturação de certas condições objetivas para a revolução, o que significa dizer que, para Marx, a revolução socialista pressupõe um elevado desenvolvimento das forças produtivas, sem o qual apenas se generalizaria a miséria. Segundo, a formação de uma consciência de massa comunista. Ao mesmo tempo, Marx sempre compreende a revolução socialista, da qual a revolução política é apenas o primeiro ato, como um movimento que deve assumir um caráter internacional, com a participação ativa do proletariado dos países capitalistas dominantes.

Marx formulou sua teoria da revolução socialista antes da realidade capitalista ser alterada por determinadas circunstâncias no final do século XIX, em particular, pela formação do partido de vanguarda leninista e pelas acomodações da socialdemocracia alemã, acomodações estas intimamente ligadas ao movimento imperialista dos países dominantes. Sobre este movimento que se ergueu no final do século XIX e prossegue até hoje, através do neocolonialismo, voltarei na quarta seção deste capítulo.

Marx, em sua época anterior ao período imperialista dos países dominantes, via com otimismo as possibilidades de formação de uma consciência de massa comunista, pressuposto incontornável da revolução social. Já na obra A Ideologia Alemã, escrita em 1845/1846, ele e Engels afirmam:

De modo geral, a indústria em grande escala criou por toda parte as mesmas relações entre as classes da sociedade, e desse modo destruiu as características peculiares das várias nacionalidades. Enquanto a burguesia de cada nação ainda mantinha interesses nacionais separados, a grande indústria criou uma classe que em todas as nações tem o mesmo interesse e para a qual o nacionalismo já está morto. (MARX e ENGELS apud MÉSZÁROS, 2004, p. 27).

Ao mesmo tempo, Marx, em seus escritos sobre a Comuna de Paris, tinha expectativas otimistas quanto à questão do definhamento do Estado após a revolução socialista. Segundo as palavras de Mészáros, entrelaçadas com as de Marx:

A avaliação otimista de Marx sobre a Comuna de Paris, vendo-a como “uma revolução, não contra esta ou aquela [...] forma de poder de Estado, [mas] uma revolução contra o próprio Estado”, estava associada a uma caracterização

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daquele poder de Estado”, a “última forma possível de domínio de classe [burguês]” e o “último triunfo de um Estado separado e independente da sociedade”

(MÉSZÁROS, 2004, p. 342).

Conforme Mészáros, estas duas expectativas de Marx, a primeira referente á constituição de uma consciência de massa comunista e a outra relativa às possibilidades de definhamento do Estado a partir de uma suposta última forma de Estado (o Segundo Império Bonapartista) não se concretizaram.

Ao mesmo tempo, as expectativas de Marx relativas à realização de uma revolução socialista ainda no século XIX não foram concretizadas. Marx tinha a seguinte esperança:

“Não se pode negar que a sociedade burguesa vive seu segundo século XVI que, espero eu,

vai levá-la para o túmulo, assim como o primeiro deu-lhe vida” (MARX apud MÉSZÁROS,

2004, p. 338).

Não obstante esperar a revolução socialista ainda no século XIX e a partir do proletariado dos países europeus dominante, Marx – até o fim da sua vida – “voltou-se para os problemas específicos das sociedades camponesas, no que diz respeito a suas potencialidades

para o desenvolvimento socialista” (MÉSZÁROS, 2004, p. 337). Porém, “não expôs com

detalhes suas conclusões nem modificou seus pontos de vista estratégicos anteriores em relação ao mandato histórico da revolução proletária e à formação do Estado de transição: a

ditadura do proletariado” (MÉSZÁROS, 2004, p. 337).

Segundo Mészáros, “A possibilidade de um desenvolvimento muito mais prolongado surgiu à margem do pensamento de Marx, formulada como um grande dilema – implicando muitos fatores desconhecidos, com todas as necessárias consequências teóricas em uma carta a Engels” (MÉSZÁROS, 2004, p. 338). Nesta carta, se lê:

A tarefa histórica da sociedade burguesa é o estabelecimento do mercado mundial, pelo menos em seus contornos gerais, e de um modo de produção que se apoie em suas bases. Como o mundo é redondo, parece que isso foi realizado com a colonização da Califórnia e da Austrália e com a anexação da China e do Japão. Para nós, a questão difícil é a seguinte: a revolução no continente é iminente e seu caráter será imediatamente socialista; ela não será necessariamente esmagada neste pequeno canto do mundo, visto que em um terreno muito maior o desenvolvimento da sociedade burguesa ainda está em ascendência. (MARX apud MÉSZÁROS, 2004, p. 338).

Marx podia ter apenas a esperança da revolução socialista no pequeno canto do mundo, revolução esta que poderia obstaculizar o desenvolvimento do capitalismo no resto do

mundo. “A situação mundial tinha de ser caracterizada deste modo por causa daquilo que

Marx enfatizava como a inegável ascendência do capital naquele ‘terreno muito maior’ que

necessariamente relativizava o ‘pequeno canto do mundo’ que era a Europa” (MÉSZÁROS,

144 Mészáros argumenta que a não concretização da revolução socialista no cantinho do mundo europeu teve importantes consequências. Segundo o autor, a não realização da revolução socialista no pequeno canto do mundo teve como consequência duas coisas. Primeiro, a questão das formas sociopolíticas de transição se tornou um problema maior do que o esperado por Marx, visto que a revolução poderia não ser desencadeada pelos povos dominantes, o que traria consequências para o Estado de transição (a ditadura do proletariado), pois o definhamento do Estado ficaria atrasado diante da possibilidade de que a superação da divisão do trabalho poderia levar mais tempo. Demais, ainda mais importante é o fato de que o desenvolvimento do capitalismo pelo mundo permitiu deslocar as contradições internas do capital, adiando a sua derradeira crise estrutural.

Esta problemática da não efetivação da revolução socialista no cantinho do mundo europeu foram percebidas por Marx, mas se mantiveram a margem do seu pensamento, visto que ele esperava o sucesso da revolução no cantinho europeu. ”Assim, os elementos sumariamente identificados de tal perspectiva foram deixados à margem de sua concepção, aparecendo de tempos em tempos como vislumbres um tanto isolados, mas nunca

completamente integrados à sua teoria como um todo” (MÉSZÁROS, 2004, p.339).

Em relação à ideologia socialista do próprio Marx, Mészáros ainda argumenta que Marx recorre a um subterfúgio para resolver a contradição, presente em sua obra, entre a

“suposição de que a consciência comunista da classe trabalhadora já estaria determinada” (MÉSZÁROS, 2004, p. 343) e o fato de que a transformação das circunstâncias e dos homens, objetivo da revolução socialista, estar longe de ser realizada. No contexto da defesa da Comuna de Paris, Marx recorre a uma caracterização prescritiva da consciência de classe.

Na verdade, nas condições inevitavelmente prematuras da ‘revolução social pretendida – quando o capitalismo é reconhecido por Marx como estando em ascendência na maior parte do planeta -, somente a consciência de massa comunista prescrita pode superar essa grande lacuna histórica e promover a garantia desejada para manter o ímpeto da luta indispensável. (MÉSZÁROS, 2004, p. 346).

Mészáros ainda argumenta que, na teoria marxiana, “a fragmentação da classe trabalhadora é muito subestimada e as consequências políticas necessárias de tal fragmentação (e concomitante estratificação) permanecem em grande medida inexploradas” (MÉSZÁROS, 2004, p. 346) Marx subestima o fato de que, além da fragmentação entre capital e trabalho,

“deve-se também enfrentar a fragmentação dentro do próprio trabalho como um grande problema para o proletariado, tanto antes como depois da conquista do poder político” (MÉSZÁROS, 2004, p. 347). Marx supõe como coisa natural o potencial da classe trabalhadora, ao contrário do campesinato, de agir como uma força unida.

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Em resumo: Marx “tende a prever um curso muito menos problemático dos

acontecimentos – como fez ao projetar a sindicalização global e a correspondente militância política – do que aquele que os fatos históricos mostram” (MÉSZÁROS, 2004, p. 351). Demais, Marx, conforme aponto a seguir, por não ter vivido o imperialismo e o neocolonialismo, aposta exageradamente na tese de que a nacionalidade é coisa morta para a classe trabalhadora, conforme citei no início desta seção.