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O Entendimento da Obra A Ideologia Alemã a partir do Relato Autobiográfico contido no Prefácio de

DE MARX E ENGELS

1.2 O Entendimento da Obra A Ideologia Alemã a partir do Relato Autobiográfico contido no Prefácio de

Considero o Marx anterior à obra Crítica da Filosofia do Direito de Hegel como o Marx pré-marxiano, ainda não materialista e ainda não comunista. Este Marx era um filósofo idealista e democrata, que desenvolvia seu pensamento dentro dos marcos teóricos da filosofia hegeliana e neo-hegeliana e, portanto, concebia que as ideias, as formas de consciência, fundam a realidade da vida humana real. Tinha, por conseguinte, uma visão dos fenômenos ideológicos da vida social como autônomos em relação à base material da vida social e como determinantes desta vida. O Marx pré-marxiano concebia as formas ideológicas da vida social enquanto determinantes da vida material, e a vida real enquanto determinada pelas formas de consciência. O Marx pré-marxiano acreditava que as ideias tinham prioridade ontológica em relação à vida real.

O Marx pré-marxiano tinha também uma concepção positiva da politicidade e do Estado moderno, que concebia, a maneira de Hegel e dos neo-hegelianos, como a realização da razão. Via o Estado moderno enquanto racional e acreditava no aperfeiçoamento do Estado em direção ao Estado perfeito, que representaria o interesse particular de cada um e o interesse universal de todos. Via a vontade política como a vontade dirigida ao bem comum, ao universo dos homens. E como uma vontade passível de realização em direção ao Estado concebido enquanto autêntica universalidade humana, identificada ao Estado moderno.

Este Marx, - conforme ele próprio relata de modo autobiográfico no famoso Prefácio de 1859 -, se vê em apuros quando tem que dar opiniões sobre a vida econômica a partir da filosofia hegeliana e neo-hegeliana. Conforme as suas próprias palavras: “Nos anos de 1842/43, como redator da Gazeta Renana (Rheinische Zeitung) vi-me pela primeira vez em

31 apuros por ter que tomar parte na discussão sobre os chamados interesses materiais” (1982c, p. 24).

Marx se vê em apuros porque percebe que a teoria idealista e a concepção positiva da política, que eram até então seu referencial teórico-ideológico, não conseguem dar conta da realidade, não explicam a realidade. Percebe que a teoria hegeliana e neo-hegeliana, - que enxerga a solução dos problemas sociais no aperfeiçoamento do Estado em direção ao Estado racional, concebido como o Estado moderno que emerge da Revolução Francesa -, não é capaz de explicar o mundo dos homens, nem de oferecer o arcabouço teórico para a solução do problema da emancipação humana genuína. Daí, seus apuros.

É também no Prefácio de 1859 que Marx fornece a chave do momento preciso em que se tornou materialista e comunista. Ele diz: “O primeiro trabalho que empreendi para resolver a dúvida que me assediava foi uma revisão critica da filosofia do direito de Hegel, trabalho

este cuja introdução apareceu nos Anais Franco-Alemães (Deutsch-Französische

Jahrbücher), editados em Paris em 1844” (1982c, p. 24-25).

Marx, em seguida, informa acerca da conclusão a que chegou com a revisão da filosofia do direito de Hegel. Suas palavras afirmam:

Minha investigação desembocou no seguinte resultado: relações jurídicas, tais como formas de Estado, não podem ser compreendidas nem a partir de si mesmas, nem a partir do chamado desenvolvimento geral do espírito humano, mas, pelo contrário, elas se enraízam nas relações materiais da vida, cuja totalidade foi resumida por

Hegel sob o nome de “sociedade civil” (bürgerliche Gesellschaft), seguindo os

ingleses e franceses do século XVIII; mas que a anatomia da sociedade burguesa (bürgerliche Gesellschaft) deve ser procurada na Economia Política. (1982c, p. 25).

Marx acrescenta que começou seus estudos de Economia Política em Paris e os continuou em Bruxelas, para onde se transferiu “em consequência de uma ordem de expulsão

do Sr. Guizot” (1982c, p. 25).

Ao mesmo tempo, Marx, conforme ele próprio relata, tomava contato com a crítica das

categorias econômicas efetuada por Engels. Marx acrescenta que quando este “veio também

instalar-se em Bruxelas, decidimos elaborar em comum nossa oposição contra o que há de ideológico na filosofia alemã; tratava-se, de fato, de acertar as contas com a nossa antiga

consciência filosófica” (1982c, p. 26). Assim nasceu a obra A Ideologia Alemã. Os autores não conseguiram publicá-la, mas ficaram satisfeitos. Conforme as palavras de Marx:

“Abandonamos o manuscrito à crítica roedora dos ratos, tanto mais a gosto quanto já havíamos atingido o fim principal: a compreensão de nós mesmos” (1982c, p. 26).

Marx, conforme retrata Chasin (1995), parte de uma crítica da filosofia do direito de Hegel, que é, ao mesmo tempo, uma crítica ontológica da filosofia especulativa e uma crítica ontológica da politicidade, isto é, da política e do Estado, pois a filosofia de Hegel é o

32 pensamento abstrato do Estado moderno. Desemboca na conclusão de que a sociedade civil é

o fundamento do Estado. Decide então estudar economia política, em busca da “anatomia da sociedade civil”. Desta terceira crítica ontológica, a crítica ontológica da economia política,

que se efetiva sem o abandono das duas supracitadas críticas ontológicas, Marx chega a sua famosa conclusão, que reproduzo a seguir:

O resultado geral a que cheguei e que, uma vez obtido, serviu-me de fio condutor aos meus estudos, pode ser formulado em poucas palavras: na produção social da própria vida, os homens contraem relações determinadas, necessárias e independentes de sua vontade, relações de produção estas que correspondem a uma etapa determinada de desenvolvimento das suas forças produtivas materiais. A totalidade dessas relações forma a estrutura econômica da sociedade, a base real sobre a qual se levanta uma superestrutura jurídica e política, e à qual correspondem formas sociais determinadas de consciência. O modo de produção da vida material condiciona o processo em geral da vida social, político e espiritual. Não é a consciência dos homens que determina o seu ser, mas, ao contrário, é o seu ser social que determina a sua consciência. Em uma certa etapa de seu desenvolvimento, as forças produtivas materiais da sociedade entram em contradição com as relações de produção existentes ou, o que nada mais é do que a sua expressão jurídica, com as relações de propriedade dentro das quais aquelas até então se tinham movido. De formas de desenvolvimento das forças produtivas essas relações se transformam em seus grilhões. Sobrevém então uma época de revolução social. Com a transformação da base econômica, toda a enorme superestrutura se transforma com maior ou menor rapidez. Na consideração de tais transformações é necessário distinguir sempre entre a transformação material das condições econômicas de produção, que pode ser objeto de rigorosa verificação da ciência natural, e as formas jurídicas, políticas, religiosas, artísticas ou filosóficas, em resumo, as formas ideológicas pelas quais os homens tomam consciência desse conflito e o conduzem até o fim. (1982c, p. 25).

Marx aqui informa como, - a partir das três críticas ontológicas supracitadas -, chegou à concepção materialista da história, contida na obra A Ideologia Alemã e no conjunto dos seus escritos. Informa também como chegou a sua concepção dos fenômenos ideológicos da vida social enquanto formas de consciência, enraizadas na vida material, através das quais os conflitos sociais são conscientizados e conduzidos até o fim, isto é, resolvidos.

1.3 A Filosofia Neo-hegeliana e a Crítica de Marx e Engels: Contraposição entre o